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A Maldição dos Inovões

É o destino derradeiro de todos aqueles que trabalham na indústria dos jogos se encontrar com estas figuras aterrorizantes. Essas criaturas nefastas existem em todos os lugares e podem tomar a forma de qualquer um.

Você pode encontrar ela num almoço de confraternização, numa reunião de antigos alunos do seu colégio, até mesmo receber uma mensagem saudosa dela no Facebook. Não se engane: se um deles ainda não veio até você, um dia virá.

Ela vai se aproximar de você sorrateiramente, com uma conversa casual e agradável. Vai falar do tempo, de política, talvez futebol, ou do último filme dos Vingadores – assuntos inocentes. Quando ele sentir que você está mais confortável, aí é que mora o perigo.

Talvez ele pergunte como vão os negócios, talvez ele pergunte o que você anda fazendo desde o ensino médio, sempre tem uma pergunta adequada para o contexto.  Aí é que está o veneno. Se isso acontecer, acione todos os seus circuitos de “VAI DAR MERDA” e se afaste em velocidade terminal de fuga, porque se você responder, aí meu amigo, você está sozinho.

“Estou trabalhando com jogos”, você responde, ignorante dos motivos da criatura.

“Nossa, eu que maneiro! Eu sempre quis trabalhar com jogos!” ele diz animado, e você sente as presas afiadas se afundando na sua nuca.

Ele continua:

EU TIVE UMA IDEIA DE UM JOGO QUE EU SEMPRE QUIS FAZER. OLHA SÓ…

É, camarada. Você caiu na armadilha de um inovão.

Senta que lá vem história…

Sua Ideia Não é Tão Boa Assim

Tem essa frasezinha que corre bastante no universo de empreendedorismo: “Ideias não valem nada. Qualquer um tem ideias.” Eu não gosto muito dela por dois motivos.

O primeiro, é que essa frase é usada por investidores pra desvalorizar a moeda de troca do empreendedor – sua ideia de produto/serviço – e fazer com que ele aceite acordos que podem vir a condenar seu empreendimento a uma morte súbita e prematura. O segundo é que ela não é totalmente verdadeira; nem todo mundo tem ideias e, mais ainda, nem todas as ideias são boas. Dá pra entender de onde essa conversa está vindo quando se pensa em termos do risco que investidores vão assumir, mas eu acho que em última instância ela só resulta em envenenar o ambiente e desvalorizar profissionais criativos e com a cabeça ligada em inovação.

Dica: O “?” na equação é SUOR.

Mas ela também não é 100% mentira.

Alguém provavelmente já teve uma ideia muito parecida com a sua. Não porque ela é ruim, medíocre ou não é original, mas porque pessoas ao redor do mundo inteiro estão conectadas através da Internet, absorvendo informação, e criatividade não é nada mais do que você conectar conceitos e ideias anteriores que antes estavam isoladas para gerar uma nova ideia. O mundo sendo do tamanho que é, interconectado do jeito que é, e com as pessoas vivendo situações que compartilham a todo tempo na nossa ‘aldeia global’, é natural que alguém exposto à conceitos parecidos com os que você absorveu tenha uma ideia parecida com a sua.

O que separa uma boa ideia de uma ruim quase nunca é o quanto essa ideia foi fruto de inspiração repentina. Essas ideias existem também, mas na maioria das vezes você precisa trabalhar na sua ideia, testar ela, validar através de projeto, planejamento e produção – dependendo da ideia, até da aceitação do público. É aí que muita gente deixa a desejar – achar, por conta de algum senso de orgulho, que teve uma ideia brilhante, sem dedicar tempo e esmero a ela. Desenvolver uma ideia ao ponto que ela pode ser considerada boa dá um trabalhão.

Então, por favor, não seja a pessoa que “joga” ideias nas pessoas que tem a capacidade de executá-las pra você. Não se transforme num inovão.

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Essa pessoa. Não seja essa pessoa.

Não existe esse papo de “ser o cara das ideias”. O seu conhecido que tem a capacidade técnica, você pode ter certeza, tem muitas ideias que são dele e naturalmente ele vai ter muito mais interesse em desenvolvê-las. Ainda por cima, se esse cara trabalha na industria criativa ele provavelmente entende muito melhor que você o processo por trás de fomentar inspiração, absorver conteúdo e gerar novas ideias. Ou seja, as ideias dele provavelmente são mais maduras – se não melhores – do que as suas.

Pior ainda, não proponha ‘parcerias’ onde você tem as ideias e o seu ‘parceiro’ faz todo o trabalho (sim, o mundo tá LOTADO de gente assim). Isso é pura desonestidade e se você precisa que alguém te explique porque, meua migo, cê tá mal demais.

Pensa assim: Você e seu/sua namorad@ estão em casa conversando sobre o que vão cozinhar pro dia dos namorados, quando el@ vira e fala:

“Cara, que tal uma massa caseira com molho pomodoro feito de tomates frescos, alho e enfeitado com folha de manjericão acompanhando aquele medalhão de filet mignon com redução de vinho tinto… delícia né. EU TIVE A IDEIA, VAI LÁ VOCÊ E FAZ AGORA.”

Só não.

MAIS DE OITO MIL IDEIAS POR MINUTO

A boa notícia é que, como diria um querido professor meu, criatividade é músculo. Ou seja, toma whey pra virar monstrão você pode exercitar a sua.

A natureza de expansão da criatividade tem relação com a maneira como o nosso cérebro formula novas ideias. Existem várias teorias sobre isso, mas como nós não somos especialistas, decidi me focar nas três principais. Vamos lá?

VOOOSH

1. Consuma muita cultura.

Se, como dissemos antes, ideias nascem da associação de conceitos já conhecidos mas de maneiras inesperadas, quanto mais conhecimento você tiver, maior vai ser o repertório ao qual o seu cérebro vai ter acesso e maior é o número de associações que você poderá fazer. Assista filmes, veja séries, leia livros de ficção e não-ficção, mergulhe na Wikipedia e nunca visite o TV Tropes 

Consuma, também, todo tipo de cultura. Tudo que você quer criar é tangenciado por outras áreas de conhecimento, e essas outras áreas tangenciadas por ainda mais áreas. Absorver cultura diversa com certeza vai te ajudar a ter uma visão mais completa de tudo e te ajudar a criar mais.

Não é a toa que isso é um dos pilares centrais aqui no Mean Look. Somos um blog sobre jogos, mas exatamente por esse motivo você pode reparar que falamos de coisas que não estão diretamente relacionadas a jogos.

2. Consuma cultura fora da sua zona de conforto.

Vamos supor que um cara quer escrever um livro de fantasia medieval. Você olha a estante dele e vê que ele se cercou de livros de fantasia medieval: Wheel of Time, As Crônicas de Gelo e Fogo, Senhor dos Anéis, Mistborn, Dragonlance, Forgotten Realms, livros de Dungeons & Dragons e mais o que você conseguir imaginar de Sanderson, Robert Jordan, R. R. Martin, R. R. Tolkien. Você pensa: “Olha, esse cara fez o dever de casa! Ele tem tudo pra escrever um bom livro de ficção”.

Não. Essa é a melhor maneira de se assegurar que o seu livro vai ser uma porcaria.

Bons livros dificilmente são escritos por autores que só leem um gênero. Bons livros são escritos por autores que dominam a língua na qual escrevem, que conhecem as estruturas mitológicas, que já leram gêneros diferentes pra absorver, por exemplo, os ótimos diálogos de um drama, como criar suspense como num mistério, como controlar o ritmo da sua narrativa num livro de ação desenfreada.

Bons autores leem, também, ficção literária – Jorge Luís Borges, Ítalo Calvino, Ursula K. Le Guin, &c. – livros de não-ficção – história, poesia, biografias -, os clássicos – A Divina Comédia (Dante), Ilha do Tesouro (R. L. Stevenson), Drácula (Bram Stoker), &c. – tudo.

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Você, seja ilustrador, arquiteto, game designer, escritor, artista!, deve também conhecer coisas que não estão direta e explicitamente ligadas à sua área. Ser curioso faz parte de ter repertório. Então saia da sua zona de conforto. Conhecimento não está só em um lugar, ele está espalhado pelo mundo em pequenos pedacinhos.

“Mas Daniel, eu nunca gostei de um autor que não fosse de fantasia medieval.”

Meu querido, então você leu muito pouco.

3. Converse com as pessoas.

Conte sua ideia pra pessoas. Ou melhor, todas as suas ideias. Estar aberto a conversa e troca de experiências vai te trazer mais cultura. Podem te dar uma dica de livro ou referência que você não tinha que complemente perfeitamente sua ideia. Podem te fazer uma pergunta sobre ela que você nunca tinha feito, que pode fazer você perceber que ela não é tão boa assim, ou então te obrigar a melhorá-la pra que ela atenda a um problema que você não conhecia.

“Mas vão roubar minha ideia!”

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SIM, SIM. MU-HAHAHAHA

Lembrem do que eu disse lá atrás: Sua ideia não é tão boa assim.

E se ela for, se a sua ideia for a porra do Ovo de Colombo, tão foda que uma mera conversa de bar com uma pessoa qualquer vai colocar ela em cheque porque tal pessoa vai fazer ela antes de você, talvez você devesse estar trabalhando nela ao invés de ficar mofando ela na sua cabeça.

Adube suas ideias

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Sabe porque esse cara do elefante tá mil anos luz na frente da maioria das pessoas? Porque ele foi lá e colocou a porra da arma em cima do elefante pra descobrir que é uma ideia de bosta por mil motivos.

Ideias são como plantinhas.

É super bacana quando você tem aquela sementinha de ideia plantada na sua cabeça, mas se você não adubar ela pra tornar o solo fértil pra criatividade, regar ela com trabalho intelectual de pensar sobre as suas implicações, cortar as ervas daninhas que são os problemas que você descobre que podem atrapalhar ela quando faz uma análise mais profunda, ela não vai crescer.

E crescendo, você tem que reavaliar a todo tempo: que ideia é essa que eu estou ajudando a crescer? Quanto mais tempo e trabalho você dedicar à sua ideia, não só dentro da sua cabeça mas ajudando a plasmar ela em realidade, maior vai ser o conhecimento que você tem sobre ela. Ela é uma árvore e você vai ter que dar espaço pra ela crescer sozinha? Ou é uma vinha que precisa de algo pra subir e continuar crescendo?

Ajude a sua sementinha a crescer.

Eta, moleque bom de analogias.

Ou seja, não pare de ter ideias, mas saiba que enquanto você não se der ao trabalho, é só isso que elas vão ser – ideias pequenas, imaturas e franzinas.

Ninguém tem interesse nessas, só quem as teve.

rotomsect

TIRANDO O ROTOM-GENESECT.
O ROTOM-GENESECT É PICA.