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6 Coisas que Não Existiam Antes de Pokémon GO – Você não vai acreditar no número 5

Pokémon GO, a nova febre de realidade aumentada desenvolvida pela gigante de jogos Niantic, foi lançado em Julho. Os eventos que então sucederam fazem até os mais céticos questionarem suas crenças a respeito de jogos eletrônicos, celulares e sobre a estrutura da nossa sociedade.

1. Acidentes

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Desde que Pokémon GO foi lançado, um sem número de usuários rondam as ruas como zumbis, sem prestar atenção ao que acontece ao seu redor. Só nas primeiras semanas o número de acidentes relacionados a Pokémon GO foi a causa de acidentes de trânsito, pernas torcidas e até mortes, registrando mais de 20 acidentes ao redor do mundo.

Essa mesma distração, fatal para motoristas e pedestres, também impactou no número de furtos e assaltos. Como andar com os celulares em mãos na rua é novidade, ladrões e assaltantes estão em polvorosa. É um banquete ao ar livre para pessoas mal intencionadas.

Se os números continuarem crescendo, especialistas estimam que em 20XX os acidentes relacionados ao joguinho superem até mesmo o número de mortos na Guerra do Vietnã(1,313,000). A ameaça é clara, e lembra muito o fenômeno de acidentes, assaltos e problemas decorrentes do lançamento do Twitter. Abaixo, a prova:vietnapokemongraph

2. Elitismo e Racismo Estrutural

A Niantic, empresa que desenvolveu Pokémon Go, possui outro jogo em seu portfolio que também é baseado em geolocalização e tem pontos de interesse semelhantes aos Pokéstops e Ginásios. O banco de dados que eles usaram em Pokemon GO foi sendo criado conforme os usuários do jogo cresciam. Eles tinham um sistema que identificava pontos com alto fluxo de jogadores, em geral áreas de uso público e estabelecimentos comerciais, para posicionar seus pontos de interesse – no caso, as Poké-stops. Consequentemente são parques, shopping centers, super-mercados, igrejas, etc. Além disso, durante o beta-test de Pokémon GO, foram coletados ainda mais dados para terem mais informações de por onde os jogadores teriam mais chance de circular estatisticamente.

Em posse desses dados, a Niantic decidiu que ia mudar tudo. Porque como empresa malvada, capitalista e exploradora, o objetivo deles era dinheiro, e nada mais. Então eles jogaram tudo fora, pegaram os 69 países nos quais o jogo está disponível, aí pegaram a lista de 420 cidades mais populosas de cada país (total de 28.980 cidades) e a lista de 1250 ruas mais movimentadas de cada cidade (36.225.000 ruas) e foram colocando os Pokéstops manualmente onde eles achavam que era zona de gente rica, que efetivamente ia gastar dinheiro no jogo. Temos informações privilegiadas de que 3 funcionários da Niantic fizeram essa atividade em 2 semanas, por ser uma tarefa fácil e pequena.

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Imagem vazada de um dos mainframes da Niantic.

Os pontos de interesse do jogo estarem longe de áreas rurais e zonas puramente residenciais é a clara demonstração de que a empresa planejou tudo de propósito para manter seu jogo em áreas de alto poder aquisitivo, excluindo jogadores de comunidades carentes. Não tem nada a ver com o fato dessas áreas terem poucas áreas com alta densidade de circulação. Eles são do mal mesmo. Fica a dúvida se a Niantic e a Pokémon Company vão assumir a responsabilidade por esses incidentes, ou se vão passivamente aceitar o problema que criaram.

3. Bullying

Da série de problemas modernos causados pela tecnologia, com a ajuda da realidade aumentada, a perseguição e bullying – problemas exclusivos da Internet – estão cruzando as fronteiras digitais e acontecendo na vida real. A divisão dos usuários em três times favorece a lei da selva, onde os maiores grupos agridem e fazem chacota dos menores.

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Enquanto pequenos grupos organizados já são comuns, as autoridades já estão fazendo estudos de campo e antecipando o possível surgimento de um fenômeno similar ao dos Hoolingas ingleses, com áreas totalmente dominadas por determinados times e confrontos entre grandes gangues.

4. Espionagem de Dados

Muita polêmica surgiu quando alguns usuários notaram duas coisas interessantes sobre os termos de uso do aplicativo:

  1. Ele solicita permissões para acessar os dados da câmera e GPS do seu celular.
  2. A empresa colaboraria com agências de segurança nacional dos EUA caso isso fosse solicitado.

O item #1 poderia ser justificado pois o jogo precisa desse acesso para posicionar os monstrinhos na Realidade Aumentada, e o item #2 seria só uma conformidade legal visto que todas as empresas são obrigadas a colaborar com investigações. Afinal de contas ao olhos de um leigo, são condições simples, também presentes nos termos de uso dos aplicativos Instagram e Foursquare. Mas nós não somos leigos. Somos profissionais. Descobrimos a verdadeira natureza da colaboração de Pokémon Go com o Pentágono.

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Embora muita gente não saiba, alguns objetos como abajures e forninhos elétricos emitem um campo eletromagnético fraco, mas bastante distinguível. Ao saber onde, dentro de sua casa, esses itens são posicionados, as agências de defesa podem usar essa informação para triangular com precisão milimétrica o lançamento de um míssil em uma ameaça ao estado. Mesmo que seja necessário coletar vídeos e coordenadas de milhões de usuários do aplicativo, encontrar o abajur e o forninho certo pode garantir as informações necessárias para enviar um míssil que acaba de uma vez por todas com a Al Qaeda.

5. Cultos Satanistas

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Imagem de um personagem famoso da franquia.

 

Pokémon, como todos sabem, é uma franquia que flerta com temas ocultistas e idólatras, apresentando-os às crianças como se fossem coisas inofensivas. Nossos avós e pastores tentaram nos avisar e agora é tarde demais.

As crianças que cresceram com os diabos de bolso (pokémon em japonês, como apontaram especialistas, quer dizer “diabo de bolso”) agora são adultos ativos na sociedade. Houve até uma petição na cidade de Detroit, famosa por seus cultos satânicos secretos, de erguer uma estátua ao tinhoso em um armazém, e essa petição foi aprovada.

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Com o advento da Realidade Aumentada, isso deu ainda mais um passo à frente. Agora os celulares mostram os monstros de Pokémon no mundo real através de suas câmeras, levando a idolatria a outro nível. Realidade aumentada? Ou seria apenas a revelação de algo que nós não conseguimos enxegar?

6. Ironia

Se você chegou até aqui, parabéns. Todos os outros itens da lista foram motivo de acusações da mídia em sua tentativa desesperada de conseguir cliques. Portais de notícia de alta circulação como a FOX News, e até a gigante de tecnologia WIRED já veicularam matérias sensacionalistas culpando esse jogo por problemas que já ocorriam antes por outros motivos.

Fala sério, você não via ninguém andando na rua distraído com o celular antes de Pokémon GO?

A tecnologia tem natureza potencialmente disruptiva. Por ser acessível para leigos em escala global, ela inevitavelmente se torna um artefato especular, refletindo características da nossa sociedade tanto no microcosmo doméstico quanto no macrocosmo da nossa aldeia global. Naturalmente, problemas estruturais que vem se arrastando desde a antiguidade vão, também, ser refletidos e amplificados.

A tecnologia não cria problemas (nesse contexto). Ela só os torna evidentes. As pessoas são distraídas, seja jogando Pokémon ou falando no WhatsApp. Áreas urbanas de baixa renda possuem menos áreas de alta circulação, mas não por causa de um jogo. As pessoas implicam umas com as outras seja porque escolheram o Team Mystic ou porque torcem pro Corinthians. Os fenômenos que estão sendo mencionados não são nada de novo, mas por aparecerem vinculados com uma coisa que não conhecemos direito, temos a tendência de problematizar algo que não dá origem a eles.

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Créditos à imagem original no link!

Ao invés de responsabilizar as empresas de tecnologia – ainda mais empresas que trabalham com dados crowdsourced ou usam algoritmos de aprendizado – pelas falhas da sociedade, nós devíamos abraçar o potencial especular da inovação e observar os problemas que ela nos revela. É hora de nos envergonharmos de manter o status quo numa sociedade que valida esses problemas e assumir a responsabilidade por eles, agindo para mudá-los ao invés de colocar a culpa em um aplicativo inofensivo ou numa única empresa.

(Esse artigo também é a nossa Carta de Aplicação para a Polygon. Se quiserem publicá-lo inteiro excluindo este último item, vão em frente.)

Indie para Principiantes

A não ser que você tenha passado os últimos 10 anos debaixo de uma pedra, você já ouviu falar dos famosos indie games. Há alguns anos atrás, uma confluência de diversos fatores (que não vamos tratar aqui) levou a cena independente a atingir uma massa crítica de quantidade, qualidade e audiência que levou a um crescimento súbito na sua fama, fortuna e reconhecimento. Até jogos feitos por desenvolvedores independentes quase dez anos antes, como o fantástico Cave Story (ou Doukutsu Monogatari para os íntimos), acabaram recebendo a atenção que mereciam.

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Teve até documentário – link na imagem.

Eu sei que alguns de vocês devem estar pensando:

Ah, que assunto chato. Essa discussão é notícia fria. Já li uns mil textos sobre ela e a cena independente já nem tá mais tão forte assim.

Se é o seu caso, meu recado pra você é: aceitamos encomenda de posts especiais pra você em hatemail@meanlook.org, valores a negociar.

Pra todos os outros, vamos à pergunta de um milhão de dólares: O que faz um jogo ser independente?

Preparem-se para um post com muitas listas.

Comofas joguíneos

Antes de entrar nessa vereda lamacenta, é bom explicar como funciona o mercado de jogos na indústria tradicional. 

A indústria AAA – como é chamada a indústria tradicional, que usa tecnologia de ponta e investe milhões na produção de jogos de última geração – é fundamentalmente apoiada em duas figuras da cadeia produtiva:

  • Developers (desenvolvedoras) são as empresas responsáveis por fazer os jogos;
  • Publishers (distribuidoras) são as empresas responsáveis pela publicação (duh) do jogo – publicidade do jogo e manufatura do produto final – fazendo a caixinha do CD, garantindo que o jogo vai estar presente nas lojas.

É claro que além destes dois agentes também existem a mídia especializada, os produtores industriais (no caso de mídias impressas), os críticos, enfim: Uma porrada de gente que compõe o ecossistema dos jogos eletrônicos.

Como conhecemos muito bem os nossos leitores, contaremos com imagens de apoio pra explicar essa relação:

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  1. A developer apresenta pitches, pré-projetos de jogos, aos investidores – esses investidores podem ser externos, uma mesa diretora formada pelos acionistas ou, por vezes, a própria publisher;
  2. Os investidores, quem quer que eles sejam, determinam se um pitch parece uma oportunidade de negócio interessante. Eles liberam o investimento para a developer desenvolver aquele jogo;
  3. A developer – que costuma ter contrato ou até ser subsidiada pela publisherdesenvolve o jogo e então o envia à publisher para que ele seja publicado;
  4. A publisher, que provavelmente já começou a fazer o marketing do jogo, o apresentando na E3, enviando material promocional pra mídia, gerando hype &c. lança o jogo nas lojas, marketplaces online, na porra toda, ao mesmo tempo que continua a fazer publicidade;
  5. O público hypado compra o jogo;
  6. O dinheiro das vendas volta pra publisher, que tira a sua parte e envia para a developer, que distribui o lucro entre os investidores, acionistas, &c.;
  7. Rinse & repeat.

Esse é o processo mais tradicional. Existem mil variações dessa zona aí, mas esse é o básico que você precisa entender pra sacar qual a diferença entre indies e AAA.

Se você ainda está com dificuldades, recomendamos que você comece por esse vídeo.

Independência ou morte

O esteriótipo do desenvolvedor independente iniciante é a de um eremita barbudo que mora num porão só com uma cama, um computador conectado na internet e um balde, que se alimenta de miojo e coca-cola sem gás, e que pra continuar desenvolvendo seu jogo quebrou o porquinho, vendeu o carro, tá queimando a caderneta de poupança e chupando pintos meio-período pra suplantar a renda.

O porquê disso vai ficar bem claro agora que eu vou mostrar o diagrama do indie tradicional pra vocês:

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  1. O desenvolvedor indie faz o jogo;
  2. O desenvolvedor indie bota o jogo dele em uma plataforma de venda e torce pras pessoas comprarem.

Fim do processo.

É, o cara faz o jogo sem investimento, só com a paixão do coração e o miojo na barriga. O equipamento que ele tem, as habilidades que ele tem, o tempo e as energias que ele tem disponível: é com isso que ele vai começar e ir até o final em 99.9% dos casos. O indie tradicional – ou seja, o indie se tudo der errado, e costuma dar – é assim mesmo. O cara passa anos desenvolvendo o jogo sozinho e sem expectativa de retorno alguma, fazendo todas as coisas necessárias pra um jogo dar lucro sozinho.

Ou seja: Morte. Nós avisamos.

Alternativas indie

É claro que junto com o amadurecimento da indústria de jogos as coisas já começaram a mudar de figura e hoje o desenvolvedor independente tem algumas alternativas, mas ainda é muito difícil emplacar um jogo feito do zero. É óbvio, também, essas alternativas muitas vezes colocam em cheque exatamente o que é ser independente.

A primeira delas, que já gerou muita discussão, é o crowdfunding ou “financiamento coletivo”. Pra quem não sabe o que é crowdfunding, são plataformas online onde qualquer um pode entrar e fazer uma apresentação do seu produto (que não precisa ser um jogo!) para a internet e seus habitantes. Então as pessoas que se interessarem pelo projeto podem fazer contribuições, desde valores simbólicos que não retornam nada até pré-compras do produto em questão. Existem várias dessas plataformas, com modelos diferentes de funcionamento, desde o gigante estrangeiro Kickstarter ao nacional similar Catarse, ambos com um portfólio imenso de projetos de sucesso.

Quando bem sucedidos, isso dá fundos para que os indies se sustentem e arquem com os custos do desenvolvimento enquanto produzem. Mas isso faz com que eles deixem de ser independentes? Afinal, eles estão recebendo dinheiro do público para produzir o jogo, tal como as AAA recebem de seus investidores. Na nossa opinião, não, por um motivo simples.

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O dinheiro do financiamento coletivo vem da paixão dos apoiadores pelo projeto, que são parte do público consumidor final. Eles estão assumindo o papel de “investidores” na ideia do desenvolvedor porque acreditam que ele vai fazer um trabalho bacana. Dessa forma, inverte-se a ordem do fluxo de bens e produtos para viabilizar que uma pessoa que não teria os meios de oferecer um produto antes possa oferecê-lo.

Também existem, hoje, publishers especializadas em desenvolvedores indie. Isso deixa a definição um pouco mais complicada, porque os contratos de distribuição podem incluir um pequeno investimento prévio a ser pago de volta quando o jogo for lançado, e que envolve essas distribuidoras ficarem com uma parcela bem grande das vendas até que esse investimento prévio seja quitado.

Quando não incluem, porém, o diagrama fica mais ou menos assim:indiepub

Ou seja, a publisher, tal como uma publisher AAA , arca com os custos de marketing e manutenção do jogo nas plataformas de venda. Entram em jogo empresas como a agora famosa Devolver Digital, a Versus Evil e até empresas que antes eram voltadas para o mercado AAA abrindo as portas para independentes – afinal, esse mercado está movimentando quantidades absurdas de dinheiro.

O Indie de Schrödinger

O mercado indie teve um boom tão grande nos últimos tempos, entre outros motivos por ocupar a lacuna de inovação e novidade que o mercado AAA deixou – afinal, investir na casa das centenas de milhões de dólares em um jogo não deixa muito espaço pra “é, talvez isso daqui não funcione” -, que ele começou a atrair a atenção de uma parcela bem grande dos jogadores.

Não demorou até aparecerem figuras feito esse babaca.

There is a space I want us to fill.  Common wisdom says that this space doesn’t exist.  I’m calling this space Independent AAA.

– ANTONIADES, Tameem; Chief Designer da Ninja Theory

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A única resposta apropriada é: Teu cu.

O posicionamento de um ponto de vista de frear o crescimento da empresa e investir num ambiente empresarial criativo é super maneiro, mas isso não vai transformar você numa empresa independente. Você já começa o desenvolvimento do seu jogo cheio de garantias, tem que colocar seus projetos sob o escrutínio de uma mesa diretora, recebe investimentos milionários, tem contato com as maiores publishers e está presente no mercado AAA…

Mas quer roubar o holofote das empresas que são realmente independentes e precisam dele. Isso só pra ganhar a medalha de inocente e a compaixão dos compradores. Graças, ninguém caiu nessa ladainha.

Outro exemplo de babaquice homérica é o caso recente do Mighty No. 9, onde o Inafune fez uma campanha de financiamento coletivo extremamente bem sucedida na marca dos 4 milhões de dólares e de repente, ta-da, PUBLISHER SURPRESA, ATRASOS INFINITOS, MELHOR QUE NADA.

Tameem e Inafune, vão se foder.

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No fim do dia, ser independente é o que? Não ter investimento inicial? Não precisar responder aos investidores e à mesa diretora? Ser pobre e comer só miojo? Pedir dinheiro pros outros?

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Indie, pra nós, é desenvolver um jogo sem amarras criativas.

A partir do momento que o desenvolvimento ou não do seu jogo é delegado a uma força maior – sejam investidores ou uma publisher – com o poder de influenciar nas suas decisões criativas e de projeto, de decidir com o dinheiro qual projeto a sua empresa/equipe vai fazer ou deixar de fazer, ele deixou de ser indie.

É ruim não ser indie? Não. Ruim é passar fome.

Falando nisso: Também fazemos casamentos e festas de criança, orçamento em hatemail@meanlook.org. Tratar com Rotom.

rotom

“Joguinho não é esporte” é o cacete

Estamos a pouquíssimo tempo de um dos eventos esportivos mais falados do mundo. Estamos falando do EVO, um dos campeonatos de jogos de luta mais famosos em existência. Quero aproveitar o contexto e a oportunidade pra acabar de uma vez por todas com o mimimi de “eSport não é esporte” e “joguinho não vale”. Está na hora de encararmos que por mais que video-games não sejam parte constituinte da sua vida, eles podem ser levados tão a sério, e estar em um nível tão competitivo quanto o esporte mais popular do país.

A definição de esporte

Não viaja, Diogo. A definição no dicionário de esporte diz que deve haver atividade física, e esses joguinhos não tem. É que nem o papo de que xadrez é esporte, ninguém se mexe, não tem nada de competição atlética nisso.

Se o seu objetivo com esporte é ver gente malhada, realmente não vai ser muito interessante ver joguinho pra você. De qualquer maneira a associação de esporte com esforço físico pode não ser das mais coerentes: Em uma corrida de fórmula 1, embora haja desgaste físico pela força exercida no corpo do piloto, quem faz a maior parte do trabalho é o carro. Em competições de tiro ao alvo, onde se usam pistolas de ar comprimido com o coice reduzido ao máximo possível, o esforço físico exercido está essencialmente em controlar a respiração e manter as mãos estáveis. É pouco movimento, mas isso torna esses 2 esportes de segunda categoria? Xadrez, especificamente, é aceito pelo COI como esporte desde 1999 (fazem 17 anos, galera).

Podemos nos apegar à obrigatoriedade de uma modalidade esportiva interagir com o mundo real excluiria video-games de serem considerados uma modalidade esportiva. Por isso o uso do termo eSports, ao invés de simplesmente sports. Mas sem quebrar a fronteira física, não teríamos Quadribol, Rocket League ou Blitzball. E se olharmos para esses jogos e para o “esporte clássico”, podemos ver semelhanças:

TUDO QUE É ESPORTE TEM, INCLUSIVE JOGUINHO

Regras comuns

Todos jogam pelas mesmas regras. Se futebol tivesse um conjunto de regras diferentes em cada país, quando houvesse a Copa do Mundo o negócio ia ser um desastre. Cada time se preparou com um conjunto de regras em mente, e agora na hora do vamo-ver é tudo diferente. Não faz sentido. Isso é um dos pontos fundamentais da definição do que é um jogo, por sinal. As regras tem que ser conhecidas, compreendidas, e as mesmas pra todos.

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Desafio: procure as regras oficiais de calvinball

Em video-games, a grande vantagem é que as regras são garantidas pelo código. Em outras palavras, se os jogadores estão jogando com a mesma versão – o mesmo código – é garantido que eles vão estar competindo sob as mesmas regras. Exceto se tiverem escândalos de cheating ou doping, que também estão presentes em eSports.

Vem no x1

Todos os esportes – clássicos ou eletrônicos – que abordamos podem ser jogados em alto nível de performance. Amarelinha é um jogo que todo mundo conhece: é simples, a tolerância ao erro é grande (os quadrados são enormes), é curto o suficiente pra não te deixar fisicamente acabado, e longo o suficiente pra divertir crianças. Mas se dois mega-atletas competirem, eles vão jogar mil vezes sem cometer nenhum erro, até que um dos dois vai desistir porque já fazem 3 dias, e tudo o que ele quer é ver a família dele. Se os quadrados da amarelinha fossem quase que exatamente do tamanho de um pé, estivessem muito mais distantes e houvessem obstáculos no caminho, poderíamos dizer que ela poderia ser jogado em alto nível de performance. Na verdade seria algo assim:

Outro recurso bastante utilizado: em jogos onde os adversários não podem ir diretamente um contra os outros, se trazem árbitros que julgam as performances de acordo com uma série de critérios. Ginástica Olímpica, Salto Ornamental, e até mesmo Golfe são jogos onde o confronto não é direto, mas é feito com placares. Adicionar competitividade em um jogo pode ser mais simples do que parece. Donkey Kong é um video-game de um jogador. Ele tem placar. Resultado: tem um documentário de 1h40min sobre os caras que disputavam o score mais alto nesse jogo.

IMPRESCINDÍVEL VER TODO ANTES DE CONTINUAR O TEXTO.
SENÃO N TEM COMO ENTENDER MAIS NADA. LHBFSKDJIEBNSKL

Existe um documentário de uma hora e meia sobre os caras que competiam pelo recorde de maior pontuação nesse jogo. A vontade de competir em um video-game pode não vir diretamente dele incentivar isso. É fácil entender por quê pessoas competem jogando Street Fighter, mas o exemplo de Donkey Kong é fascinante pois a vontade de competir parte de uma comunidade que compartilha um gosto por aquele jogo, e possui a mentalidade de tentar ser o melhor. Qualquer jogo pode ser levado esse patamar quando há interesse por parte da comunidade. 

Emoção à flor da pele

Tem que ser interessante. Ainda que possam haver favoritismos, o esporte nos proporciona momentos onde equipes ou indivíduos se prepararam por muito tempo, e há um quê de imprevisibilidade . De início não sabemos quem vai ganhar, e mesmo que os adversários sejam os mesmos, as partidas podem ser completamente diferentes. Isso dá margem para várias narrativas emergirem de uma partida. A dominação completa de um time sobre o outro. O pior time vencer num golpe de sorte, nos moldes de Davi e Golias. Estratégia vencendo força bruta. Tudo isso é possível. Partindo pro aspecto linguístico, em alguns idiomas fica mais claro o vínculo entre a atividade lúdica e/ou esportiva e as narrativas emergentes em decorrência delas. Em inglês, “game” é jogo. “Game” também é caça (tipo caçar codorna, javali, etc). Em alemão, “Spiel” é jogo. “Spiel” também é peça (tipo peça de teatro).

Exemplo: Há não-muito-tempo em 2012 houve uma luta de MMA entre Anderson Silva e Chael Sonnen. Sonnen provocou Silva até não poder mais em uma estratégia para tirar seu adversário do sério. Independentemente de se isso é comportamento anti-esportivo ou não, a reação dos atletas e do público ao ver a troca de provocações fez com que as pessoas tomassem lados, levantou emoções de todo mundo, e fez esta ser chamada “a luta do século” por muita gente.

Silva venceu, e deixou um monte de gente com um gostinho bom de “bem feito” na boca. Mas poderia ter sido o contrário, como já aconteceu. O ponto é que esses acontecimentos mantém as pessoas engajadas emocionalmente no esporte. O mesmo acontece em video-games. Smash Bros Melee é conhecido pois sua cena competitiva é dominada por 5 jogadores, sendo que os campeões da grande maioria dos grandes torneios era sempre um deles. Os famosos Os Cinco Deuses. Aí algo interessante aconteceu: um moleque sueco que joga muito começou a provocar geral no twitter, nos fóruns online, no reddit, apostar dinheiro que ganhava de qualquer um dos top 5, e começou a ganhar reputação de “vilão”:

Tinha gente torcendo pra ele ganhar, porque os top 5 eram os mesmos há muito tempo, e o jogo precisava de mudanças. Tinha gente condenando as atitudes dele como arrogantes e desrespeitosas. Ele ganhou de todos os 5. Ele perdeu de todos os 5 também. O resultado não importa, o que importa é que ele já era chamado de “The God Slayer” (o matador de deuses). A tensão de quando ele jogava com um dos top 5 se refletia na torcida, nos narradores (que inclusive dão uma boa ajuda pra criar uma narrativa emergente interessante a partir de algo) e até no chat durante a stream dos eventos era palpável. Enquanto isso aqui no Mean Look estamos disputando o título de God Slayer Slayer, treinando fortemente para derrotar o próprio Leffen. 

Por quê não ignorar eSports

Ah, mas Diogo, não dá pra levar isso tão a sério. Mesmo que você considere isso esporte, eles não tão nem nas olimpíadas, por exemplo.

Rugby, Golf e Baseball também não. Por quê? Três grandes motivos:

  1. Interesse econômico. Futebol está nas olimpiadas porque tem um fodendo planeta inteiro que assiste, compra ingresso, camisa de time, é fanático por isso. Dá muito dinheiro pra eles terem um esporte desse calibre na lista do que vai ser competido.
  2. Logística. Uma partida de baseball leva em média 3 horas e requer um campo especial que dificilmente vai ser usado pra qualquer outra coisa que não baseball. A construção de centros de treinamento, compra de equipamento, treinamento de comentaristas, imprensa, etc para cobrir o jogo tudo é um investimento econômico que tem que valer a pena.
  3. Tradição. Atletismo tem um lugar garantido na olimpíada por causa da origem da competição. Os que entraram depois se beneficiaram dos dois primeiros fatores.

Em relação a logística, eSports estão na parte mais barata do espectro. Basta um monte de computadores ou consoles. Em relação a interesse econômico, aí é onde o negócio fica animal.  Em 2015, o total de prêmios dados em campeonatos somou mais de 64 milhões de dólares. League of Legends teve mais espectadores na final do seu campeonato do que as finais da NBA (basquete), MLB (baseball) e outros grandes torneios de futebol americano (o Super Bowl ainda não). O número de espectadores de eSports dobra a cada ano. Se estima que 747 milhões de dólares foram investidos na área em 2015. Tá rolando muita grana. A ESPN e SporTV já compraram direitos de transmissão de jogos eletrônicos.

As pessoas estão estudando, e está se criando um ecossistema riquíssimo de profissionais dedicados a fazer a área funcionar. Advogados se preparam para representar legalmente interesses de empresas, jogadores e atletas, governos estão discutindo políticas de imigração para que um eAtleta (inventei agora) possa obter um visto para comparecer a competições. As desenvolvedoras desses jogos estão se preparando para atender a demanda de pessoas que querem acompanhar seus jogos, evitando gafes de negar que seus jogos sejam transmitidos, afinal de contas pra eles isso é só lucro. É a vantagem de ser o dono da bola. Ou do jogo, no caso. Aí pra ir pras olimpíadas só falta romper a barreira da tradição.

A moral da história é: você pode até não jogar, mas não desjogue quem é jogante. Não desqualifique eSports como um ramo de segunda categoria, pois tem muita gente que leva esses joguinhos a sério. Tanto quem produz quando quem joga ou assiste. Vale lembrar que futebol e vôlei, antes de serem esportes, são jogos. E por causa de regras bem estabelecidas, uma comunidade competitiva, e engajamento emocional e financeiro, chegaram onde estão. Não negue aos outros que seus jogos favoritos possam atingir seu potencial esportivo.

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Link para tirinha original na imagem

 

 

Todos Saúdem os Senhores Robô

Os computadores vão criar consciência própria e assumir controle total de pelo menos 80% das nações até 2143. Escrevam o que eu estou dizendo. Vou explicar meu raciocínio todo que me leva a essa conclusão e qualquer um, mesmo leigo no assunto, vai concordar comigo no final das contas.

Tudo começa com uma historinha que explica bem como o que hoje conhecemos por inteligência artificial funciona.

O Quarto Chinês

Dentro de um quarto fechado tem alguém que possui um guia infinitamente grande de todas as possíveis frases que alguém pode falar em chinês (ok, mandarim, que seja), e respostas apropriadas a essas frases. Um cara que fala mandarim fluentemente escreve algo em um pedaço de papel e passa por debaixo da porta. Após alguns minutos, outro papel volta com uma resposta apropriada escrita também em chinês. Mesmo que a pessoa dentro do quarto não faça a menor ideia do que esteja fazendo, e só esteja procurando as frases no seu super-guia e copiando os ideogramas, para todos os efeitos parece que ela fala chinês.

Quando um computador assume comportamentos inteligentes, ele também não faz a menor ideia do que está acontecendo. Ele está associando a situação que ele percebe com algo que ele julga como “uma resposta adequada”, nos mesmos moldes da historinha acima.

Em uma observação interessante: nem quem é da área sabe ao certo o que está acontecendo em relação a como a máquina cria essas associações. Inteligência artificial por redes-neurais, um dos métodos usados pra criar esse efeito de super-guia, é um dos mais difíceis de depurar.

Ah, mas Diogo, tu está considerando um super-guia infinito de conhecimento nesse teu raciocínio, não tem como ter isso. Bom, armazenar informação é algo que se torna cada dia mais barato. Vamos relembrar que um disquete antigamente guardava 1.44MB de dados, e hoje em dia o pendrive mais vagabundo da história guarda 8GB (quase 5700 vezes mais). A técnica do super-guia é tão factível que já é aplicada por coisas com as quais você interage diariamente:

O Google Translate pode a partir de várias traduções tentar chegar em uma frase que se aproxima muito bem do significado que você quer, e isto é bastante inteligente. Mas e se a gente pedisse pro google translate traduzir uma linguagem esquecida, algo que sequer nós humanos conseguimos traduzir?

IA Específica vs. IA Geral

Não. O programa do Google Translate é baseado no super-guia, certo? Então se estamos tratando de uma linguagem que ninguém conhece, ela não pode estar no super-guia. Mas já houveram ocorrências em que programas bolados para tentar encontrar padrões em dados não-organizados já descobriram regras gramaticais em linguagens perdidas. É o mesmo tipo de programa que analisa genomas. Ele percorre uma cadeia imensa de AUTACGTAAUCG e compara com a informação que ele conhece do portador daquele DNA, e começa a descobrir coisas tipo: toda vez que aparece TACG aqui nesse trechinho da cadeia de DNA, o sujeito é uma mulher. 

AHÁ! O computador aprende essa regra e agora podemos aplicar isso em várias outras coisas. O computador está se auto-ensinando regras novas conforme ele avança, parecendo ficar mais esperto. Só que não é um “AHÁ”. A cada cadeia de DNA que respeita esse comportamento, ele aumenta a sua tendência a adivinhar que o sujeito é mulher. Pouco a pouco, a associação entre aquele montinho de proteínas e o fato de que trata-se de uma dama vai se fortalecendo. Quando digo auto-ensinar, não é que o programa está se reescrevendo e mudando seu próprio comportamento. Ele aumenta a sua predileção por vincular um conjunto de informações com uma resposta. A resposta vai ficando mais e mais “adequada” no entendimento dele. De maneira simplificada, em um programa que joga xadrez, com base na avaliação do tabuleiro contra todo o super-guia de possibilidades de jogadas que ele tem, isso acontece:

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Arnold humano contra Arnold T-800 cheio de inteligência artificial na partida de xadrez do século

Eventualmente, se a máquina se depara com uma situação que ela não conhece, ela vai tentar executar uma jogada, e vai passar a monitorar quanto sucesso ela tem ganhando jogos usando essa jogada. E aí ela entra pra estatística, aumentando a predileção do programa por uma jogada ao invés de outra:

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Arnold T-800 lidando com situações de jogo que ele não conhece

O problema é que as regras novas que ele se auto-ensina são específicas ao domínio de problemas que ele está tentando resolver. O programa do genoma de reconhecimento de padrões pode ser muito similar a um programa que identifica rostos, por exemplo. Mas pedir pro programa do genoma olhar pra vários rostos e tentar reconhecer pode ser como jogar uma chave de boca dentro do mecanismo inteiro. Isso porque daqui a pouco ele vai começar a misturar o que ele já conhece com a informação nova, e vão surgir resultados bizarros como tu jogar uma sequência de DNA pra ser avaliada pelo programa e ele responder ESSA É A CARA DA MARCINHA, SEM DÚVIDA.

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O Deep Dream da Google é um programa que teve as associações de várias formas geométricas com o conceito de “cachorro” reforçadas além da conta.

Para que a skynet domine o mundo, precisamos de um tipo de inteligência artificial que seja aplicável em qualquer área de conhecimento. Algo não-específico. Uma inteligência geral. Tem que ser um computador fodão que consiga entender linguística, economia, informática, balística, psicologia, física, astronomia, e especialmente Street Fighter. Ninguém domina o mundo sem saber jogar de Bison.

 

O que é necessário para fazer a Skynet

Já sabemos sobre a inteligência geral. Mas mesmo que assumíssemos que isso é factível (spoilers: tamo longe), o que mais um computador precisaria ter para subjugar a raça humana? Se minha uber-inteligência está rodando numa máquina que está só plugada numa conexão da Vivo, provavelmente o estrago não seria muito grande, certo? No máximo ela ia mandar uns spams do Príncipe Nigeriano. Ela precisaria:

Ampliar seu escopo de ações

Isto é: uma máquina que só sabe enviar e receber mensagens via internet precisaria aprender a ganhar controle sobre coisas que a permita fazer mais que isso. Digamos: mandar uma carta pelo correio. Passar um fax. Dirigir um veículo. Invadir outro computador. Ela precisaria ampliar ainda mais o conjunto de inteligências específicas que ela precisa ter. Trata-se de uma máquina que não apenas se reprograma: ela precisa criar inteligências artificiais que a ajudem a resolver esses problemas.

Ser imparável

Se nossos suseranos cibernéticos tiverem um botão de “desliga” eles não são muito ameaçadores. A skynet teria que ser absolutamente indestrutível. Rodar em todas as máquinas do mundo, ter um suprimento de energia inesgotável, possuir máquinas que são feitas de materiais indestrutíveis. Conseguimos imaginar isso muito facilmente por causa de Exterminador do Futuro e Matrix.

Ser Onisciente

Ter acesso a todas as informações do passado e presente (e a partir disto ser capaz de prever o futuro com algum grau de certeza), para todas as áreas que sejam relevantes para sua existência. Como vocês devem imaginar pela linha de raciocínio que temos até agora, as áreas relevantes são TODAS. Tudo é útil pra uma máquina que planeja dominar o mundo. Tanto o super-guia quanto o programa do genoma melhoram suas capacidades conforme eles têm acesso a uma quantidade mais diversa de informações naquele campo. O mesmo valeria para uma inteligência artificial de escopo geral.

Um modelo da realidade

A máquina precisa ser capaz de montar um modelo de como a realidade que ela quer afetar funciona. O que é um sólido? O que é chão? Como andar? Se uma borboleta bater as asas em uma ilha do pacífico, isso pode causar um furacão em Papua Nova Guiné? Entender o comportamento do universo em que estamos inseridos é fundamental para usar isso ao seu favor na sua busca pela dominação universal.

O “ampliar seu escopo de ações” tem outro nome. Onipotência. Estamos falando de uma entidade Onipotente, Onisciente e indestrutível. Parece familiar? É fácil entender por quê o conceito de um programa que não temos total entendimento de como funciona atingir um estado de existência quase divino nos amedronta e nos fascina. É por isso que quando o buzzfeed escreve um post sobre como os robôs vão dominar o mundo e nos manter em cativeiro, sobre como todos nós vamos perder o emprego e todas as atividades vão ser exercidas por robôs, há tantos compartilhamentos e curtidas. É um assunto que mexe muito fundo conosco. 

O que acaba passando batido é que se algum ser humano conseguir concretizar qualquer etapa dessas que estamos comentando, ele não vai precisar de uma inteligência artificial para ter um controle gigantesco sobre a população. Se, por exemplo, alguém escrever um programa que escreve programas (não precisa nem ser inteligência artificial ainda), essa pessoa vai ficar tão bilionária, vai ter tanto país implorando pra fazer uso dessa tecnologia, que ela já vai ter o mundo em suas mãos. Se alguém conseguir montar um modelo preciso e completo da realidade, ainda que a longo prazo, seria possível provar que o universo é deterministico, não há entropia e então prever todos os acontecimentos futuros. Pensa em quanta gente não daria a vida por esse tipo de poder. O mesmo vale pra alguém que inventar algo que simplesmente não pode ser destruído. Vamos ter overlords humanos antes de ter overlords robôs.

Consciência

Ainda que todos os requisitos sejam preenchidos e finalmente sejamos exterminados, é provável que a máquina não faça a menor idéia do que ela está fazendo. Ela só está fazendo um monte de associações com base nas informações que ela tem e fornecendo a resposta que ela julga mais adequada. Quando dizemos que uma máquina se tornaria auto-consciente, o problema é definir o que entendemos por consciente. Se ela aparenta entender os valores da realidade na qual ela está inserida, parece tomar decisões em cima disso e entender se as consequências de seus atos levam aos objetivos que ela quer atingir, ela parece consciente. Da mesma maneira que o fulano do Quarto Chinês parece falar mandarim fluentemente.

O interessante é pensar como encaramos a nossa própria definição de consciência no que diz respeito a essência vs. aparência. Pode-se argumentar que uma máquina jamais seria capaz de ser consciente pois ela estaria apenas emulando a percepção e entendimento de si mesmo e de seu ambiente através de uma série de efeitos que fazem ela te dizer isso, mas isso não seria o suficiente para provar, de fato, que ela é consciente. É uma discussão bem complexa.  Entretanto, nossa própria consciência é causa de uma série de efeitos químicos e biológicos que fazem com que nos percebamos conscientes. A gente não sabe definir direito o que constitui consciência, enquanto programar é exatamente o ato de descrever um comportamento em uma linguagem formal e sem espaços para ambiguidades de maneira boa o suficiente para que uma máquina consiga reproduzi-lo. Talvez entender como a nossa própria consciência é construída seja o primeiro passo para poder modelar um sistema que possa ter uma inteligência artificial geral.

Ah, mas Diogo, e se dentre as áreas de conhecimento que a máquina puder aprender estiverem Ética e Filosofia?

Aí entra o Teorema Fundamental de Diogo Ribeiro sobre Inteligência Artificial e Overlords Robôs:

Qualquer inteligência artificial que começar a tentar entender filosofia vai perder tanto tempo tentando desvendar os milhares de paradoxos e mistérios que ela inclui que nunca mais vai sair dela, se tornando – para todos os efeitos – inútil na perspectiva da dominação mundial.

Já pensou o teto que é uma máquina com um modelo completo da realidade batendo na idéia de que uma flecha nunca vai atingir o alvo pois ela primeiro tem que percorrer a metade do caminho até ele? E depois a metade do caminho até a metade? Ou tentando decifrar a real natureza da frase “esta frase é falsa“?

Previsões

A parte mais fácil de prever o futuro é escrever uma previsão. Qualquer idiota lança uma previsão. Os grandes oráculos já sabiam que se a gente tentar adivinhar algum fenômeno várias vezes, eventualmente ele vai acontecer. Afinal de contas estamos no quê? No quadragésimo apocalipse que Nostradamus previu? (Acabo de descobrir que é meu 41o já. Confere aqui). Daqui a pouco elegem Bolsonaro pra Presidente da República, aí rola. Escrever previsões é fácil. O ponto é que ninguém tem pista alguma de se e quando isso pode acontecer. No máximo existem estimativas em relação a quando teremos poder computacional suficiente para podermos realizar alguma dessas tarefas.

Mais recentemente, houve uma emergência de pessoas que se auto caracterizam “futuristas” ou praticantes de “futurismo” que se especializa exatamente em fazer projeções educadas de se e quando possíveis cenários de futuro como esse vão acontecer. Ray Kurzweil, da Google, sendo o mais proeminente. Na minha opinião:

  1. Futurismo é um movimento artístico
  2. O nome do que define o que a área se propõe a fazer é futurologia
  3. Analisar tendências e procurar entender – dado o cenário atual – para onde as coisas rumam e em que ritmo, é um papel assumido por qualquer pesquisador. Não acho interessante do ponto de vista da comunidade científica que tente se criar uma categoria de pessoas que pense nesse tipo de coisa em uma perspectiva geral, sem ser especialista dos campos que está tentando FUTURAR .
  4. O único modo 100% preciso de prever tendências de futuro é construir ele. Querer que o mundo se encaixe em uma expectativa sem de fato estar investido em tornar ela realidade não significa muito e não ajuda as pessoas que estão determinadas em construir algo novo e/ou melhor.
  5. Qualquer idiota faz previsões. Veja novamente a primeira linha do post.

Claro que há avanços muito significativos na área, e cada vez mais temos resultados interessantíssimos de inteligências artificiais fazendo tarefas incríveis. A parte de “todos nós vamos perder o emprego” não deixa de ser uma realidade relacionada à evolução da tecnologia (pra quem ainda não assistiu Humans need not apply, recomendo!), mas na perspectiva de sermos governados e tiranizados por um programa que saiu de controle, tem um volume imenso de trabalho pela frente pra chegarmos lá, se é que isso é possível mesmo. Se uma máquina pode ser auto-consciente ou não é um problema muito mais de definição filosófica do que é consciência do que de como ele será implementado, e reforço o ponto de que haverão tiranos humanos antes de haverem tiranos-máquina.

Só pela diversão, nós treinamos uma rede neural com todos os textos do Mean Look (inclusive este) e geramos uma postagem de 50 frases que você pode conferir aqui e ficar mais sossegado em relação à ameaça de ser subjugado por uma máquina.

Resumindo o post:

Obrigado e passar bem, bjos de Rotom-luz.

A Maldição dos Inovões

É o destino derradeiro de todos aqueles que trabalham na indústria dos jogos se encontrar com estas figuras aterrorizantes. Essas criaturas nefastas existem em todos os lugares e podem tomar a forma de qualquer um.

Você pode encontrar ela num almoço de confraternização, numa reunião de antigos alunos do seu colégio, até mesmo receber uma mensagem saudosa dela no Facebook. Não se engane: se um deles ainda não veio até você, um dia virá.

Ela vai se aproximar de você sorrateiramente, com uma conversa casual e agradável. Vai falar do tempo, de política, talvez futebol, ou do último filme dos Vingadores – assuntos inocentes. Quando ele sentir que você está mais confortável, aí é que mora o perigo.

Talvez ele pergunte como vão os negócios, talvez ele pergunte o que você anda fazendo desde o ensino médio, sempre tem uma pergunta adequada para o contexto.  Aí é que está o veneno. Se isso acontecer, acione todos os seus circuitos de “VAI DAR MERDA” e se afaste em velocidade terminal de fuga, porque se você responder, aí meu amigo, você está sozinho.

“Estou trabalhando com jogos”, você responde, ignorante dos motivos da criatura.

“Nossa, eu que maneiro! Eu sempre quis trabalhar com jogos!” ele diz animado, e você sente as presas afiadas se afundando na sua nuca.

Ele continua:

EU TIVE UMA IDEIA DE UM JOGO QUE EU SEMPRE QUIS FAZER. OLHA SÓ…

É, camarada. Você caiu na armadilha de um inovão.

Senta que lá vem história…

Sua Ideia Não é Tão Boa Assim

Tem essa frasezinha que corre bastante no universo de empreendedorismo: “Ideias não valem nada. Qualquer um tem ideias.” Eu não gosto muito dela por dois motivos.

O primeiro, é que essa frase é usada por investidores pra desvalorizar a moeda de troca do empreendedor – sua ideia de produto/serviço – e fazer com que ele aceite acordos que podem vir a condenar seu empreendimento a uma morte súbita e prematura. O segundo é que ela não é totalmente verdadeira; nem todo mundo tem ideias e, mais ainda, nem todas as ideias são boas. Dá pra entender de onde essa conversa está vindo quando se pensa em termos do risco que investidores vão assumir, mas eu acho que em última instância ela só resulta em envenenar o ambiente e desvalorizar profissionais criativos e com a cabeça ligada em inovação.

Dica: O “?” na equação é SUOR.

Mas ela também não é 100% mentira.

Alguém provavelmente já teve uma ideia muito parecida com a sua. Não porque ela é ruim, medíocre ou não é original, mas porque pessoas ao redor do mundo inteiro estão conectadas através da Internet, absorvendo informação, e criatividade não é nada mais do que você conectar conceitos e ideias anteriores que antes estavam isoladas para gerar uma nova ideia. O mundo sendo do tamanho que é, interconectado do jeito que é, e com as pessoas vivendo situações que compartilham a todo tempo na nossa ‘aldeia global’, é natural que alguém exposto à conceitos parecidos com os que você absorveu tenha uma ideia parecida com a sua.

O que separa uma boa ideia de uma ruim quase nunca é o quanto essa ideia foi fruto de inspiração repentina. Essas ideias existem também, mas na maioria das vezes você precisa trabalhar na sua ideia, testar ela, validar através de projeto, planejamento e produção – dependendo da ideia, até da aceitação do público. É aí que muita gente deixa a desejar – achar, por conta de algum senso de orgulho, que teve uma ideia brilhante, sem dedicar tempo e esmero a ela. Desenvolver uma ideia ao ponto que ela pode ser considerada boa dá um trabalhão.

Então, por favor, não seja a pessoa que “joga” ideias nas pessoas que tem a capacidade de executá-las pra você. Não se transforme num inovão.

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Essa pessoa. Não seja essa pessoa.

Não existe esse papo de “ser o cara das ideias”. O seu conhecido que tem a capacidade técnica, você pode ter certeza, tem muitas ideias que são dele e naturalmente ele vai ter muito mais interesse em desenvolvê-las. Ainda por cima, se esse cara trabalha na industria criativa ele provavelmente entende muito melhor que você o processo por trás de fomentar inspiração, absorver conteúdo e gerar novas ideias. Ou seja, as ideias dele provavelmente são mais maduras – se não melhores – do que as suas.

Pior ainda, não proponha ‘parcerias’ onde você tem as ideias e o seu ‘parceiro’ faz todo o trabalho (sim, o mundo tá LOTADO de gente assim). Isso é pura desonestidade e se você precisa que alguém te explique porque, meua migo, cê tá mal demais.

Pensa assim: Você e seu/sua namorad@ estão em casa conversando sobre o que vão cozinhar pro dia dos namorados, quando el@ vira e fala:

“Cara, que tal uma massa caseira com molho pomodoro feito de tomates frescos, alho e enfeitado com folha de manjericão acompanhando aquele medalhão de filet mignon com redução de vinho tinto… delícia né. EU TIVE A IDEIA, VAI LÁ VOCÊ E FAZ AGORA.”

Só não.

MAIS DE OITO MIL IDEIAS POR MINUTO

A boa notícia é que, como diria um querido professor meu, criatividade é músculo. Ou seja, toma whey pra virar monstrão você pode exercitar a sua.

A natureza de expansão da criatividade tem relação com a maneira como o nosso cérebro formula novas ideias. Existem várias teorias sobre isso, mas como nós não somos especialistas, decidi me focar nas três principais. Vamos lá?

VOOOSH

1. Consuma muita cultura.

Se, como dissemos antes, ideias nascem da associação de conceitos já conhecidos mas de maneiras inesperadas, quanto mais conhecimento você tiver, maior vai ser o repertório ao qual o seu cérebro vai ter acesso e maior é o número de associações que você poderá fazer. Assista filmes, veja séries, leia livros de ficção e não-ficção, mergulhe na Wikipedia e nunca visite o TV Tropes 

Consuma, também, todo tipo de cultura. Tudo que você quer criar é tangenciado por outras áreas de conhecimento, e essas outras áreas tangenciadas por ainda mais áreas. Absorver cultura diversa com certeza vai te ajudar a ter uma visão mais completa de tudo e te ajudar a criar mais.

Não é a toa que isso é um dos pilares centrais aqui no Mean Look. Somos um blog sobre jogos, mas exatamente por esse motivo você pode reparar que falamos de coisas que não estão diretamente relacionadas a jogos.

2. Consuma cultura fora da sua zona de conforto.

Vamos supor que um cara quer escrever um livro de fantasia medieval. Você olha a estante dele e vê que ele se cercou de livros de fantasia medieval: Wheel of Time, As Crônicas de Gelo e Fogo, Senhor dos Anéis, Mistborn, Dragonlance, Forgotten Realms, livros de Dungeons & Dragons e mais o que você conseguir imaginar de Sanderson, Robert Jordan, R. R. Martin, R. R. Tolkien. Você pensa: “Olha, esse cara fez o dever de casa! Ele tem tudo pra escrever um bom livro de ficção”.

Não. Essa é a melhor maneira de se assegurar que o seu livro vai ser uma porcaria.

Bons livros dificilmente são escritos por autores que só leem um gênero. Bons livros são escritos por autores que dominam a língua na qual escrevem, que conhecem as estruturas mitológicas, que já leram gêneros diferentes pra absorver, por exemplo, os ótimos diálogos de um drama, como criar suspense como num mistério, como controlar o ritmo da sua narrativa num livro de ação desenfreada.

Bons autores leem, também, ficção literária – Jorge Luís Borges, Ítalo Calvino, Ursula K. Le Guin, &c. – livros de não-ficção – história, poesia, biografias -, os clássicos – A Divina Comédia (Dante), Ilha do Tesouro (R. L. Stevenson), Drácula (Bram Stoker), &c. – tudo.

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Você, seja ilustrador, arquiteto, game designer, escritor, artista!, deve também conhecer coisas que não estão direta e explicitamente ligadas à sua área. Ser curioso faz parte de ter repertório. Então saia da sua zona de conforto. Conhecimento não está só em um lugar, ele está espalhado pelo mundo em pequenos pedacinhos.

“Mas Daniel, eu nunca gostei de um autor que não fosse de fantasia medieval.”

Meu querido, então você leu muito pouco.

3. Converse com as pessoas.

Conte sua ideia pra pessoas. Ou melhor, todas as suas ideias. Estar aberto a conversa e troca de experiências vai te trazer mais cultura. Podem te dar uma dica de livro ou referência que você não tinha que complemente perfeitamente sua ideia. Podem te fazer uma pergunta sobre ela que você nunca tinha feito, que pode fazer você perceber que ela não é tão boa assim, ou então te obrigar a melhorá-la pra que ela atenda a um problema que você não conhecia.

“Mas vão roubar minha ideia!”

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SIM, SIM. MU-HAHAHAHA

Lembrem do que eu disse lá atrás: Sua ideia não é tão boa assim.

E se ela for, se a sua ideia for a porra do Ovo de Colombo, tão foda que uma mera conversa de bar com uma pessoa qualquer vai colocar ela em cheque porque tal pessoa vai fazer ela antes de você, talvez você devesse estar trabalhando nela ao invés de ficar mofando ela na sua cabeça.

Adube suas ideias

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Sabe porque esse cara do elefante tá mil anos luz na frente da maioria das pessoas? Porque ele foi lá e colocou a porra da arma em cima do elefante pra descobrir que é uma ideia de bosta por mil motivos.

Ideias são como plantinhas.

É super bacana quando você tem aquela sementinha de ideia plantada na sua cabeça, mas se você não adubar ela pra tornar o solo fértil pra criatividade, regar ela com trabalho intelectual de pensar sobre as suas implicações, cortar as ervas daninhas que são os problemas que você descobre que podem atrapalhar ela quando faz uma análise mais profunda, ela não vai crescer.

E crescendo, você tem que reavaliar a todo tempo: que ideia é essa que eu estou ajudando a crescer? Quanto mais tempo e trabalho você dedicar à sua ideia, não só dentro da sua cabeça mas ajudando a plasmar ela em realidade, maior vai ser o conhecimento que você tem sobre ela. Ela é uma árvore e você vai ter que dar espaço pra ela crescer sozinha? Ou é uma vinha que precisa de algo pra subir e continuar crescendo?

Ajude a sua sementinha a crescer.

Eta, moleque bom de analogias.

Ou seja, não pare de ter ideias, mas saiba que enquanto você não se der ao trabalho, é só isso que elas vão ser – ideias pequenas, imaturas e franzinas.

Ninguém tem interesse nessas, só quem as teve.

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TIRANDO O ROTOM-GENESECT.
O ROTOM-GENESECT É PICA.

Grimdark é Câncer

ou A Trevificação da Cultura Pop

Quarta-feira. 12h45min. Minha hora de almoço, um dos poucos momentos sápidos na minha estadia neste cativeiro, chega ao fim. Meu algoz, me preparando para retornar à dura realidade, volta a me atormentar:

“Não vai terminar o seu prato, mané? Não estava com fome antes?”

Eu já estava acostumado. Não era a primeira vez que acontecia. Minha pena é longa: 18 anos em cárcere privado. Meu crime não vem ao caso, pois sou inocente. Eu detesto a comida desse lugar. Se fosse minha decisão, o cardápio seria completamente diferente. Anseio por um daqueles hambúrgeres transpirando gordura por cada fragmento de carne moída. Rancoroso, respondi:

“Tenho fome o tempo todo. Mas minha fome não se sacia com o que está nesse prato. Tenho fome de justiça. Um dia estarei fora daqui, e então não serei forçado a aguentar provocações e horários desumanamente curtos para refeições e banho de sol.”

Irado com o fato de sequer eu ter respondido a provocação, o carcereiro avançou calmamente na minha direção. Preparado para o pior, vacilei em minha cadeira por um momento. Tinha certeza que eu seria punido por isso. Tragou o cigarro, e com os olhos secos de raiva e decepção, anunciou sua sentença:

“Júnior, pela décima vez: sobremesa só depois que você terminar os legumes.”

 

Júnior cresceu acreditando que cada uma das coisas que ele queria deviam ser conquistada com sofrimento: sangue, suor e lágrimas. As coisas são assim mesmo, na vida tu tem que ralar o tempo todo. Segundas-feiras são as piores, e aquele “amigo” do trabalho que te convidou para um churrasco só quer descobrir teus podres pra pintar tua caveira pro chefe. Ele só vai atrasar Júnior, mas não se Júnior atacar primeiro. É assim que as coisas funcionam fora do mundinho de fantasia e video-games que foi a sua infância.

Só que Júnior é um idiota. Essa perspectiva de grimdarkizar o mundo adulto e achar que tudo funciona na mesma base que House of Cards só é conveniente para ele porque aí ele pode racionalizar as situações em que ele é um cuzão. E o pior é que está havendo uma tsunami de conteúdo cultural que endossa essa visão do “mundo real”, e isso está se tornando a base de todo seriado “para adultos”: peitos, drogas, gente egoísta e de moral duvidosa.

Vocês achavam que o assunto do último post tinha acabado! Mas não!

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Se você ainda não leu, você pode ler ou ler o nosso resumão.

Ser adulto é, só e somente só, assumir a responsabilidade pela sua vida e seus atos.
Se você tem a impressão de que existem coisas que são inapropriadas para a sua idade, você está sendo vítima do que nós do Mean Look chamamos de Lógica do Trote (que certamente tem nomes mais bonitos usados por pessoas mais gabaritadas que nós).
A Lógica do Trote, resumidamente, consiste em:

  • A sociedade te constrange e oprime a seguir determinadas expectativas de quem ser. Algumas são razoáveis, a maioria não;
  • Você se submete e o seu ego (cuja função é proteger a si mesmo) normaliza os constrangimentos – afinal, só um idiota faria algo que não quer, diz o ego, e eu certamente não sou um idiota;
  • Num falso senso de justiça – se todo mundo sempre teve que fazer, quem se recusa está é querendo moleza e se fazendo de vítima – você se torna agente de constrangimento e repete o primeiro passo com outras pessoas, normalmente mais novas do que você.

No último post falamos sobre como é absurda a noção de que existe uma cartilha de “pode / não pode” para adultos, e como isso nos torna pessoas mais amargas. Neste post, queremos falar nos impactos que isso tem nas pessoas, nas coisas e especialmente na indústria da cultura. E como isso tudo é um saco.

Psicologia do Cinismo (não o grego)

Às vezes nós não reagimos bem às situações que a vida nos apresenta.

Não é coincidência que a transição entre ser uma criança sem responsabilidades ou preocupações e se tornar um adulto que toma as rédeas da própria vida raramente é algo suave. A vida é difícil, indiferente, caótica e, como se isso tudo não fosse suficiente, está cheia de gente egoísta, mal-intencionada e amarga. É natural que fiquemos frustrados e desiludidos ao nos deparar com as mazelas do mundo.

Monitorar a maneira como lidamos com essas frustrações e desilusões, portanto, é extremamente importante. Quando somos forçados a lidar com situações limítrofes – ter a nossa confiança traída, ser enganado, ser agredido física ou verbalmente, se envolver com uma pessoa emocionalmente abusiva – nós nem sempre temos respostas saudáveis.

No calor do momento, é uma saída fácil pintar o mundo inteiro da cor da sua raiva e desilusão e tomar atitudes reprováveis – trair de volta, decidir nunca mais confiar em ninguém, fazer exigências iguais –, mas longe de ser a resposta correta (ou a única resposta), insistir nessa visão cínica de mundo é extremamente perigoso a longo prazo. Como já falamos no último post, a função do ego é proteger a si mesmo, e é impressionante a capacidade da mente humana de racionalizar e construir todo um sistema de crenças que nos afaste de encarar a realidade dos nossos atos.

Adicione, ainda, questões filosóficas como a ausência de um sentido claro para a vida e a nossa insignificância perante as infinitudes do Universo e do Tempo, e fica fácil justificar qualquer atitude babaca com os outros.

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Créditos para nightmargin@deviantArt

Isso sem levar em conta crianças que cresceram em situações adversas – combinações sem número de vários fatores que passam por dificuldades econômicas, abuso e pais com tendências narcisistas – e são forçadas a desenvolver respostas para os seus problemas muito cedo. Isso pode resultar em respostas emocionalmente simplórias e imaturas para um mundo complexo, e virem a se tornar a fundação do sistema de crenças de um adulto “mal caráter”. (Ou não. Não somos psicólogos. Isso é só a nossa impressão.)

Nesse mundo, é matar ou morrer.
— Flowey, a flor (Undertale)

O fato persiste que ao longo da vida passamos por diversas situações com potencial de trauma, mas a escolha de absorver uma experiência como um trauma (salvo, claro, situações extremas) é nossa, e precisamos ter consciência disso.

Caso contrário, começamos a acumular pequenas certezas – de acordo com alguns psicólogos, lixo mental. Em pequenas quantidades ele atrapalha sua concentração, contribui para a cacofonia dos seus pensamentos e te deixa estressado. Em grande quantidade, estas certezas vagarosamente te impedem de evoluir emocionalmente.

Cinismo, portanto, se instala como um mecanismo de defesa do ego às frustrações da vida adulta, o período onde deixamos a segurança da infância e passamos a explorar a nossa humanidade a partir do outro – em relacionamentos profissionais, fraternais, amorosos, &c. O cinismo então, é intimamente relacionado à nossa percepção de maturidade e à construção da nossa visão do que é o “mundo real” – o nome que damos já denuncia, queremos muito credibilizar a nossa visão.

Essa reação é compreensível, ainda mais em um mundo repleto de injustiças sobre as quais não temos poder de agência algum, mas ela não deve ser normalizada.

Cinismo na Cultura Pop

O resultado dessa construção mental é potencializado pela maneira como nos relacionamos com objetos culturais. Nós naturalmente passamos a nos identificar e buscar personagens e narrativas que são inofensivas à nossa visão de mundo, ou até que a reforçam.  Quando aparece, por exemplo, um Batman fodido de desilusão, uma parte de nós se identifica com ele. Quanto mais próxima da nossa visão de realidade isso é, mais fácil de atiçar emoções nesse espectro.  Algo que, aliás, como tudo que viemos falando até agora, é perfeitamente normal e não inerentemente nocivo se supervisionado.

Por isso é tão complicado escrever histórias que apelam para sentimentos mais complexos do que “meu deus, o mundo não é do jeito que eu achava que ele era/queria que ele fosse”. Por exemplo, tédio.

Se a história que contamos pra nós mesmos sobre o universo em que vivemos é que as pessoas são animais brutos e traiçoeiros prontos para te passar a perna em qualquer momento, nós buscamos narrativas que estejam alinhadas com essa crença. O mercado, em toda a sua inteligência, se aproveita dessa vulnerabilidade.

Acontece que cinismo não é a mesma coisa que profundidade e complexidade narrativa.

Temos essa impressão porque sofremos pressão cultural para desenvolver esse cinismo como um mecanismo de defesa. Estereótipos de desilusão e desconfiança, egoísmo tóxico, falta de caráter e hedonismo autodestrutivo, todos esses se comunicam conosco a nível pessoal, porque a sociedade falha em nos preparar para a percebida solidão e insegurança da vida adulta.

Isso resulta em um padrão que é muito recorrente hoje: programas de TV, filmes, histórias que são consideradas adultas quando, na verdade, são apenas inapropriados para criançasQuer ver?

Bacana, né? Mas o que tem de adulto nesse curta?

Dos nossos heróis de infância um virou um traidor, outro foi fuzilado por um cara que morreu de overdose de metanfetamina, outro virou viciado em pó e guerra, uma morreu e deu o lugar para uma vilã e o único que não se corrompeu virou um mendigo. O mundo é violento e todo mundo morre; resistir é inútil.

Inapropriado para crianças? Com certeza! Mas esses estereótipos de fracasso humano não tem mais profundidade do que personagens infantis. Por mais divertido que seja, esse curta não trata de personagens profundos lidando com questões adultas em um enredo complexo. A falsa sensação de profundidade vem do mundo cão onde existe injustiça, drogas, mortes violentas e gente fazendo sexo por dinheiro. Ainda assim, ele tenta se passar por uma história de madura – “You’re not a little girl anymore” -, quando na verdade é uma história sobre personagens unidimensionais e pouquíssimo complexos (“mimimi, é um curta, não dava pra desenvolv”, dava sim).

Diversos personagens que protagonizam narrativas orientadas para crianças também passaram por situações de vida difíceis! Eles também são órfãos de pai e mãe, tiveram seus vilarejos (ou planetas) dizimados por uma guerra, tiveram suas confianças traídas por amigos próximos e lidam com gente mal caráter a cada episódio.

Perceber a injustiça do mundo não nos torna maduros, porque a desilusão é só um sentimento. Ela é nada mais nada menos do que a resposta a uma expectativa frustrada. A maneira como reagimos a ela, isso sim é determinante para a nossa maturidade ou falta dela.

Ou seja: Ser inapropriado para crianças e tratar de assuntos de maneira adulta são coisas muito diferentes.

Você lembra como em desenhos animados, especialmente aqueles voltados pra adolescentes, sempre tem aquele personagem trevosinho? Ele está lá por um motivo: pra que os projetinhos de cínico se identifiquem com ele. Agora essas crianças cresceram e, por conta do fenômeno de popularização da cultura geek – algo que é muito legal, alias -, elas não se sentem envergonhadas por se interessarem por super-heróis e séries animadas (não todas, óbvio, vide o nosso post anterior). Os atores do mercado identificam isso: os mini-trevosinhos cresceram, trabalham, consomem e ainda tem aquela visão de mundo.

É claro, o mercado se aproveita desse sentimento formulando narrativas que tem a mesma profundidade que as da nossa infância, mas com porções extra de violência, drogas e peitinhos.

Maturidade em Séries Infantis

Podíamos passar o dia listando filmes e séries com pretensa maturidade insinuada por peitinhos e dorgas, mas preferimos falar do exemplo contrário: como histórias e personagens maduras não precisam ser trevosas pra serem fantásticas.

Gravity Falls e Earthbound – Terror é diferente de Cinismo

Decidimos falar desses dois pra provar que retratar uma realidade assustadora não precisa acompanhar uma bagagem de cinismo.

Earthbound (ou Mother 2) é um jogo do SNES que conta a história de Ness e seus aliados enquanto eles viajam pelo mundo juntando forças para derrotar uma força psíquica alienígena que infectou o mundo com ódio e transformou tudo e todos em criaturas violentas e más. Soa bastante grimdark né?

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ENTÃO O QUE SÃO ESSAS CORES?

Nos primeiros momentos de Earthbound você:

  • Descobre que o personagem principal vive em uma família só com a mãe e irmã, e todo o contato que ele tem com o pai no jogo inteiro é por telefone;
  • Descobre que os vizinhos tem uma família disfuncional e que os pais batem nos filhos malcriados;
  • Conversa com o prefeito de Onett, que se omite quando descobre que há uma gangue na cidade, e pede para não ser responsabilizado por nada que você venha a fazer para contribuir para a solução da crise;
  • Encontra um culto extremista que sequestra uma menina para um sacrifício humano.

Classificação indicativa: E for EVERYONE. E pasme; não é ironia. Earthbound simplesmente escolhe retratar o mundo aterrador através de uma ótica de otimismo e cores porque parte da mensagem do jogo é exatamente sobre a vitória do bem – não o “bem” indefinido, e sim a inocência, esperança e amizades que só as crianças tem – sobre o mal. Toda vez que eles derrotam um vilão, o diálogo dos personagens varia ao redor do tema “Ele não é um cara mau, só estava sob más influências. Problema resolvido.”. Eles nunca traem seus valores, nunca justificam seus atos errados pelas condições do mundo e continuam coloridos e alegres até o último instante.

O que nos leva a Gravity Falls, que faz isso de maneira ao mesmo tempo mais explícita e ainda mais sutil.

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Gravity Falls é uma série animada que conta a história de Mabel e Dipper, dois irmãos que vão passar as suas férias de verão na cidade de, ta-da, Gravity Falls; uma cidadezinha pacata do interior dos EUA – exceto pelo fato de que toda sorte de fadas, fantasmas e criaturas fantásticas parecem acabar por lá.

A temática do desenho gira em torno de teorias da conspiração com ordens ocultas, homens de preto do governo,  e invocação de demônios, isso tudo com uma roupagem divertida, mas com várias cenas que são de dar cagaço até em marmanjo [spoilers]. Isso sem contar as toneladas de simbologia de ocultismo espalhadas a torto e a direito pelos episódios.

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Uma das páginas escondidas que piscam por um décimo de segundo ao fim de cada episódio.

Ou seja, mais um exemplo de mundo violento, aterrador, críptico, confuso e cheio de conspirações, mas tratado com leveza.

Voldemort e Umbridge – Vilania é diferente de Cinismo

Voldemort tinha um desejo de poder gigantesco, nenhum escrúpulo e estava a disposto a passar por cima de qualquer coisa que ficasse em seu caminho. Foi abandonado pelos pais, que ele matou posteriormente, e tem como um de seus objetivos matar todos os “trouxas” ou os magos que nasceram “trouxas”. Ele é, nos livros de Harry Potter, a personificação de todo o mal. Nunca conheceu o amor ou a amizade. Ele é tudo que há de ruim naquele universo.

Dolores Umbridge age em um tom amigável mas arrogante. Ela é pedante, abusa de autoridade, vira os estudantes contra eles mesmos, faz com que eles sejam recompensados por denunciar os outros, remove privilégios, torna as aulas completamente teóricas. Teve uma família completamente disfuncional, nunca se casou, e chegou ao poder sendo rigorosa, extremista e corrupta.

“Se eu falar algo é capaz de eu ser presa, ainda por cima” – Minerva McGonagall ficando quieta

 

Umbridge nunca matou ninguém. Nunca destruiu famílias. Ela faz coisas muito mais próximas à maldade com a qual a gente convive no dia a dia, ou até com a maldade que a gente pratica às vezes, consciente ou inconscientemente. Carl Gustav Jung, expoente da psicologia, teoriza um conceito chamado Sombra que representa os aspectos da personalidade da pessoa que ela não reconhece em si mesma conscientemente . Em geral características negativas. O interessante é que as pessoas tendem a projetar características da sua Sombra em outros indivíduos, e quando essas características são identificadas, tendemos a não gostar do que vemos pois não gostamos dessa partezinha que negamos que possa existir dentro de nós. Dolores é uma vilã com motivações trevosas, mas que nos incomodam mais, pois o resultado delas é menos grimdark, mas muito mais próximo da nossa realidade.

Zuko e Iroh – Maturidade é diferente de Cinismo

Avatar: The Last Airbender conta a história de Aang, uma criança predestinada a se tornar o novo Avatar, uma figura lendária que tem domínio dos quatro elementos (no mundo de Avatar várias pessoas tem o poder de controlar um elemento). Ele foi aprisionado em uma redoma de gelo, onde permaneceu durante muito tempo. Nesse meio tempo, o mundo foi dominado pela Nação do Fogo, com seu desenvolvimendo industrial e motivações belicistas. Mas não é dele que queremos falar…

Um dos antagonistas do desenho é Zuko, o príncipe da Nação do Fogo, filho de Ozai, o tirano que está tentando conquistar o mundo. O cara é filho do mal monolítico. Quando adolescente, Zuko discorda abertamente de seu pai em uma reunião militar onde ele declara sua intenção de sacrificar um batalhão inteiro. Ozai fica irado, o chama de covarde e o expulsa de sua terra natal. Esse não é o primeiro momento em que Ozai demonstra uma antipatia pelo jeito de seu filho.

Azula, irmã de Zuko, era a favorita de Ozai e 10 vezes mais sacana que seu irmão.

A partir daí, o Zuko fica grimdark. Ele parte em uma jornada pelo mundo, Zuko planeja capturar o Avatar e levá-lo até o seu pai para provar o seu valor. Ele precisa provar pra si mesmo que é melhor que a irmã dele, que pode fazer seu pai o admirar. Ele não se importa com nada ou ninguém além de sua missão, e enxerga todos como subalternos. Exceto seu tio Iroh… (vejam até os 18 segundos)

Iroh também tem uma história conturbada. Perdeu seu filho enquanto estava na guerra, o que fez com que ele desertasse. Isso foi visto como um sinal de covardia, e Iroh agora sem herdeiros, perdeu o direito ao trono ao seu irmão, Ozai. A grande diferença é que Iroh não ficou ressentido. Não achava que tinha que provar nada para ninguém. Pergunte a qualquer fã de Avatar e lhe dirão que Iroh é a referência espiritual/emocional da série. Ele acaba cuidando de Zuko durante seu exílio, e embora ele nunca tente bater de frente com o ímpeto de vingança de seu sobrinho, ele sempre tenta orientá-lo e descobrir qual seu próprio caminho e a segui-lo por vontade própria, não porque alguém impôs um dever a ele [spoilers]

[mais spoilers] Mais pra frente na história, Zuko percebe que sua visão de mundo difere muito da do seu pai, e que ele não precisa buscar aprovação dele. Muito pelo contrário. Em um dos arcos de redenção mais bem escritos que já vimos, ele e seu tio acabam ajudando o Avatar a restaurar a paz entre as nações e Zuko passa a ser menos gritão-grimdark-tudo-dá-errado-comigo e a ler a realidade por um viés mais neutro, com ajuda de seu tio.

Fullmetal Alchemist – Profundidade é diferente de Cinismo

Claro que não poderiamos deixar de fora o universo dos desenhos animados japoneses, com todos os seus personagens trevosinhos.

É brincadeira. Apesar de a indústria dos animes ter vários personagens bem manjados, o fato de que ela aceitou que adolescentes conseguem absorver conteúdo complexo também contribui para o surgimento de histórias fantásticas. Por exemplo, o supracitado Fullmetal Alchemist.

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Fullmetal Alchemist conta a história dos irmãos Edward e Alphonse Elric, que em sua infância perderam a sua mãe para uma doença terrível e tentaram ressuscitá-la usando um ritual proibido da Alquimia, a transmutação humana. No processo, para respeitar a lei da Troca Equivalente – “nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma”, lei máxima da alquimia -, Edward perde uma perna e Alphonse perde seu corpo inteiro e a transmutação resulta em uma criatura horrível e desfigurada que não se sabe se era afinal a mãe dos Elric. Para recuperar ao menos a alma de Alphonse e prendê-la em uma armadura, Edward sacrifica o seu braço.

No tempo em que se passa a história eles são integrantes do exército em um mundo dominado por uma ordem militar após uma série de conflitos e guerras. O mundo é cruel, muitas pessoas perderam seus entes queridos e uma conspiração de corrupção e intriga permeia todo o seriado conforme seus personagens cometem atos questionáveis em busca do artefato máximo da alquimia que daria a quem o possuísse o poder de um deus: a Pedra Filosofal.

PUTA MERDA, se isso não é grimdark, não sabemos o que é.

Dentre outros assuntos, Fullmetal Alchemist trata da busca incessante e inconsequente pelo conhecimento, das mazelas da guerra, da corrupção pelo poder e do valor da vida humana. Além de não faltar desgraça no roteiro, a história é profunda e lida com temas complexos. Mesmo com todos esses assuntos complicados, FMA ainda tem personagens profundas e maduras, que lidam com as questões da vida como ela é com leveza. Seus personagens riem, tem outras preocupações e principalmente não são cínicos de plantão sem moral ou escrúpulos.

Ainda assim, mesmo com todas estas questões filosóficas complexas e cenas de crueldade e violência extremas, FMA ainda é considerado adequado para crianças a partir dos 14 anos.

O que é que torna um seriado adulto mesmo? Acho que só peitinhos e drogas mesmo…

Trevas são para todos

É óbvio que existe espaço pra peitinhos, violência e drogas nas mídias culturais. Nós não queremos que o grimdark seja banido da mídia cultural. Muito pelo contrário! Várias de nossas histórias favoritas aqui no Mean Look flertam com o panorama, quando não são totalmente inseridas nele (Dark Souls, Berserk, Game of Thrones, ).

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O que achamos errado é esse uso desenfreado do “mundo cão” como um engodo para dar a impressão de que a história é mais madura, complexa e bem construída do que ela realmente é. É a sensação errada de “ai, essa história é tão adulta” só porque tem peitinhos e faz as pessoas corarem e ficarem desconfortáveis de assistir com os pais na sala de estar.

É apelação gratuita pro cinismo. Cinismo não te torna adulto. Maturidade sim.

Durante a construção desse post nós pesquisamos pela palavra grimdark no Google, e a maioria dos resultados de imagens eram de My Little Pony. Isso é indicativo claro de que estamos tentando nos desvincular da nossa infância de maneira violenta e tóxica (e/ou que a comunidade Brony tem muita gente doida).

Uma pitada de tragédia é ótima em qualquer história e personagem; as torna mais críveis. Afinal, a vida é recheada de pequenas tragédias.

Mas por favor, não nos deixemos iludir pela falsa sensação de maturidade que elas dão. Qualquer imbecil passou por momentos difíceis. Boas histórias – e boas pessoas – precisam de muito mais do que isso pra funcionar e serem maduras.

Os Floquinhos de Neve da Geração Y

ou “Não tem Nada de Errado com Você”

Aviso aos navegantes: esse texto contém quantidades elevadas de bílis. Se em algum momento você ficar com raiva do autor do texto, respire fundo, acalme-se e lembre-se de que você está errado.

Um dia você acordou cedo como o adulto responsável que você se tornou, tomou aquele café forte sabor “ambição profissional”, se vestiu pra transparecer como você é respeitoso e foi carpar o diem pra pagar tuas contas. Sentou no seu PC, ligou os programas que você usa pra trabalhar e abriu aquela aba marota do Facebook que você acessa no Ctrl + Tab.

Onze da manhã e um daqueles seus colegas que você nem lembra quem é – e que está no escritório dele, sem dúvidas – pula na sua timeline compartilhando uma matéria daquele site de artigos maneiro – que, apesar do nome e de estar cheio de pseudo-conhecimento, não tem nada a ver com espiritismo – escrito por um “colunista” que, como você, é um adulto sério e profissional. O título já te salta aos olhos:

“O Que Deu Errado com a Geração Y?”

Olha só, é a minha geração, você pensa, e clica. No topo o Medium já te diz: “8 minute read”. Oito minutinhos. Maravilha. Exatamente o tempo que o seu cérebro atarefado precisa pra soltar uns peidos.

#MILLENIALS

Millennial

Sério. Pelo menos uma vez por mês aparece outro texto de merda falando mal da geração Y. A geração Y é infantilizada, mimada, ela foge das responsabilidades, ela é egoísta, ingênua, acha que é especial, que vai mudar o mundo, idolatra os caras do vale do silício mas não quer trabalhar, trabalha demais, não quer ter filhos, não tem casa própria, gosta de filme de super-herói, desenho animado, videogame, compra boneco… a lista de críticas é infinita.

Se você acredita nisso, ou até se foi autor de algum texto desses, tenho uma má notícia pra você: Você é um otário.

Talvez tenham apelado pra sua insegurança, e você levou algum desses textos como uma lição de vida. Talvez tenham apelado pro seu ego e você agora se sente o diferentão da turminha do recreio, mais maduro que todos os seus confrades de berçário.

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Se não quiser ler o post do Mean Look porque acha a gente bobo e feio, eu recomendo que você dê só uma scrollada pra baixo nesse artigo da Wired, porque ele é a prova derradeira de que esse papinho é besteira da grande e já rola solto desde sabe-se lá quando. Tem até nome. Se chama juvenoia.

Mas o quadro piora porque na maioria das vezes esses textos são escritos por pessoas que fazem parte da geração Y. Por algum motivo que me escapa, essas pessoas acham que estão acima de sua própria geração.

O que é ser adulto afinal?

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Ser adulto é, segundo indicam os textos:

  • Trabalhar;
  • Ver futebol na TV;
  • Fazer sexo;
  • Beber;
  • Chorar sozinho no chuveiro enquanto tenta se recordar quando foi a última vez que se sentiu vivo.

Esse é um credo amplamente difundido e profundamente imbecil sobre o que é ser adulto. Ser adulto é ser cínico, amargo e chafurdar na tristeza enquanto se mantém vivo para ficar cada dia mais miserável negando qualquer coisa doce e colorida, tudo em função do status social da adultisse.

Ela não é novidade, já existe tem muito tempo e é sustentado por gente amarga e por algo que eu gosto de chamar de lógica do trote.

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A Lógica do Trote consiste em um ciclo que funciona da seguinte maneira:

  • A sociedade te constrange e oprime a seguir determinadas expectativas de quem ser. Algumas dessas coisas são razoáveis, a maioria não;
  • Você se contorce pra entrar nessa caixinha que é construto de todas as coisas que te dizem que você deve ser e fazer;
  • Você vive a sua vida, como todo mundo, a trancos e barrancos, com momentos de tristeza e alegria e, apesar de tudo que te fizeram engolir, fica bem;
  • A função do ego é proteger a si mesmo, portanto a sensação de superação, de ter triunfado na vida a despeito das expetativas da sociedade te torna orgulhoso;
  • O orgulho te cega para o constrangimento e fabrica a falsa impressão de que essas estruturas são naturais, razoáveis, corretas e que sem elas todos serão pessoas piores. Do contrário, você teria que lidar com o novo constrangimento de assumir que estava errado em ceder a estas pressões e ter levado a sua vida de maneira totalmente equivocada durante tanto tempo. Afinal só um idiota faria isso, diz o ego, e você não é um idiota;
  • E então você se torna ator do primeiro passo do ciclo, num misto de orgulho de sobrevivente e vingança mal direcionada, constrangendo outras pessoas a serem tão infelizes dentro da caixinha quanto você.

Essa lógica faz com que, ao invés de buscar uma ruptura no ciclo, as pessoas dominadas pelo ego perpetuem essa lógica tóxica. Igualzinho trotes pesados continuam em faculdades depois de tanto tempo com gente se sentindo mal durante eles.

Um dos milhares de textos sobre como a geração Y é problemática, para o qual eu não tenho o menor interesse em dar ibope e portanto não vou linkar, disse assim:

“Olhávamos para nossos pais e avós e pensávamos que eles eram escravos da própria família. (…) Mas, hoje, advinha só? Da sua idade ele já tinha casa própria e carro na garagem. E você? Figuras de ação do Mega-Man.”

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E do X, pode?

Como tantos outros, o autor do texto se esqueceu – ou convenientemente ignorou só pra que o argumento franzino tivesse uma muleta na qual se apoiar – que no tempo em que a Geração Y está vivendo a vida adulta é muito mais difícil atingir independência financeira, e que na época dos nossos pais, pasmem, era muito mais fácil comprar uma casa porque hoje está tudo tão absurdamente caro. E o pior é que essa nem é a parte importante.

Não existe absolutamente nada, além da pressão social feita por gente amarga, que impeça um adulto de ser uma pessoa responsável que paga as próprias contas ao mesmo tempo que ele é uma pessoa divertida que gosta de desenho animado, videogame e filme de super-herói. Igualmente, não existe absolutamente nada que obrigue uma pessoa adulta a ter filhos, um carro, um cachorro e, bem, fazer o que os outros acham que você tem que fazer.

Alias, uma das partes mais importantes de ser adulto é tomar responsabilidade pela sua vida e arcar com as consequências das suas escolhas. Sabe quem deixa os outros dizerem o que fazer e precisa que as pessoas fiquem ensinando como proceder? Crianças.

Nós somos jovens

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A Geração Y só é adulta fazem 5 a 10 anos. Ela ainda é jovem. O processo de amadurecimento e compreensão das novas responsabilidades não é algo que acontece do dia pra noite. É óbvio que vamos cometer erros – uns mais do que outros – antes de nos acostumarmos com a ideia do que é ser adulto.

Hoje o mundo não é mais o mesmo. Não dá pra se medir pela mesma régua que nossos pais se mediram.

Se você, deparado com o mercado do jeito que ele está, pensou que valia mais a pena tentar empreender algo, pior ainda. Você vai cometer mais erros ainda e tomar muita porrada porque além da natureza de ineditismo que costuma circundar qualquer projeto empreendedor, a chance é mínima que seus pais ou alguma pessoa próxima tenha feito o mesmo. Ou seja, não tem ninguém pra ensinar como se faz.

Nós do Mean Look somos:

  • Um cara que trabalhou na HP desde que saiu da faculdade e eventualmente subiu a escada corporativa até virar líder de equipe;
  • Um cara que empreendeu fundando uma empresa de jogos eletrônicos registrada nos EUA e trabalhou nela enquanto fazia freelance e queimava as economias pra pagar as contas.

Um foi pelo que seria considerado o “caminho tradicional” do emprego fixo e estabilidade, e o outro se virou com o que tinha na época durante um bom tempo. Quem está certo? Quem hoje tem uma vida plena e financeiramente estável? Dica: nenhum dos dois.

Time is a Flat Circle

O mundo no qual os nossos pais viveram era radicalmente diferente do nosso. Na época deles a vida era algo que, te ensinavam, acontecia sobre trilhos: ir pra faculdade, pegar um diploma (escolha um: medicina, engenharia ou direito; comunicação se você quiser “esperar marido” nesse mundo machista de merda), se casar, fazer uns cachorros, comprar um filho e ensinar ele a repetir o ciclo. Mas a despeito dessa diferença, eles não amadureceram do dia pra noite como se fosse mágica.

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BRUXARIA

Nossos pais também tiveram que passar pelo seu próprio ciclo de amadurecimento no qual descobriram o que significava ser adulto para eles. Eles enfrentaram outros desafios, quebraram outros paradigmas e sucumbiram a outras pressões da sociedade. Eles sabem tanto quanto você o que você deveria fazer com a sua vida.

Eles podem te dar conselhos, falar como foi quando eles passaram pela vida, como eram as coisas na época deles, mas eles nunca vão poder te dar uma resposta certa. Eles viveram suas próprias infâncias, adolescências e anos de jovem adulto e eram tão inseguros e complicados quanto nós somos.

Também tiveram que lidar com gente espertinha que falava que a geração deles era imatura, egoísta e mimada. Também tiveram que lidar com seus colegas de geração falando o mesmo e se sentindo especiais. Só  não tiveram a internet pra qualquer babaca escrever um post cheio de chorume e sair compartilhando.

Então o que é que tem de errado com a geração Y?

Resposta: Nada. Não se preocupe. 

A vida adulta, como tudo na sociedade, é uma divisa arbitrária inventada em outra época e todo ser humano no planeta se sente fora do lugar porque é a coisa mais normal do mundo.

Por isso é inevitável que gente mal intencionada, arrogante, prepotente, iludida, preconceituosa, marketeira ou qualquer combinação destes adjetivos escreva textos falando o que tem de errado com os outros. Isso apela para as nossas inseguranças e sentimento de culpa e faz com que nós demos ouvidos a qualquer pessoa que pareça saber o que fazer; ao mesmo tempo que apela para a arrogância e sentimento de superioridade do ego de alguns que concordam com o que está sendo dito nestes textos. Cliques e validação de ego para o autor; prescrições e vaidade para os leitores.

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Uma vez, conversando com um amigo e mentor que respeito muito, eu ouvi a melhor definição do que é ser adulto, e carrego ela no meu coração.

Ser adulto é fazer as coisas que faziam por você quando criança.

Ponto final. Se sustentar e assumir seus erros. Se enquanto isso você vai assistir desenhos, jogar videogames, colecionar bonecos, tomar sorvete e ler O Pequeno Príncipe mil vezes, não é da conta dos outros. Se eles fazem questão de romper com tudo que lhes dá prazer e adotar uma cartilha do que consideram coisa de um adulto respeitável, eu recomendo que você faça uso irrestrito e sem parcimonia da terceira ferramenta que só a vida adulta te proporciona (as duas primeiras sendo experiência e álcool): o foda-se.

Talvez o último sintoma do medo da responsabilidade seja esse: deixar que os outros te digam o que fazer. Daí caímos na cartilha da adultisse.

Gente amarga é assim mesmo, se incomoda com a felicidade alheia. Você não é obrigado a ceder a essa pressão. Você não está errado por ter ido na estréia dos Vingadores, você não e menos responsável por ter comprado um boneco do Mega-Man ou mil. Nunca se esqueça que ser adulto também significa que você é responsável pela busca da sua própria identidade e felicidade.

Diga-se de passagem, o melhor remédio contra gente amarga é ser feliz, então por favor, dica dos Mean Lookinhos:

Desde que você pague as suas contas, assuma suas atitudes e esteja sempre se vigiando pra ser um bom amigo (coisa que a gente aprende no jardim, mas parece se esquecer bem rápido) e não prejudique ninguém, seja feliz.

Seja obscenamente feliz. Viva cercado de mimos sem se esquecer de mimar as pessoas de quem você gosta. Leve uma vida tão doce que dá dor no dente de quem olha. De dias ruins, já bastam os que a vida nos dá de graça.

Se você discorda e ainda acha que existe alguma cartilha que todo mundo tem que seguir pra ser respeitável, temos uma perguntinha adulta pra você responder:

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E a roupa, lavou?

Majora’s Mask é melhor que Ocarina Of Time

Joguei Majora’s Mask duas vezes. Odiei ele em 2001. Em 2012 ele virou meu jogo favorito de todos os tempos. O motivo? Tem a ver com o quanto um formato consegue beneficiar a história que você quer contar:

A Origem é um ótimo filme, mas seria difícil funcionar bem como uma série de TV sem ter que ficar relembrando o espectador de tudo que aconteceu nos episódios anteriores. É um roteiro complexo, difícil acompanhar sem a imersão que o cinema proporciona.

O Código Da Vinci é um bom livro, que teve uma boa adaptação para filme.  Porém fica claro que o tempo para explorar os quebra-cabeças no cinema é muito mais reduzido, porque em um filme quem dita o ritmo não é o espectador.

Pra mim, Majora’s Mask é a magnum opus do Aonuma. Se me pedissem para apontar um jogo que explora de maneira brilhante as ferramentas que um jogo oferece como maneira de contar uma história, eu diria MM sem pestanejar. Se Avatar usou tudo que o cinema 3D possibilita, esse jogo usa tudo que a mídia do jogo eletrônico pode usar pra contar sua história da maneira mais fascinante possível.

É um jogo recheadíssimo de simbolismo, reforçado de maneira sutil por várias de suas mecânicas, mas que requer uma sensibilidade e uma disposição para escutar o que o jogo está tentando transmitir que eu não tinha na primeira vez que eu joguei.

Antes de começarmos

The Legend of Zelda: Majora’s Mask é sequência direta de outro jogo da série The Legend of Zelda. Esse outro jogo foi Ocarina of Time.

Sim, o mesmo que tem notas praticamente perfeitas em quase todos os sites de análise de jogos eletrônicos, que foi cultuado por muitos mesmo em gerações de consoles posteriores como o melhor jogo já feito. A partir disso dá pra entender toda a expectativa que tinha sido criada sobre Majora’s Mask, né? Ele tinha tudo pra ser o sophomore slump dos Zeldas 3D.

É importante, portanto, que a gente fale um pouco sobre o final do Ocarina of Time, e como os eventos deste impactam no que decorrerá em Majora’s Mask.

Em Ocarina of Time o protagonista, Link, após passar por provações enquanto criança, fica preso por 7 anos em uma dimensão alternativa e volta para Hyrule já no corpo de um adulto. Ele se depara com um mundo tomado pelo caos e a restauração da ordem depende dele. É forçado a se emancipar.

Depois viajar pelo tempo entre sua infância e idade adulta diversas vezes para salvar a Hyrule do futuro de seu predicamento, a princesa Zelda o envia de volta no tempo para que ele possa viver sua infância perdida. Só que nesse processo de volta no tempo, ele não é mais um herói. Todo o caos que assolou Hyrule ainda não aconteceu. Ele viveu as responsabilidades de um adulto e cumpriu seu destino como Herói do Tempo, mas volta a um momento antes de seus feitos em um corpo de criança.

Ele foi uma lenda, mas agora é só mais um pirralho. E agora começamos a nossa jornada por Majora’s Mask.

O Início de Majora’s Mask

A primeira hora de Majora’s Mask introduz de maneira primorosa o jogador uma estrutura que vai se repetir o longo de todo o jogo, e por isso é importantíssimo que falemos dela.

Como dissemos antes, no começo do jogo Link é uma criança de 10 anos que já viajou no tempo e viveu sua vida adulta restaurando Hyrule. Já foi um herói mas, tendo voltado no tempo, todos os seus feitos estão à sua frente na linha do tempo e ainda não aconteceram. Seu heroísmo não é mais necessário, pois o plano de Ganondorf não se concretizará no futuro.

É importante entender que no começo de Majora’s Mask Link está desvinculado da sua identidade construída ao longo de Ocarina of Time. Ninguém com exceção de um único personagem sabe da jornada que ele teve em um futuro que não acontecerá nessa linha do tempo. E ele vai em busca dele. Atenção ao vídeo (não precisa assistir inteiro, só o comecinho):

Os primeiros 40 segundos são o suficiente pra ver as mensagens, mas a abertura toda é linda!

Se a ficha não caiu, é a Navi. O sonzinho dela toca logo depois que o texto para de passar. Em seguida na cena de abertura, Link encontra Skull Kid, o “vilão” da história cuja motivação você ainda não conhece, mas que hmm… bullies? Atormenta? Perturba? Enfim, toca o terror pra cima do Link. Ele está vestindo o artefato mágico do jogo, a Majora’s Mask – uma máscara amaldiçoada que amplifica o pior de sua personalidade e lhe dá poderes mágicos -, que ele usa para transformar Link em um Deku Scrub. Link enxerga sua nova forma e corre cobrindo o rosto. Depois enxerga seu reflexo na água, já transformado, e grita. Ele ainda não sabe o que o define, mas sabe que ele não é um Deku Scrub.

Após passar por alguns obstáculos, Link atravessa um corredor onde o espaço vira de ponta cabeça (ao som de uma música muito importante no jogo; vamos falar dela mais tarde). Ao final do corredor ele encontra com uma figura importante, o personagem que vai lhe explicar mais sobre sua missão: O vendedor de máscaras. Ele é um colecionador, o dono original da Majora’s Mask, e alerta link sobre os poderes dela, pedindo que Link a recupere para evitar um destino terrível.

Link então adentra Clock Town, cidade central e de Termina – a dimensão paralela de Hyrule onde a aventura se passa – e hub do jogo, iniciando sua busca pelo Skull Kid para resgatar Navi.

Impedido de deixar Clock Town pelos guardas nas saídas da cidade, Link começa sua jornada investigativa realizando missões em troca de informação. Eventualmente ele descobre que Skull Kid está no topo da torre do relógio de Clock Town, que a torre abrirá as portas superiores – que estão fora de seu alcance – três dias depois, à meia-noite, e que ele precisa chegar lá. Fazendo algumas missões e com a ajuda de um mercador Deku, ele consegue alcançar a entrada da torre do relógio. Lá ele se depara com algo mais terrível e urgente ainda do que resgatar sua amiga: o destino derradeiro de Termina – a queda da Lua.

Navi está desaparecida, o mundo vai acabar e não há nada que Link, preso ao corpo de um Deku, possa fazer para impedir. Porém, ele recupera sua ocarina – sim, a Ocarina of Time, artefato que titula o jogo anterior. A ocarina que lembra a ele que ele já salvou Hyrule em uma linha do tempo alternativa, e talvez possa fazer algo por Termina. Ele toca a Canção do Tempo, a mesma que permitiu que ele viajasse entre sua idade adulta e infância no jogo anterior, e fazendo isso ele retorna três dias no tempo e começa o ciclo novamente.

Termina foi revertida a como estava no exato momento em que Link chegou. A lua não caiu, Skull Kid ainda aguarda no topo da Clock Tower e os habitantes de Clock Town permanecem alienados do destino de seu mundo.

Link retorna para o subsolo da Clock Tower, lugar onde encontrou o vendedor de máscaras (e único lugar no jogo imune à passagem do tempo), e ele o ensina uma música capaz de curá-lo de seu predicamento: a Song of Healing, ou “Canção da Cura”. Ele então passa pelo processo que o próprio jogo chama de healing, onde ele volta a sua forma original, mas transforma sua maldição numa máscara que permite que ele volte a assumir a forma do Deku Scrub.

Recapitulando – A Estrutura do Jogo

Está acompanhando?

  • O jogo consiste de um ciclo de três dias que se repete até que o jogador consiga finalmente enfrentar o Skull Kid;
  • Durante esses três dias, todos os NPC’s vão refazer as mesmas coisas que sempre fazem, nos mesmos horários. A não ser que o jogador interfira na jornada de algum deles;
  • Das mecânicas centrais do jogo, está o processo de healing ou “cura” – com ou sem o uso da Song of Healing – no qual o jogador resgata uma máscara.

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Vamos continuar 🙂

As Máscaras e a Cura

Obter novas máscaras é parte central de Majora’s Mask. Elas conferem inúmeros poderes a Link, e interagem de maneiras diversas com o mundo à sua volta, mudando até mesmo a maneira como alguns NPCs reagem a você. Para conseguir essas máscaras é preciso ajudar pessoas que estão, externa e internamente, em conflito: o herói de um vilarejo que não resistiu ao frio intenso; um artista famoso que não pôde realizar seu último show; a dona de um rancho que está sendo roubada e não consegue se defender.

As vezes o negócio é bem sutil. Por exemplo esse cara:

Esse soldado está no meio de um círculo de pedras em uma área repleta de inimigos explosivos. Detalhe: ele está invisível. Só é possível vê-lo usando a Lens of Truth, um item que permite enxergar objetos ocultos nos cenários. É uma mecânica recorrente no jogo, não é exclusiva dessa cena, então ao mesmo tempo que é fácil ignorá-lo, é bem possível descobri-lo. Ele diz que está lá sentado a muito tempo pedindo socorro mas ninguém dá bola pra ele porque ele não é muito interessante. Se link atende o pedido de ajuda dele – dando a ele uma poção de cura, remetendo ao processo de healing pelo qual Link passa para obter a Deku Mask -, ele se sente melhor e em seu processo de healing, te dá uma máscara. Essa máscara, a Stone Mask, permite que você se torne “tão interessante como uma pedra” e, como o soldado afligido por sua ‘invisibilidade’, consiga passar desapercebido por diversos inimigos e personagens.

Seguindo nosso argumento de que no jogo, mais do que salvar o mundo, Link está em uma grande jornada para recuperar sua identidade perdida após os eventos do Ocarina of Time, ao ajudar essas pessoas a lidarem com esses conflitos, descobre um pedaço de si mesmo. Após o amadurecimento forçado e confuso do Ocarina of Time, de ter sua identidade e papel no mundo imposto pela trama do seu destino como o Herói do Tempo, agora Link deve amadurecer e descobrir quem ele é a despeito do que é esperado dele. Esse pedaço de si mesmo que link descobre nas máscaras é como as múltiplas máscaras que nós usamos em nossas vidas – criança, adulto, filho, profissional, amante, herói -, e ele pode usá-lo em forma de uma máscara mágica para progredir no jogo.

As máscaras sempre são obtidas ajudando outras pessoas. Link obtém seu arsenal a partir do outro. Ele constrói seu conjunto de máscaras a partir de como ele percebe os personagens e os ajuda. Algumas máscaras tem menos relação com a pessoa da qual ela é obtida, mas em geral o jogo faz um bom trabalho de manter o vínculo entre o personagem e máscara que ele dá bastante explícito.

Termina e o Ciclo de 3 Dias

Termina pode parecer pequeno; talvez seja menor que Hyrule, o mundo onde se passa Ocarina of Time. Mas o worldbuilding de Majora’s Mask é menos sobre tamanho e exploração de expansões de terreno, e mais sobre a descoberta de pessoas.

Em Majora’s Mask o herói está preso em um ciclo de 3 dias. O mundo é destruido por Skull Kid ao final da 3ª noite mas Link pode voltar no tempo até a manhã do primeiro dia usando a Song of Time e viver esse período novamente.

Da perspectiva de Termina, porém, todo o progresso obtido pelo protagonista durante este período é perdido quando ele volta no tempo. Você arruma um problema do mundo, chega ao final dos 3 dias, volta no tempo, e o problema do mundo está de volta. É realmente agoniante. Porém, você mantém todos os itens, e todas as máscaras que ganhou ajudando as pessoas. Você tem mais um pedacinho de quem você pode ser.

O primeiro ciclo de 3 dias é particularmente marcante, porque é neles que você é apresentado a todos os recursos de buildup do jogo. Desde o primeiro dia que Link chega em Clock Town, o hub de Termina, aparece na tela um aviso que pelas cores e disposição do texto já deixa bem clara a gravidade do assunto: 

Ainda tem bastante tempo, certo? A música que sucede o aviso é bem acolhedora, característica das cidades principais dos jogos da série:

Durante esse primeiro ciclo, Link percorre a cidade tentando realizar as tarefas sugeridas pelo vendedor de máscaras que levarão ao seu processo de cura, para que ele possa voltar a ser humano, e ganhar seus poderes de voltar no tempo até o primeiro dos 3 dias. Conforme o tempo vai passando, mais avisos da passagem do tempo vão aparecendo, lembrando a você de que um perigo iminente está se aproximando.

No terceiro dia, a música de Clock Town se distorce:

Pra melhorar, se você olhar pra cima você se depara com essa imagem, que deixa bem claro o desastre que vai acontecer quando o tempo se esgotar:

moon
O tempo está acelerado na imagem, mas sim, é uma lua com uma cara assustadora que está vagarosamente se aproximando de Termina.

A tensão é sutil, mas insidiosa; a ameaça da lua caindo sempre iminente. Há detalhes nessa aclimatação tensa do jogo que pouquíssima gente sabe. Por exemplo, o primeiro dos 3 dias passa mais rápido que os outros. Ou seja: o dia que você se sente mais tranquilo porque é o com a música mais meiga, com a lua lá longe, e com bastante tempo pra você completar uma missão é o que menos dura. O jogo faz questão de te botar na tensão do 2º dia em diante o mais rápido possível. Isso torna o clichê de estar preso na mesma sequência de eventos algo novo e brilhante. Tenho certeza que tem muita gente que já faz coleção de onde esse loop temporal aparece:

sisyphus
Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra enorme montanha acima. Quando ele completa a tarefa, a pedra rola de volta para baixo da montanha e ele é obrigado a repetir a tarefa.


everydaythesamedream
Every day the same dream, um jogo em flash que explora o mesmo conceito. Clique na imagem para jogar!

Fazer as mesmas coisas de novo e de novo é muito cansativo. Fazer um jogo legal sobre empurrar uma pedra montanha acima parece muito complicado. Mas e se a gente der algo novo pro jogador explorar a cada subida de montanha? E se o que o jogador tivesse que rolar outra coisa que não uma pedra montanha acima? E se tivessem obstáculos? E se a gente enriquecesse o ambiente onde a tarefa repetitiva é realizada e desse a possibilidade do jogador explorar rachaduras na montanha ou usar animais pra facilitar o trabalho dele? E se o jogo parecesse… menos com Sísifo… e mais com Katamari Damacy?

Majora’s Mask tem um elemento que faz esse enriquecimento do mundo onde ele se passa que complementa muito bem o fato de você ter que repetir os mesmos 3 dias várias vezes.

Os NPCs 

Os personagens que não são controlados pelo jogador são muito bem desenvolvidos neste jogo. Como Link adquire as máscaras através da interferência em conflitos de outras pessoas, é necessária uma quantidade grande de personagens com conflitos interessantes para serem resolvidos. Em cada iteração de 3 dias, Link pode acompanhar a rotina, os anseios e o que define cada personagem de Termina.

Cada personagem tem uma rotina bem estabelecida, que vai acontecendo conforme os 3 dias vão se passando dentro do tempo do jogo. Pra deixar claro: os 3 dias demoram aproximadamente uma hora em tempo real. No primeiro dia, o carteiro acorda cedo, e faz uma ronda pela cidade para entregar as cartas. À tarde ele volta para o escritório, onde você pode interagir com ele. Alguns personagens tem atividades que mudam de um dia pro outro também, e várias dessas atividades acontecem ao mesmo tempo, o que significa que acompanhar um deles em geral significa deixar de acompanhar o outro. O jogo te incentiva a fazer uma aposta, e te deixa seguro que você vai poder voltar no tempo e ver as outras alternativas caso algo dê errado.

bombernotebook
Seu calendário que mostra etapas da rotina dos personagens que você conhece. Este não está completo.

Esse volume de personagens e riqueza de suas rotinas faz com que Termina pareça um mundo mais vivo. Com pessoas que tem  motivos e preocupações assim como você. Isso faz com que cada um dos personagens seja importante. É difícil você encarar algum personagem como “ah, é só o carteiro, ele não deve ser importante na história” porque o jogo te ensina muito cedo que até o carteiro tem um papel nos eventos que se desenrolam ao longo dos três dias. 

spotthemain
Adivinha quem é o personagem principal?

O contraste entre os personagens importantes pra história e os que estão lá só para cumprir um trabalho é minimizado, e ao mesmo tempo a recompensa de conhecer um novo pedaço da história e ganhar uma máscara é boa o suficiente pra manter sua curiosidade ao decorrer do jogo. Talvez muita gente vá discordar de mim nesse ponto, já vi várias pessoas comentarem que essa necessidade de explorar todos os cantinhos é o que matou Majora’s Mask pra elas. Pra zerar o jogo da forma mais básica possível são necessárias apenas 6 máscaras.

Não é um jogo para todos; vai ver jogos que dão trabalho de terminar não são a sua praia. Claro que terminar o jogo fazendo o mínimo possível dá uma visão muito pequena do que ele tem a oferecer. É um risco grande a correr, mas que jogos atuais como Dark Souls correm confiando em uma mecânica base forte o suficiente para manter o jogador entretido e em uma narrativa boa o suficiente para mantê-lo curioso e engajado.

“AH MAS DIOGO MAJORA’S MASK NÃO TEM UMA LUTA TÃO FODA QUANTO DARK SOULS”. Não, não tem, mas Majora’s Mask é um jogo do ano 2000, apenas 2 anos depois do lançamento de Ocarina of Time. Na época, o que o jogo oferecia era o clímax do que um adventure 3D podia oferecer. Ele também não tem que ser Dark Souls pra ser um bom jogo, seu bobinho com DDA.

A Lua

Depois de coletar as máscaras e completar as quests necessárias, você está habilitado a tentar derrotar o Skull Kid: o responsável pela lua estar prestes a cair sobre Termina. E como você já bem sabe a essas alturas do jogo, para somar ao clima dramático, você só pode ir para o último mapa nos últimos instantes do 3º dia, com aquela música super bizarra e distorcida que vimos antes. Para fazê-lo, você vai até o topo da torre de Clock Town, e invoca 4 gigantes, cada um representando um espírito guardião correspondente a cada chefão que você derrotou, e eles impedem que a lua caia sobre Termina. Então você é levado para o último mapa: a própria lua.

É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.
É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.

Debaixo dessa árvore estão 4 crianças vestindo máscaras equivalentes aos 4 chefões que você derrota durante o jogo. Aí você fala com elas e, no auge da sua busca pela reconstrução da identidade de Link, elas fazem as seguintes perguntas:

Sobre os personagens de Termina:

Your friends… What kind of… people are they? I wonder… Do these people… think of you… as a friend?

Sobre o processo de cura:

What makes you happy? I wonder…what makes you happy…does it make…others happy, too?

Sobre a impermanência dos seus bons atos:

The right thing…what is it? I wonder…if you do the right thing…does it make…everybody…happy?

Sobre a sua identidade:

Your true face… What kind of… face is it? I wonder… The face under the mask… Is that… your true face?

crazymasksalesman
BOOM!

Meus amigos. Se esse não é o fechamento perfeito para todas as coisas que o jogo oferece durante as dezenas de 3 dias que você percorre, eu não sei qual é. Você derrota Skull Kid e Majora’s Mask em sua última forma, e então descobre que Skull Kid estava solitário. Achava que havia sido deixado de lado pelos 4 gigantes que na verdade eram velhos amigos dele, e em um impulso vingativo acabou querendo parar tudo isso. É uma simplificação do final, mas acho que vale.

NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH
NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH

O que mais me impressiona nesse jogo é exatamente o fato de que esses detalhes, essa narrativa que floresce conforme você interage com mais e mais pessoas de Termina e o quão evidente fica a individualidade delas, é algo que seria extremamente difícil de fazer em outro meio que não em um videogame.

Onde MM ganha?

Talvez eu diga que ele seja um dos melhores jogos que eu já joguei por estar em um período mais aberto as mensagens que o jogo tinha para me passar. Como o Daniel já disse, as expectativas que você cria antes de jogar um jogo afetam muito o que você vai absorver dele. O meu eu-de-13-anos esperava uma sequência de Ocarina of Time. Com mais pancadaria, mais lutas contra o Ganon em cima de um castelo destruído. O meu eu-de-24-anos não sabia direito quem eu era. Eu estava aberto. Disposto.

Talvez as interpretações que eu trouxe aqui sejam frutos de uma projeção dos meus problemas para as metáforas do jogo. De fato há outras interpretações do que acontece em Majora’s Mask. Uma delas, inclusive, é de que os 3 dias são um período de luto, e que o Link morreu na cena de introdução, e todos os personagens são ilusões da cabeça dele em um coma pré-morte. Pessoalmente eu acho essa teoria punhetação de Massaveyismo. Prefiro a minha. Hahahah!

O que é inegável é que Ocarina of Time foi muito inovador em termos mecânicos, mas me conta qual o drama fora do eixo link-zelda-ganondorf que mais te cativou? Majora’s Mask tem centenas. É impossível desqualificar Ocarina of Time – é um jogo brilhante, e foi pioneiro em diversas coisas -, mas a profundidade do mundo sobre o qual MM se passa ganha. Ganha em personagens carismáticos com seus próprios dramas individuais, na ambientação de desastre iminente o tempo todo, e em aproveitar todo o ferramental que os jogos eletrônicos como mídia tem a fornecer para contar uma história com uma estrutura complexa. Esses fatores são capazes de despertar interpretações que batem muito próximo do nível pessoal de cada jogador, tornando a experiência de jogar Majora’s Mask a mais visceral de qualquer Zelda.

E se você discorda ou não gostou da minha opinião…

rotomnavi
HEY LISTEN!

Deixem o Hype Em Paz

Ou “Por Que Eu Evito Notícias de Games”.

O ano era 2000 e não muito tempo atrás a gente tinha acabado de passar por aquela virada de ano cheia de quimeras. O bug do milênio não se concretizou, nenhum meteoro caiu do céu e a única coisa que se acabava era a carreira do Los Hermanos com Anna Julia virando hit. Eu era uma criança de 10 anos, sobrevivente do meu primeiro fim do mundo e orgulhoso dono de um Nintendo 64, o primeiro console que tive que não era de uma geração já antiga.

Em alguma sexta-feira entre o fim de Outubro e o começo de Novembro, eu estava quebrando todas as regras de horário de sono saudáveis pra uma criança, cozinhando os princípios do que hoje é a minha insônia por ansiedade por mais um fim de semana.

Essa era a lei: toda sexta-feira eu ficava acordado até de madrugada esperando meu pai chegar de São Paulo pra vir me ver.

Mas aquela sexta-feira era especial. Não era só o meu pai que estava chegando. Ele tinha comprado um presente pra mim e eu sabia o que era. Em algum lugar dentro da mochila dele vinha uma caixa e dentro dessa caixa um cartucho. Meu pai estava trazendo The Legend of Zelda: Majora’s Mask.

Era o sucessor do jogo que foi o favorito de uma geração inteira. Era uma das minhas coisas favoritas muito antes de eu ganhá-la de um jeito que só uma criança consegue fazer. Era Zelda, porra!

Eu ouvi o barulho da fechadura Papaiz destrancando e corri pra receber o meu pai. Ele me abraçou. Abaixou e abriu a mochila ali mesmo e me deu a caixa que, além de todas as minhas expectativas, ainda trazia os dizeres: Collector’s Edition.

majorasfront

Viemos pro quarto, instalamos o videogame na TV – na época meu quarto não tinha espaço pra deixar ele ligado direto -, e abrimos a caixa.

Lá dentro o cartucho mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Ele era dourado, ainda cheirava a plástico novo e o adesivo na frente era um holograma 3D que se mexia quando você virava a fita de um lado pro outro.

majoracartridge

Do lado, o Expansion Pak do N64, um periférico que você colocava num slot que tinha na frente do seu Nintendo 64 que adicionava 4 Megabytes de memória RAM ao console.

Se você que está lendo não viveu os anos 2000, talvez ache isso uma palhaçada, já que tem grandes chances de o seu celular ter 1 Gigabyte de memória RAM. Se é o caso, deixa eu explicar:

O Nintendo 64 tinha 4MB de RAM. Isso significa que o jogo era tão épico, tão absurdo, que o videogame que já era de última geração precisava ficar duas vezes mais potente pra poder rodar Majora’s Mask.

Coloquei a fita no console e liguei. Se bem me lembro já eram duas da manhã, e eu não podia jogar muito mais antes de ir dormir, mas não importava. Os próximos trinta minutos que mendiguei pra jogar um pouquinho antes de ir dormir estão estampados no fundo do meu crânio até hoje, cada nova cena do jogo fazia minha mente de criança surtar.

Eu ainda surto.

Essa é uma das lembranças mais vivas e queridas que eu tenho da minha infância.

Majora’s Mask é o meu jogo favorito. Sim, ainda é, mesmo depois de 16 anos, de três gerações de consoles. Derrota com folga qualquer jogo que eu tenha jogado no meu PS4, com dois processadores quad-core, uma GPU violenta processando sabe-se lá quantos zilhões de polígonos por segundo.

terriblefate

É óbvio que a nostalgia me influencia. É claro que as circunstancias em cima do jogo influenciam a minha percepção dele. É claro que como game designer eu consigo encontrar falhas nele. Se você acha que qualquer uma dessas coisas faz com que minha opinião seja menos válida, em primeiro lugar, vai tomar no seu cu largo; em segundo lugar Fallout 4; e em terceiro, além de ser um babaca, estudos apontam que você está errado.

Mas eu contei essa história por um motivo.

Se passou muito tempo antes que eu tivesse uma experiência parecida com essa. Só esse ano, em 2015, eu tive a oportunidade de reviver a emoção e o calor infantil de abrir uma caixinha com a cabeça e o coração cheio de expectativas.

Vou explicar pra vocês…

O Hype nos Tempos de Discada

Era difícil ser nerd nos anos 2000.

Não é sem motivo, embora os motivos não justifiquem, que a comunidade gamer de forma geral ainda reverbera uma onda bem revanchista e machista. Esse abraço comunal na cultura pop e nerdices é fenômeno recente e, na época, ser geek significava que as pessoas jogavam coisas em você na escola – de bolinhas de papel à frutas podres -, que você era o último a ser escolhido nas brincadeiras e que você nunca, nunca ia ficar com a garota no final – exceto a feita de polígonos no final do jogo.

Além de todo o preconceito, éramos um nicho de mercado que estava só começando a ser explorado. Na época tudo era voltado para as crianças cool. Entrar em contato com coisas das quais gostávamos era uma tarefa que exigia alguma dedicação e dinheiro. Comprar revistas na banca, principalmente. Por esses e outros motivos, era muito difícil ter acesso a coisas de videogame. O processo de geração do hype para jogos novos era o seguinte:

  • As revistas de jogos anunciavam o que tinha sido divulgado na E3;
  • Fim do processo.

zeldagaiden

O resto era especulação pura e boca-a-boca. Internet era novidade. Ainda não existia Youtube. Não tínhamos acesso aos trailers, fóruns, mil sites, informação infinita. Os canais de acesso aos consumidores de videogame eram muito mais limitados, ainda mais no Brasil.

E isso era muito legal.

Não digo isso como um velho saudosista, mas como uma pessoa que encontrou só agora, cerca de 10 anos depois, o caminho de volta pro júbilo infantil. Que conseguiu fazer as pazes com aquela criança.

O Trailer do Trailer, e Porque a Sony Venceu a E3

Me lembro que esse ano uma das notícias que correu pelo meu Feed do Facebook foi que alguma empresa tinha anunciado a data de lançamento do teaser do trailer do novo filme do Deadpool. Acompanhem comigo:

  • A data de lançamento;
  • Do teaser;
  • Do trailer;
  • Do novo Filme do Deadpool.

Eu acho incrível que a cultura pop hoje consiga mobilizar tanta gente, comover tanta gente e tocar até quem antes torcia o nariz pra coisa de nerd. Sério. Mas a maneira como isso está sendo usado pelas empresas e pela mídia, pra mim, passou dos limites.

Isso não acontece só no cinema. Isso acontece com tudo que é cultura pop. Quantas vezes nós que gostamos de jogos não ouvimos nos nossos círculos que o estúdio tal anunciou a data em que vai anunciar a data de lançamento do jogo X?

Ou quantas vezes não ouvimos infinitos rumores e entrevistas com os criadores dando pequenas informações sobre como onde a história vai se passar, qual é a do personagem principal, de forma que vamos acumulando tudo e pintando um quadro sobre o que o jogo vai ser muito antes de ele ser lançado?

Isso não gera expectativas. Isso dilui as expectativas. Sabemos cada vez mais o que esperar do que vamos consumir. Se isso é bom por um lado, nos ajudando a ajustar expectativas e evitar comprar produtos dos quais vamos nos arrepender depois, por outro lado quando você coloca o jogo no seu console, você já sabe exatamente o que esperar. Quando vai assistir a E3, já sabe o que esperar.

Aí quando uma empresa mantém a boca fechada, quando ela não vaza rumores e informações só para manter a chama acesa, acontece o painel da Sony na E3 de 2015. Sério, cliquem no link e assistam.

youmaniacs
Se mais nada, basta reação do cara da direita faz valer a pena.

Agora a Square/Enix já está caindo pelas veredas conhecidas, liberando pequenos trailers de gameplay e informações sobre o jogo aqui e acolá – uma estratégia que no caso específico de um remake de Final Fantasy 7 eu considero razoável, uma vez que existe uma fanbase furiosa a ser “consultada” antes de qualquer movimento drástico por parte dos criadores – mas no dia de lançamento desse trailer é visível a empolgação das pessoas.

Agora, imagina o que teria acontecido se tivéssemos rumores em vários lugares que o Remake de Final Fantasy 7 estava vindo? O impacto seria o mesmo?

É claro que não.

Viver de Olhos Fechados: Zelda Gaiden e Project Beast

Com Majora’s Mask o meu hype, minhas expectativas, vinham só de duas coisas: O anúncio do lançamento do jogo, e poucas imagens que eu tinha visto sobre o tal Zelda Gaiden.

Quando ganhei o jogo, eu tinha um mundo misterioso pra explorar. Tudo era novo, tudo era brilhante e tudo encontrava espaço no meu peito. Eu estava de braços abertos e olhos fechados. Eu não sabia absolutamente nada além do fato de que era um Zelda e que era novo. Termina se abria para mim com cada passo e cada descoberta era uma surpresa.

termina

Quando tive essa experiência novamente depois de muito tempo?

Bloodborne

project beast
Uma das primeiras imagens do então Project Beast.

Começou, assim como o Zelda Gaiden, com os rumores do tal Project Beast. Como fã da série Souls, eu fiquei empolgado. Mas dessa vez eu tomei uma decisão: não ia procurar saber mais sobre os boatos. Ia esperar a FromSoftware decidir qual seria o momento certo de me contar o que quisesse.

Foi lançado o trailer e o título do jogo: Project Beast se tornou Bloodborne, e imediatamente eu senti as vibrações de Castlevania e Dark Souls, duas das minhas séries favoritas.

E ponto final. Me recusei a assistir qualquer coisa além do trailer. Zero trailers de gameplay, zero especulações sobre o tema, zero artes vazadas. Depois do trailer, eu só queria ver o jogo.

Foi uma das melhores decisões que tomei na vida.

Entrar no jogo cego, não saber o que esperar, era exatamente o frio na barriga que eu tinha quando ganhei Majora’s Mask. Coincidência, Yharnam também tinha um grande relógio no centro, e um sino tocava de tempos em tempos tal qual Clock Town em Termina. Quando comecei a jogar, cada cenário novo me puxava o tapete. Cada ponto na trama me parecia uma surpresa. Eu não fazia a menor ideia do que esperar além de lobisomens e quem já jogou sabe exatamente qual é a sensação de tentar encaixar no quebra-cabeças as peças que o jogo vai te dando.

Se tivesse ganhado o jogo do meu pai, acho que seria minha infância tudo de novo. Mas foi mais que suficiente.

 

Isso não é só culpa da mídia, é claro, mas é ingenuidade achar que não existe influência dela também. É algo cíclico. Só publicam porque as pessoas acessam, e as pessoas acessam porque é publicado.

Por isso tomei a minha decisão: Não assisto mais gameplay trailers, 15 minute gameplay reveal, &c. e evito – quando minha ansiedade deixa – jogar versões demo das coisas.

Existe um exercício de confiança que consiste em fechar os olhos, se deixar cair para trás e confiar que o seu parceiro de dinâmica vai te segurar. Durante a curta queda existe aquele segundo de suspensão, de dúvida: o que vai acontecer? E então a pessoa te segura. Quando falo em viver de olhos fechados, é isso que eu quero dizer. Entrar no mundo de um jogo sem saber sobre nada e confiar que a experiência construída vai te tirar o fôlego e te fazer feliz é uma experiência única.

É se permitir surpreender-se. Se entregar a uma experiência nova. Dar o salto de fé.

Eu sei. Controlar a ansiedade é muito difícil. Mas confiem em mim quando eu digo: uma vez que você pega o controle, faz valer cada segundo.

rotom
Por isso que não tem “Rotom TV”.