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Deixem o Hype Em Paz

Ou “Por Que Eu Evito Notícias de Games”.

O ano era 2000 e não muito tempo atrás a gente tinha acabado de passar por aquela virada de ano cheia de quimeras. O bug do milênio não se concretizou, nenhum meteoro caiu do céu e a única coisa que se acabava era a carreira do Los Hermanos com Anna Julia virando hit. Eu era uma criança de 10 anos, sobrevivente do meu primeiro fim do mundo e orgulhoso dono de um Nintendo 64, o primeiro console que tive que não era de uma geração já antiga.

Em alguma sexta-feira entre o fim de Outubro e o começo de Novembro, eu estava quebrando todas as regras de horário de sono saudáveis pra uma criança, cozinhando os princípios do que hoje é a minha insônia por ansiedade por mais um fim de semana.

Essa era a lei: toda sexta-feira eu ficava acordado até de madrugada esperando meu pai chegar de São Paulo pra vir me ver.

Mas aquela sexta-feira era especial. Não era só o meu pai que estava chegando. Ele tinha comprado um presente pra mim e eu sabia o que era. Em algum lugar dentro da mochila dele vinha uma caixa e dentro dessa caixa um cartucho. Meu pai estava trazendo The Legend of Zelda: Majora’s Mask.

Era o sucessor do jogo que foi o favorito de uma geração inteira. Era uma das minhas coisas favoritas muito antes de eu ganhá-la de um jeito que só uma criança consegue fazer. Era Zelda, porra!

Eu ouvi o barulho da fechadura Papaiz destrancando e corri pra receber o meu pai. Ele me abraçou. Abaixou e abriu a mochila ali mesmo e me deu a caixa que, além de todas as minhas expectativas, ainda trazia os dizeres: Collector’s Edition.

majorasfront

Viemos pro quarto, instalamos o videogame na TV – na época meu quarto não tinha espaço pra deixar ele ligado direto -, e abrimos a caixa.

Lá dentro o cartucho mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Ele era dourado, ainda cheirava a plástico novo e o adesivo na frente era um holograma 3D que se mexia quando você virava a fita de um lado pro outro.

majoracartridge

Do lado, o Expansion Pak do N64, um periférico que você colocava num slot que tinha na frente do seu Nintendo 64 que adicionava 4 Megabytes de memória RAM ao console.

Se você que está lendo não viveu os anos 2000, talvez ache isso uma palhaçada, já que tem grandes chances de o seu celular ter 1 Gigabyte de memória RAM. Se é o caso, deixa eu explicar:

O Nintendo 64 tinha 4MB de RAM. Isso significa que o jogo era tão épico, tão absurdo, que o videogame que já era de última geração precisava ficar duas vezes mais potente pra poder rodar Majora’s Mask.

Coloquei a fita no console e liguei. Se bem me lembro já eram duas da manhã, e eu não podia jogar muito mais antes de ir dormir, mas não importava. Os próximos trinta minutos que mendiguei pra jogar um pouquinho antes de ir dormir estão estampados no fundo do meu crânio até hoje, cada nova cena do jogo fazia minha mente de criança surtar.

Eu ainda surto.

Essa é uma das lembranças mais vivas e queridas que eu tenho da minha infância.

Majora’s Mask é o meu jogo favorito. Sim, ainda é, mesmo depois de 16 anos, de três gerações de consoles. Derrota com folga qualquer jogo que eu tenha jogado no meu PS4, com dois processadores quad-core, uma GPU violenta processando sabe-se lá quantos zilhões de polígonos por segundo.

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É óbvio que a nostalgia me influencia. É claro que as circunstancias em cima do jogo influenciam a minha percepção dele. É claro que como game designer eu consigo encontrar falhas nele. Se você acha que qualquer uma dessas coisas faz com que minha opinião seja menos válida, em primeiro lugar, vai tomar no seu cu largo; em segundo lugar Fallout 4; e em terceiro, além de ser um babaca, estudos apontam que você está errado.

Mas eu contei essa história por um motivo.

Se passou muito tempo antes que eu tivesse uma experiência parecida com essa. Só esse ano, em 2015, eu tive a oportunidade de reviver a emoção e o calor infantil de abrir uma caixinha com a cabeça e o coração cheio de expectativas.

Vou explicar pra vocês…

O Hype nos Tempos de Discada

Era difícil ser nerd nos anos 2000.

Não é sem motivo, embora os motivos não justifiquem, que a comunidade gamer de forma geral ainda reverbera uma onda bem revanchista e machista. Esse abraço comunal na cultura pop e nerdices é fenômeno recente e, na época, ser geek significava que as pessoas jogavam coisas em você na escola – de bolinhas de papel à frutas podres -, que você era o último a ser escolhido nas brincadeiras e que você nunca, nunca ia ficar com a garota no final – exceto a feita de polígonos no final do jogo.

Além de todo o preconceito, éramos um nicho de mercado que estava só começando a ser explorado. Na época tudo era voltado para as crianças cool. Entrar em contato com coisas das quais gostávamos era uma tarefa que exigia alguma dedicação e dinheiro. Comprar revistas na banca, principalmente. Por esses e outros motivos, era muito difícil ter acesso a coisas de videogame. O processo de geração do hype para jogos novos era o seguinte:

  • As revistas de jogos anunciavam o que tinha sido divulgado na E3;
  • Fim do processo.

zeldagaiden

O resto era especulação pura e boca-a-boca. Internet era novidade. Ainda não existia Youtube. Não tínhamos acesso aos trailers, fóruns, mil sites, informação infinita. Os canais de acesso aos consumidores de videogame eram muito mais limitados, ainda mais no Brasil.

E isso era muito legal.

Não digo isso como um velho saudosista, mas como uma pessoa que encontrou só agora, cerca de 10 anos depois, o caminho de volta pro júbilo infantil. Que conseguiu fazer as pazes com aquela criança.

O Trailer do Trailer, e Porque a Sony Venceu a E3

Me lembro que esse ano uma das notícias que correu pelo meu Feed do Facebook foi que alguma empresa tinha anunciado a data de lançamento do teaser do trailer do novo filme do Deadpool. Acompanhem comigo:

  • A data de lançamento;
  • Do teaser;
  • Do trailer;
  • Do novo Filme do Deadpool.

Eu acho incrível que a cultura pop hoje consiga mobilizar tanta gente, comover tanta gente e tocar até quem antes torcia o nariz pra coisa de nerd. Sério. Mas a maneira como isso está sendo usado pelas empresas e pela mídia, pra mim, passou dos limites.

Isso não acontece só no cinema. Isso acontece com tudo que é cultura pop. Quantas vezes nós que gostamos de jogos não ouvimos nos nossos círculos que o estúdio tal anunciou a data em que vai anunciar a data de lançamento do jogo X?

Ou quantas vezes não ouvimos infinitos rumores e entrevistas com os criadores dando pequenas informações sobre como onde a história vai se passar, qual é a do personagem principal, de forma que vamos acumulando tudo e pintando um quadro sobre o que o jogo vai ser muito antes de ele ser lançado?

Isso não gera expectativas. Isso dilui as expectativas. Sabemos cada vez mais o que esperar do que vamos consumir. Se isso é bom por um lado, nos ajudando a ajustar expectativas e evitar comprar produtos dos quais vamos nos arrepender depois, por outro lado quando você coloca o jogo no seu console, você já sabe exatamente o que esperar. Quando vai assistir a E3, já sabe o que esperar.

Aí quando uma empresa mantém a boca fechada, quando ela não vaza rumores e informações só para manter a chama acesa, acontece o painel da Sony na E3 de 2015. Sério, cliquem no link e assistam.

youmaniacs
Se mais nada, basta reação do cara da direita faz valer a pena.

Agora a Square/Enix já está caindo pelas veredas conhecidas, liberando pequenos trailers de gameplay e informações sobre o jogo aqui e acolá – uma estratégia que no caso específico de um remake de Final Fantasy 7 eu considero razoável, uma vez que existe uma fanbase furiosa a ser “consultada” antes de qualquer movimento drástico por parte dos criadores – mas no dia de lançamento desse trailer é visível a empolgação das pessoas.

Agora, imagina o que teria acontecido se tivéssemos rumores em vários lugares que o Remake de Final Fantasy 7 estava vindo? O impacto seria o mesmo?

É claro que não.

Viver de Olhos Fechados: Zelda Gaiden e Project Beast

Com Majora’s Mask o meu hype, minhas expectativas, vinham só de duas coisas: O anúncio do lançamento do jogo, e poucas imagens que eu tinha visto sobre o tal Zelda Gaiden.

Quando ganhei o jogo, eu tinha um mundo misterioso pra explorar. Tudo era novo, tudo era brilhante e tudo encontrava espaço no meu peito. Eu estava de braços abertos e olhos fechados. Eu não sabia absolutamente nada além do fato de que era um Zelda e que era novo. Termina se abria para mim com cada passo e cada descoberta era uma surpresa.

termina

Quando tive essa experiência novamente depois de muito tempo?

Bloodborne

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Uma das primeiras imagens do então Project Beast.

Começou, assim como o Zelda Gaiden, com os rumores do tal Project Beast. Como fã da série Souls, eu fiquei empolgado. Mas dessa vez eu tomei uma decisão: não ia procurar saber mais sobre os boatos. Ia esperar a FromSoftware decidir qual seria o momento certo de me contar o que quisesse.

Foi lançado o trailer e o título do jogo: Project Beast se tornou Bloodborne, e imediatamente eu senti as vibrações de Castlevania e Dark Souls, duas das minhas séries favoritas.

E ponto final. Me recusei a assistir qualquer coisa além do trailer. Zero trailers de gameplay, zero especulações sobre o tema, zero artes vazadas. Depois do trailer, eu só queria ver o jogo.

Foi uma das melhores decisões que tomei na vida.

Entrar no jogo cego, não saber o que esperar, era exatamente o frio na barriga que eu tinha quando ganhei Majora’s Mask. Coincidência, Yharnam também tinha um grande relógio no centro, e um sino tocava de tempos em tempos tal qual Clock Town em Termina. Quando comecei a jogar, cada cenário novo me puxava o tapete. Cada ponto na trama me parecia uma surpresa. Eu não fazia a menor ideia do que esperar além de lobisomens e quem já jogou sabe exatamente qual é a sensação de tentar encaixar no quebra-cabeças as peças que o jogo vai te dando.

Se tivesse ganhado o jogo do meu pai, acho que seria minha infância tudo de novo. Mas foi mais que suficiente.

 

Isso não é só culpa da mídia, é claro, mas é ingenuidade achar que não existe influência dela também. É algo cíclico. Só publicam porque as pessoas acessam, e as pessoas acessam porque é publicado.

Por isso tomei a minha decisão: Não assisto mais gameplay trailers, 15 minute gameplay reveal, &c. e evito – quando minha ansiedade deixa – jogar versões demo das coisas.

Existe um exercício de confiança que consiste em fechar os olhos, se deixar cair para trás e confiar que o seu parceiro de dinâmica vai te segurar. Durante a curta queda existe aquele segundo de suspensão, de dúvida: o que vai acontecer? E então a pessoa te segura. Quando falo em viver de olhos fechados, é isso que eu quero dizer. Entrar no mundo de um jogo sem saber sobre nada e confiar que a experiência construída vai te tirar o fôlego e te fazer feliz é uma experiência única.

É se permitir surpreender-se. Se entregar a uma experiência nova. Dar o salto de fé.

Eu sei. Controlar a ansiedade é muito difícil. Mas confiem em mim quando eu digo: uma vez que você pega o controle, faz valer cada segundo.

rotom
Por isso que não tem “Rotom TV”.