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VR é o futuro

Se você não vive com a cabeça enfiada em um buraco, deve ter lido pelo menos uma dúzia de notícias sobre realidade virtual (ou VR) recentemente. Imagina amarrar um visor na cabeça que te permite viver em primeira mão a perspectiva do protagonista em um jogo de terror? 180º de visão completa, som 3D, imersão completa. A tecnologia vem se popularizando e muitos jornalistas mostraram o produto como o futuro dos jogos. Aliás: dos jogos não, o futuro e ponto final. Eu também acredito nisso, mas tipo no futuro assim… bem no futuro mesmo.

Não me levem a mal, não sou cético em relação ao potencial de VR, e o que eu mais quero é que ele decole mesmo. Mas há um descompasso entre o que o produto é e o que os sites de mídia especializada vem prometendo, e na minha opinião isso é extremamente danoso para a evolução dessa tecnologia. É por isso que quero dar um por-cimão do que está acontecendo.

Como a indústria nasce

Quando há uma grande base de consumidores – ou seja, demanda – cria-se um vácuo de oferta que precisa ser preenchido. Vendo uma oportunidade de lucro em cima disso, desenvolvedores criam produtos que são atrativos para os consumidores, que vão comprá-los e incentivar os desenvolvedores a continuar criando. É simples, e acontece do mesmo jeito seja em relação a VR, o novo Playstation ou acessórios de cozinha.

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Mas Diogo, se a plataforma é nova, ela não tem novos produtos, então não vão ter muitos consumidores, então os desenvolvedores não vão querer produzir produtos, e o negócio não sai do lugar! Exatamente. Exatamente. É aí que o esquema embaça um pouco. Lembram do post do Daniel sobre Indie para principiantes? É nesse ponto que entram investidores e publishers, que vão injetar uma grana na fase de criação do produto e na fase de atrair consumidores, visando obter algum retorno financeiro na etapa em que os consumidores pagam pelo produto. É como se fosse a ignição desse motorzinho.

Só que eu sou de exatas. E precisamos falar de números. Em uma pesquisa da Valve, o número de usuários do HTC Vive e do Oculus Rift cresceu 0.03% em julho, e 0.01% em agosto. Números que não correspondem às projeções que imaginam um mercado que gera uma receita de 162 BILHÕES em 2020. Depois do boom de vendas dos entusiastas e early adopters, o número de consumidores não parece crescer. Ao invés de decolar, o negócio parece estar estacionando. O que está atrasando a adoção?

Custo

Se eu quiser comprar um headset de realidade virtual hoje, quanto isso me sai? Depende. Se você quer um desses pra jogar no computador, se prepara. Vamos falar dos mais populares: O HTC Vive sai por US$799. O Oculus Rift por US$599. Mas se fosse só isso, seria fácil. Você vai precisar de uma placa gráfica com suporte à tecnologia, um processador parrudo e memória rápida o suficiente para uma experiência fluida. Mas voltando ao triângulo da seção anterior: por quê eu desembolsaria uma baita grana dessas se não têm lá tantos jogos atraentes pra mim?

Vamos pra camada que começa a ficar mais barata. Opções como o Samsung Gear VR ou o Google Cardboard usam o seu celular como tela, e usam um par de lentes especiais para dar ao seu cérebro a ilusão de uma visão em 180º. Funciona, e olha só: o Gear VR sai por US$99, e o Cardboard por US$16.99 . Bem mais acessível, mas é outra plataforma. Ele vai conseguir rodar as coisas que rodam no seu celular, então se tu tá imaginando que vai sair jogando um baita RPGzão estilo Fallout explorando o ambiente todo em realidade virtual, baixa tua bolinha. Outro ponto problemático é que esses dispositivos emitem o som do jogo pelo seu próprio celular, então você vai precisar de fones.

Fones, visor, controles e CABOS. MUITOS CABOS.

A minha grande aposta são os dispositivos que vão servir exclusivamente para consoles já estabelecidos, como é o caso do Playstation VR da Sony, que é bolado especificamente para o Playstation 4. Ele vai custar US$399, que é um bom meio-termo entre as opções acima, não tem o problema de você ter que atualizar o seu computador, mas ainda não tem áudio. Entretanto, como ele trabalha com o console, você tem a garantia do áudio que você já usa para o seu videogame.

Imersão e controles

Em termos de como VR muda a mídia de videogames, abre-se um leque enorme de possibilidades, já que o conceito de imersão em jogos é levado a um nível muito superior do que temos hoje. As possibilidades são infinitas, e com isso vem o questionamento de como melhor aproveitar isso para envolver o jogador. Da mesma maneira que temos a impressão que computadores se dão melhor com jogos de tiro (mouse é um dispositivo de mira incrível), e consoles se dão melhor com jogos de luta, por exemplo, com o quê VR se daria melhor?

Eu sei com o que ele NÃO se dá melhor. Jogos que permitem que seu personagem se movimente livremente pelo cenário sem o auxílio de veículos são um problema, na minha opinião. O problema vem do fato que você pode olhar em uma direção e se movimentar em outra, e provavelmente o controle da sua movimentação vai ser feito por um direcional que nem tem nos controles de playstation, xbox ou wii. Se você ainda não teve a chance de usar um dos headsets de VR e testar isso, acredite em mim: é extremamente confuso. O contraste de imersão entre você estar totalmente dentro de um ambiente e perder a noção de pra onde você está indo vs. pra onde você está andando te deixa bolado rapidinho.

As empresas que desenvolvem essa tecnologia estão trabalhando em controles que permitem você emular mãos ou ter um dispositivo apontador preciso o suficiente para usar nesses jogos. Ao mesmo tempo, os controles que estão sendo usados só mostram exatamente que como a gente imagina a interação com a realidade virtual não mudou nada nos últimos anos.

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Se eles parecem wiimotes, é porque eles são.
Observação: o visual da primeira foto tá demais, e independente de se VR é ou não o futuro, quero poder ter um look de um dos caras do Daft Punk segurando duas maracas eletrônicas.

Há alguns protótipos de controles alternativos como uma luva que tem feedback tátil, com a qual você poderia pegar objetos dentro do jogo movimentando sua mão e senti-lo. É incrível, e eu penso que precisamos de mais empresas dispostas a ir adiante e quebrar o paradigma de controles que temos mantido para realmente inventar algo compatível com o que a tecnologia oferece. Há rumores de pessoas desenvolvendo roupas inteiras com esse tipo de feedback. Esse tipo de inovação e experimentação é extremamente necessário para o desenvolvimento da tecnologia, embora ainda seja dependente de investimentos em pesquisa com valores que são restritos apenas para os grandes negócios da área. Não é a toa que Microsoft, Sony, Samsung e Google são as que mais jogam dinheiro em cima desse mercado.

Há muita hype em cima da inovação que está sendo feita em cima de VR, a imprensa joga conteúdo sobre isso quase todos os dias na nossa cara. Há uma injeção artificial de interesse afim de atrair consumidores, mas os produtos disponíveis para serem adquiridos geram mais dúvidas que respostas. Por exemplo: você realmente vestiria uma roupa especial toda vez que quisesse jogar um jogo? Como isso se encaixa na nossa rotina como jogadores? Em que momentos iriamos jogar desta forma? O motorzinho de Consumidor, Desenvolvedor e Produto tem alguma parte que evita o motorzinho de continuar girando, embora venhamos jogando combustível em cima dele o tempo todo. Isso vem em parte pelo ponto de que investir na produção de um jogo cujo custo de desenvolvimento é um pouco mais alto, mas o retorno é mais arriscado, acaba sendo menos atraente. O que desenvolvedores podem fazer para melhorar a adoção de VR?

Aplicações e como fazer VR ser uma coisa

Ok, VR já é uma coisa, mas a gente quer que ele seja mais. A grande pergunta é: o que a experiência de VR proporciona, e em que circunstâncias ela é desejável? Que tipo de jogo se beneficiaria? Pokémon Go, por exemplo, não usa realidade virtual, mas realidade aumentada (AR). A diferença é que se sacrifica imersão para que dois ou mais jogadores possam compartilhar um ambiente de jogo. Você não se sente dentro do mundo de Pokémon quando está na rua capturando seus Zubats. Você se sente na esquina, esperando pra atravessar a rua. Mas você encontra outras pessoas que também estão jogando, e o fator social é mais rico nesse sentido. O Hololens, da Microsoft, é um dispositivo que tem uma proposta mais alinhada com AR do que VR, por exemplo, e tem um conjunto diferente de aplicações.

VR é essencialmente uma experiência individual. O que tu vê no visor é uma experiência disponível apenas para os seus olhos. Party games e semelhantes estão fora de questão. A única exceção seria um jogo com informação assimétrica, ou seja: pelo menos um dos jogadores tem informações diferentes ou melhores que a dos outros. Um jogo compatível com VR que faz isso de maneira brilhante é “Keep Talking and Nobody Explodes”, onde um dos jogadores vê uma bomba, e tem que desarmá-la, e os outros jogadores possuem as instruções para desarmar cada um dos módulos da bomba.

Considerando o nível de imersão proporcionado e o fato de que movimentação livre no cenário pode ser um problema, jogos de horror onde seu personagem está parado, mas pode se beneficiar de olhar em direções diferentes são uma boa escolha. Não falo de “Five Nights at Freddy’s”, onde a visão que você tem dos cenários tem pouco movimento, mas de um tipo de jogo onde poder olhar em outras direções aumentaria a sensação de medo ou desconforto. “Rides with Strangers”, da Reflect Studios, é um jogo onde você pega carona com estranhos, e tem que tentar se manter calmo perante perguntas suspeitas e ameaçadoras, é um que eu adoraria que tivesse suporte a VR.

Outra alternativa interessante seria a produção de jogos estilo point-and-click como Monkey Island ou Full Throttle onde você explora o cenário encontrando itens e falando com pessoas que podem te ajudar a prosseguir em sua missão. A interação com o cenário poderia ser feita em uma perspectiva diferente, em primeira pessoa, e a movimentação talvez não fosse necessária caso você pudesse apontar para todos os objetos que sejam necessários para a resolução dos quebra-cabeças. Ainda é cedo para falar pois há pouca informação sobre o jogo, mas um dos grandes candidatos a entregar uma experiencia semelhante e adaptada para a nova mídia é “I Expect You To Die”, da Schell Games:

Jogos de esportes radicais ou veículos como o antigo Pilotwings poderiam dar o feeling de quase sentir o vento na cara. Há demonstrações de aparelhos de VR que usam uma montanha russa para mostrar que a sensação de velocidade é tão verossímil que pode causar reações em quem está vestindo o headset. O mesmo mecanismo poderia ser usado para pilotar asa delta, para-quedas, e os aviões que aparecem no jogo:

O jogo das águias da Ubisoft, que a gente até zoou na cobertura da E3 (relembrar é viver, veja o vídeo abaixo), é um que embora meio feinho e sem graça comparado ao resto do evento, atende os requisitos de um jogo bem bolado para VR muito bem. As águias são controladas que nem uma nave, em maior parte pelo controle, e se você mexer a cabeça, a águia muda só um pouquinho de direção. Tu não consegue olhar pra um lado e voar pra outro completamente diferente. Tu também não consegue dar uma pirueta ou fazer manobras que te deixariam confuso mesmo sem o VR. Em termos técnicos pelo menos, tá lindo. Na prática é um jogo de aves meio feioso.

O que esses jogos compartilham?

  • Pouca necessidade do personagem caminhar livremente
  • Sem movimentos bruscos e sem forçar a câmera a olhar em determinada direção
  • Experiência individual ou de informação assimétrica
  • Mexem com a sensação de imersão no ambiente afim de ressaltar o clima que o jogo quer passar
  • Jogáveis sem o dispositivo de VR, mas te deixam com a sensação de “como seria se eu estivesse usando um?” 
  • O tempo de cada sessão de jogo é curto

Na minha opinião, essas características serão marcas de bom uso da tecnologia de realidade virtual. Eu não acredito que jogos de tiro com muita movimentação ou RPGs de grande porte seriam boas experiências pelo menos para o estado da arte atual. Usar o aparelho por muito tempo ainda não é a coisa mais confortável do mundo, visto que o equipamento está todo EM TI. O ponto deles não dependerem de VR em si é importantíssimo pois cria uma rampa de entrada para a aquisição da tecnologia. É uma forma sutil de marketing tanto para o aparelho quanto para o jogo e reduz o risco para desenvolvedores que desta forma não precisam arriscar publicar algo exclusivamente em uma plataforma que ainda tem números inconsistentes. Uma vez que a coisa começar a se solidificar, entretanto, o primeiro desenvolvedor que fizer um jogo muito bom e exclusivo para VR vai arrancar uma grana violenta. Acertar o momento é o que todo mundo vai querer.

Além dos jogos

Não vão ser só jogos que vão vender esse tipo de tecnologia. Lembram quando surgiu o cinema 3D? Alguns anos depois, o que estava vendendo nas lojas? TV 3D. Muita gente comprou depois de ter a experiência do cinema 3D em um ambiente público, e daí em diante foi mais um passo pra poder levar isso pra casa. Os próprios videogames estouraram em popularidade após o surgimento dos arcades ou fliperamas, onde as pessoas podiam experimentar o que aquela tecnologia trazia em um ambiente controlado para a melhor experiência possível. Entendeu onde eu quero chegar, né?

Quem é ligeiro já entendeu e já abriu o negócio. O da foto é o Immersion Arcade, baseado em Normal, Illinois, EUA. Mas já tem vários outros pelo mundo.

Arcades. Claro que o negócio podia ser um pouco mais atraente se as paredes e chão dos bretes de cada jogo tivessem arte do jogo sendo jogado, no mesmo estilo que os fliperamas eram todos decorados com o tema do jogo. Há pequenos detalhes que podem ser alterados pra tornar a atividade mais sedutora para quem nunca experimentou, mas de qualquer maneira a existência de arcades já são uma ótima iniciativa para a popularização da tecnologia. É o tipo de coisa que gera uma demanda por VR que até o cara jogar pela primeira vez, talvez não existisse.

Cinema também é uma grande alternativa. Filmes feitos de forma compatível com realidade virtual deixam as pessoas prestar atenção no que elas quiserem e abre a possibilidade de um mesmo filme ter várias nuances diferentes dependendo do que se escolhe ver. Peças onde você escolhe acompanhar algum dos protagonistas já são uma coisa. O mesmo benefício da imersão citado anteriormente também se aplica para filmes de terror. E o fator social pode ser acrescentado em exibições onde vários usuários assistem ao mesmo filme simultaneamente no mesmo ambiente. Isso, até onde eu sei, ainda não existe. Mas filmes em VR ainda são algo muito novo também, exceto…

Pornografia. Acho que eu não preciso comentar. Isso vende. Vende muito. Não estou aqui pra julgar se é correto ou não, o ponto é que das forças que podem mover VR para um status de popularidade mais alto, essa é uma das mais fortes.


Claro que ainda há aplicações em outros meios como saúde, onde o mito Miguel Nicolelis está usando VR para tratar pacientes paraplégicos e conseguiu fazê-los recuperar movimentos parciais nos membros inferiores e no controle da bexiga. Mas vou me manter ao tema do post em relação à popularização e acesso à realidade virtual de um ponto de vista de consumidor.

Acho importante notar que temos ferramentas para produzir jogos próprios para VR, mas mais do que treinamento tecnológico e a forçação de barra do “quem aprender a programar jogos pra VR agora, no futuro vai ficar rico”, é vital compreender quais jogos se beneficiam mais da imersão e perspectiva individual e que se importam pouco com as limitações dos dispositivos. É selecionar quais realidades são interessantes de retratar nesse meio. É muito mais um chamado para bons game designers do que programadores. Precisamos de menos ports e de mais jogos pensados com os benefícios e limitações da tecnologia em mente.

VR ser o futuro ou não vai depender dos profissionais da área de jogos saberem tirar a maior quantidade de suco dessa laranja. Caso isso não aconteça, devo relembrar os senhores de que VR já foi passado também:

Todos Saúdem os Senhores Robô

Os computadores vão criar consciência própria e assumir controle total de pelo menos 80% das nações até 2143. Escrevam o que eu estou dizendo. Vou explicar meu raciocínio todo que me leva a essa conclusão e qualquer um, mesmo leigo no assunto, vai concordar comigo no final das contas.

Tudo começa com uma historinha que explica bem como o que hoje conhecemos por inteligência artificial funciona.

O Quarto Chinês

Dentro de um quarto fechado tem alguém que possui um guia infinitamente grande de todas as possíveis frases que alguém pode falar em chinês (ok, mandarim, que seja), e respostas apropriadas a essas frases. Um cara que fala mandarim fluentemente escreve algo em um pedaço de papel e passa por debaixo da porta. Após alguns minutos, outro papel volta com uma resposta apropriada escrita também em chinês. Mesmo que a pessoa dentro do quarto não faça a menor ideia do que esteja fazendo, e só esteja procurando as frases no seu super-guia e copiando os ideogramas, para todos os efeitos parece que ela fala chinês.

Quando um computador assume comportamentos inteligentes, ele também não faz a menor ideia do que está acontecendo. Ele está associando a situação que ele percebe com algo que ele julga como “uma resposta adequada”, nos mesmos moldes da historinha acima.

Em uma observação interessante: nem quem é da área sabe ao certo o que está acontecendo em relação a como a máquina cria essas associações. Inteligência artificial por redes-neurais, um dos métodos usados pra criar esse efeito de super-guia, é um dos mais difíceis de depurar.

Ah, mas Diogo, tu está considerando um super-guia infinito de conhecimento nesse teu raciocínio, não tem como ter isso. Bom, armazenar informação é algo que se torna cada dia mais barato. Vamos relembrar que um disquete antigamente guardava 1.44MB de dados, e hoje em dia o pendrive mais vagabundo da história guarda 8GB (quase 5700 vezes mais). A técnica do super-guia é tão factível que já é aplicada por coisas com as quais você interage diariamente:

O Google Translate pode a partir de várias traduções tentar chegar em uma frase que se aproxima muito bem do significado que você quer, e isto é bastante inteligente. Mas e se a gente pedisse pro google translate traduzir uma linguagem esquecida, algo que sequer nós humanos conseguimos traduzir?

IA Específica vs. IA Geral

Não. O programa do Google Translate é baseado no super-guia, certo? Então se estamos tratando de uma linguagem que ninguém conhece, ela não pode estar no super-guia. Mas já houveram ocorrências em que programas bolados para tentar encontrar padrões em dados não-organizados já descobriram regras gramaticais em linguagens perdidas. É o mesmo tipo de programa que analisa genomas. Ele percorre uma cadeia imensa de AUTACGTAAUCG e compara com a informação que ele conhece do portador daquele DNA, e começa a descobrir coisas tipo: toda vez que aparece TACG aqui nesse trechinho da cadeia de DNA, o sujeito é uma mulher. 

AHÁ! O computador aprende essa regra e agora podemos aplicar isso em várias outras coisas. O computador está se auto-ensinando regras novas conforme ele avança, parecendo ficar mais esperto. Só que não é um “AHÁ”. A cada cadeia de DNA que respeita esse comportamento, ele aumenta a sua tendência a adivinhar que o sujeito é mulher. Pouco a pouco, a associação entre aquele montinho de proteínas e o fato de que trata-se de uma dama vai se fortalecendo. Quando digo auto-ensinar, não é que o programa está se reescrevendo e mudando seu próprio comportamento. Ele aumenta a sua predileção por vincular um conjunto de informações com uma resposta. A resposta vai ficando mais e mais “adequada” no entendimento dele. De maneira simplificada, em um programa que joga xadrez, com base na avaliação do tabuleiro contra todo o super-guia de possibilidades de jogadas que ele tem, isso acontece:

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Arnold humano contra Arnold T-800 cheio de inteligência artificial na partida de xadrez do século

Eventualmente, se a máquina se depara com uma situação que ela não conhece, ela vai tentar executar uma jogada, e vai passar a monitorar quanto sucesso ela tem ganhando jogos usando essa jogada. E aí ela entra pra estatística, aumentando a predileção do programa por uma jogada ao invés de outra:

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Arnold T-800 lidando com situações de jogo que ele não conhece

O problema é que as regras novas que ele se auto-ensina são específicas ao domínio de problemas que ele está tentando resolver. O programa do genoma de reconhecimento de padrões pode ser muito similar a um programa que identifica rostos, por exemplo. Mas pedir pro programa do genoma olhar pra vários rostos e tentar reconhecer pode ser como jogar uma chave de boca dentro do mecanismo inteiro. Isso porque daqui a pouco ele vai começar a misturar o que ele já conhece com a informação nova, e vão surgir resultados bizarros como tu jogar uma sequência de DNA pra ser avaliada pelo programa e ele responder ESSA É A CARA DA MARCINHA, SEM DÚVIDA.

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O Deep Dream da Google é um programa que teve as associações de várias formas geométricas com o conceito de “cachorro” reforçadas além da conta.

Para que a skynet domine o mundo, precisamos de um tipo de inteligência artificial que seja aplicável em qualquer área de conhecimento. Algo não-específico. Uma inteligência geral. Tem que ser um computador fodão que consiga entender linguística, economia, informática, balística, psicologia, física, astronomia, e especialmente Street Fighter. Ninguém domina o mundo sem saber jogar de Bison.

 

O que é necessário para fazer a Skynet

Já sabemos sobre a inteligência geral. Mas mesmo que assumíssemos que isso é factível (spoilers: tamo longe), o que mais um computador precisaria ter para subjugar a raça humana? Se minha uber-inteligência está rodando numa máquina que está só plugada numa conexão da Vivo, provavelmente o estrago não seria muito grande, certo? No máximo ela ia mandar uns spams do Príncipe Nigeriano. Ela precisaria:

Ampliar seu escopo de ações

Isto é: uma máquina que só sabe enviar e receber mensagens via internet precisaria aprender a ganhar controle sobre coisas que a permita fazer mais que isso. Digamos: mandar uma carta pelo correio. Passar um fax. Dirigir um veículo. Invadir outro computador. Ela precisaria ampliar ainda mais o conjunto de inteligências específicas que ela precisa ter. Trata-se de uma máquina que não apenas se reprograma: ela precisa criar inteligências artificiais que a ajudem a resolver esses problemas.

Ser imparável

Se nossos suseranos cibernéticos tiverem um botão de “desliga” eles não são muito ameaçadores. A skynet teria que ser absolutamente indestrutível. Rodar em todas as máquinas do mundo, ter um suprimento de energia inesgotável, possuir máquinas que são feitas de materiais indestrutíveis. Conseguimos imaginar isso muito facilmente por causa de Exterminador do Futuro e Matrix.

Ser Onisciente

Ter acesso a todas as informações do passado e presente (e a partir disto ser capaz de prever o futuro com algum grau de certeza), para todas as áreas que sejam relevantes para sua existência. Como vocês devem imaginar pela linha de raciocínio que temos até agora, as áreas relevantes são TODAS. Tudo é útil pra uma máquina que planeja dominar o mundo. Tanto o super-guia quanto o programa do genoma melhoram suas capacidades conforme eles têm acesso a uma quantidade mais diversa de informações naquele campo. O mesmo valeria para uma inteligência artificial de escopo geral.

Um modelo da realidade

A máquina precisa ser capaz de montar um modelo de como a realidade que ela quer afetar funciona. O que é um sólido? O que é chão? Como andar? Se uma borboleta bater as asas em uma ilha do pacífico, isso pode causar um furacão em Papua Nova Guiné? Entender o comportamento do universo em que estamos inseridos é fundamental para usar isso ao seu favor na sua busca pela dominação universal.

O “ampliar seu escopo de ações” tem outro nome. Onipotência. Estamos falando de uma entidade Onipotente, Onisciente e indestrutível. Parece familiar? É fácil entender por quê o conceito de um programa que não temos total entendimento de como funciona atingir um estado de existência quase divino nos amedronta e nos fascina. É por isso que quando o buzzfeed escreve um post sobre como os robôs vão dominar o mundo e nos manter em cativeiro, sobre como todos nós vamos perder o emprego e todas as atividades vão ser exercidas por robôs, há tantos compartilhamentos e curtidas. É um assunto que mexe muito fundo conosco. 

O que acaba passando batido é que se algum ser humano conseguir concretizar qualquer etapa dessas que estamos comentando, ele não vai precisar de uma inteligência artificial para ter um controle gigantesco sobre a população. Se, por exemplo, alguém escrever um programa que escreve programas (não precisa nem ser inteligência artificial ainda), essa pessoa vai ficar tão bilionária, vai ter tanto país implorando pra fazer uso dessa tecnologia, que ela já vai ter o mundo em suas mãos. Se alguém conseguir montar um modelo preciso e completo da realidade, ainda que a longo prazo, seria possível provar que o universo é deterministico, não há entropia e então prever todos os acontecimentos futuros. Pensa em quanta gente não daria a vida por esse tipo de poder. O mesmo vale pra alguém que inventar algo que simplesmente não pode ser destruído. Vamos ter overlords humanos antes de ter overlords robôs.

Consciência

Ainda que todos os requisitos sejam preenchidos e finalmente sejamos exterminados, é provável que a máquina não faça a menor idéia do que ela está fazendo. Ela só está fazendo um monte de associações com base nas informações que ela tem e fornecendo a resposta que ela julga mais adequada. Quando dizemos que uma máquina se tornaria auto-consciente, o problema é definir o que entendemos por consciente. Se ela aparenta entender os valores da realidade na qual ela está inserida, parece tomar decisões em cima disso e entender se as consequências de seus atos levam aos objetivos que ela quer atingir, ela parece consciente. Da mesma maneira que o fulano do Quarto Chinês parece falar mandarim fluentemente.

O interessante é pensar como encaramos a nossa própria definição de consciência no que diz respeito a essência vs. aparência. Pode-se argumentar que uma máquina jamais seria capaz de ser consciente pois ela estaria apenas emulando a percepção e entendimento de si mesmo e de seu ambiente através de uma série de efeitos que fazem ela te dizer isso, mas isso não seria o suficiente para provar, de fato, que ela é consciente. É uma discussão bem complexa.  Entretanto, nossa própria consciência é causa de uma série de efeitos químicos e biológicos que fazem com que nos percebamos conscientes. A gente não sabe definir direito o que constitui consciência, enquanto programar é exatamente o ato de descrever um comportamento em uma linguagem formal e sem espaços para ambiguidades de maneira boa o suficiente para que uma máquina consiga reproduzi-lo. Talvez entender como a nossa própria consciência é construída seja o primeiro passo para poder modelar um sistema que possa ter uma inteligência artificial geral.

Ah, mas Diogo, e se dentre as áreas de conhecimento que a máquina puder aprender estiverem Ética e Filosofia?

Aí entra o Teorema Fundamental de Diogo Ribeiro sobre Inteligência Artificial e Overlords Robôs:

Qualquer inteligência artificial que começar a tentar entender filosofia vai perder tanto tempo tentando desvendar os milhares de paradoxos e mistérios que ela inclui que nunca mais vai sair dela, se tornando – para todos os efeitos – inútil na perspectiva da dominação mundial.

Já pensou o teto que é uma máquina com um modelo completo da realidade batendo na idéia de que uma flecha nunca vai atingir o alvo pois ela primeiro tem que percorrer a metade do caminho até ele? E depois a metade do caminho até a metade? Ou tentando decifrar a real natureza da frase “esta frase é falsa“?

Previsões

A parte mais fácil de prever o futuro é escrever uma previsão. Qualquer idiota lança uma previsão. Os grandes oráculos já sabiam que se a gente tentar adivinhar algum fenômeno várias vezes, eventualmente ele vai acontecer. Afinal de contas estamos no quê? No quadragésimo apocalipse que Nostradamus previu? (Acabo de descobrir que é meu 41o já. Confere aqui). Daqui a pouco elegem Bolsonaro pra Presidente da República, aí rola. Escrever previsões é fácil. O ponto é que ninguém tem pista alguma de se e quando isso pode acontecer. No máximo existem estimativas em relação a quando teremos poder computacional suficiente para podermos realizar alguma dessas tarefas.

Mais recentemente, houve uma emergência de pessoas que se auto caracterizam “futuristas” ou praticantes de “futurismo” que se especializa exatamente em fazer projeções educadas de se e quando possíveis cenários de futuro como esse vão acontecer. Ray Kurzweil, da Google, sendo o mais proeminente. Na minha opinião:

  1. Futurismo é um movimento artístico
  2. O nome do que define o que a área se propõe a fazer é futurologia
  3. Analisar tendências e procurar entender – dado o cenário atual – para onde as coisas rumam e em que ritmo, é um papel assumido por qualquer pesquisador. Não acho interessante do ponto de vista da comunidade científica que tente se criar uma categoria de pessoas que pense nesse tipo de coisa em uma perspectiva geral, sem ser especialista dos campos que está tentando FUTURAR .
  4. O único modo 100% preciso de prever tendências de futuro é construir ele. Querer que o mundo se encaixe em uma expectativa sem de fato estar investido em tornar ela realidade não significa muito e não ajuda as pessoas que estão determinadas em construir algo novo e/ou melhor.
  5. Qualquer idiota faz previsões. Veja novamente a primeira linha do post.

Claro que há avanços muito significativos na área, e cada vez mais temos resultados interessantíssimos de inteligências artificiais fazendo tarefas incríveis. A parte de “todos nós vamos perder o emprego” não deixa de ser uma realidade relacionada à evolução da tecnologia (pra quem ainda não assistiu Humans need not apply, recomendo!), mas na perspectiva de sermos governados e tiranizados por um programa que saiu de controle, tem um volume imenso de trabalho pela frente pra chegarmos lá, se é que isso é possível mesmo. Se uma máquina pode ser auto-consciente ou não é um problema muito mais de definição filosófica do que é consciência do que de como ele será implementado, e reforço o ponto de que haverão tiranos humanos antes de haverem tiranos-máquina.

Só pela diversão, nós treinamos uma rede neural com todos os textos do Mean Look (inclusive este) e geramos uma postagem de 50 frases que você pode conferir aqui e ficar mais sossegado em relação à ameaça de ser subjugado por uma máquina.

Resumindo o post:

Obrigado e passar bem, bjos de Rotom-luz.