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Antes Tarde do que No Man’s Sky

ou “Vapourware e Adiamentos”

Não tem muito tempo me lembro de conversar com um grande amigo sobre como estávamos empolgados pro tão hypado No Man’s Sky. É, aquele tipo Minecraft, só que no espaço e uma bosta.

Desde o anúncio em 2014, onde o joguete da Hello Games protagonizou a primeira vez em que um jogo independente foi apresentado no palco numa E3, dividindo espaço com outros gigantes como Metal Gear Solid V, Grand Theft Auto V e Bloodborne, No Man’s Sky e seus 18 quintilhões de planetas vinham acumulando hype como um grande Katamari. Os bons ventos não pareciam ter fim, com cada novo vídeo dando novas amostras da escala colossal do jogo ao mesmo tempo que crescia o clima de mistério em volta de o que o jogo realmente era além de um grande sandbox.

“E aí, tá empolgado pro No Man’s Sky?” o Leo me perguntava. Minha resposta era sempre a mesma:

“Cara, tô hypado, mas conservador”, eu dizia, “Lembra de Spore?”. E vocês, lembram? Vamos chegar lá.

No começo do ano recebemos uma data de lançamento: 21 de Junho. Taquepariu, um sandbox com 18 quintilhões de planetas pra serem explorados, com trilha sonora composta pelo 65daysofstatic a menos de um ano de distância.

Em Maio, o jogo foi adiado para Agosto do mesmo ano.

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Vamos combinar que isso não é nenhuma surpresa. “Tudo bem” eu comentei com esse meu amigo, “Melhor que o jogo seja adiado do que ele lance cheio de bugs”.

E quando chegou Agosto, depois de outro pequeno adiamento de três dias, No Man’s Sky finalmente lançou. Eu mandei a notícia junto com uma mensagem pra ele, fazendo aquela pergunta que, no final das contas, é o que movimenta a indústria do hype: “E aí, vai comprar?”

“Tô sem grana,” ele me respondeu, “então vou esperar os reviews pra ver o que o pessoal tá falando”.

Aí os reviews chegaram…

O jogo tem realmente os 18 quintilhões de planetas, criaturas geradas proceduralmente (nem todas tão ridículas quanto a do vídeo acima) e alguns planetas bem simpáticos mas… ele mal é um jogo. Ou melhor, é um jogo ruim.

O conjunto do gameplay se resume a pousar em um planeta com a sua nave, coletar materiais pra fazer gasolina, levantar vôo e usar essa gasolina pra ir até o próximo planeta, um ciclo repetido ad infinitum. Com os materiais você também pode melhorar os seus equipamentos pra… bem… se tornar mais eficiente nos seus ciclos de pousa-coleta-decola-viaja e te ajudar a chegar no seu objetivo final, o centro da galáxia.

O que acontece quando você chega lá? O jogo te manda de volta pra um ponto aleatório do universo, equivalente em distância ao que você começou, em uma espécie de New Game+, onde você tem a oportunidade de, olha só, repetir todo o exercício masturbatório, só que dessa vez com os equipamentos e materiais que você tinha quando zerou o jogo.

Muito, muito, MUITO barulho pra nada. Ao que chegamos no assunto do post:

Eles deviam ter atrasado mais.

O Ciclo do Hype

Como todos sabemos, a indústria AAA hoje em dia se debruçam muito na geração e gerenciamento do famoso hype. O gerenciamento do hype consiste em capitalizar em cima da ansiedade do público pra lançar pequenas migalhas de anúncios que façam com que essa ansiedade nunca reduza abaixo de uma determinada faixa.

Além de acabar gerando um fenômeno que já discuti em outro post, em uma campanha ruim isso também cria um vórtice de circunstâncias indesejáveis para os desenvolvedores que se agrava proporcionalmente à pressão do público.

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Quanto mais o público pede informação, mais coisas são reveladas sobre o jogo. Isso significa que qualquer mecânica cortada ou alterada ao longo do desenvolvimento – algo muito comum e que gera produtos mais polidos e divertidos – significa uma decepção a mais para as expectativas criadas pelos anúncios constantes. Quanto mais o público tem pressa do lançamento, mais os diretores apressam os desenvolvedores e encurtam os cronogramas. Isso resulta em jogos piores.

Mas por que isso acontece?

Ambição e Decepção

Lembram do Spore que mencionei no começo do post?

Pra quem não conhece Spore, ele foi um Humble Bundle com cinco tech demos um jogo que a Maxis lançou em 2008, que consistia em conduzir uma espécie do estágio de indivíduo unicelular até a exploração espacial. O anúncio do jogo foi todo feito a respeito da sua escala, da infinitude de criaturas que a sua espécie poderia encontrar, todas criadas por outros jogadores, e de planetas gerados proceduralmente. Soa familiar?

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De várias maneiras, o projeto foi extremamente bem sucedido. O editor de criaturas era fantástico, tanto que foi reaproveitado pela Maxis no The Sims 4. As etapas do jogo, ainda que desconectadas e muito fáceis, eram divertidas (com exceção da etapa espacial; a etapa espacial era uma bosta). O jogo foi criticado pela superficialidade de gameplay, mas também recebeu muitas reviews positivas por ser divertido.

Para conseguir lançar um jogo que cumprisse todas as promessas que fez – e Spore cumpriu – o lançamento atrasou várias vezes.

Mas ele foi tido por muitas pessoas como uma grande decepção. A despeito de ser um jogo divertido, por causa do seu marketing Spore acabou ficando marcado na história muito mais pelo que ele deveria ter sido do que pelo que ele foi.

The Witcher 3: Atrasar é bom

Antigamente os jogos eram menores então era muito mais fácil passar o pente fino e consertar tudo antes do lançamento, mas com o crescimento da indústria e dos seus jogos essa tarefa fica cada vez mais difícil. Isso somado ao fato de que antes do advento dos updates, qualquer bug que conseguisse se esconder até chegar à versão final ia estar lá pra sempre.

Tendo dito isso, The Witcher 3 lançou com bugs. Mas nem de longe uma quantidade imperdoável. O jogo é gigantesco em escala, com muitas missões secundárias extremamente bem escritas e desenvolvidas e uma narrativa central maravilhosamente engajante. Isso desde o dia do seu lançamento.

Mas sabem o que aconteceu? Ele teve seu lançamento atrasado duas vezes.

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“Dammit, Moon Moon.”

Primeiro de Setembro-Novembro de 2014 pra Fevereiro de 2015, e em Dezembro os desenvolvedores adiaram novamente a data de lançamento de Abril para Maio do mesmo ano. Quase seis meses. Isso tudo foi feito com uma cartinha de explicação para os fãs e para os acionistas onde diziam:

Queridos jogadores – sabemos que muitos de vocês gostariam de ter jogado The Witcher 3 mais cedo, o mais cedo possível. Pedimos desculpas por fazê-los esperar mais do que vocês, ou nós, inicialmente assumimos que esperariam. Ao mesmo tempo, acreditamos que o jogo vai provar que valeu a espera e cumprir as expectativas que vocês tem de nós. Acreditamos que The Witcher 3: Wild Hunt será um jogo de RPG excepcional, um dos melhores, lhes dando muitas horas maravilhosas de diversão.

Meu pensamento imediato foi: “Adiem o quanto vocês precisarem. Eu confio no trampo de vocês e sei que vão me entregar uma parada maneira. Vocês tem muita coragem e muito obrigado pela compreensão.”

Puta que pariu, quanto respeito e profissionalismo. Os caras preferiram (e tiveram meios, é claro) atrasar o lançamento do jogo em meses pra entregar uma experiência completa, polida e com o menor número de bugs possíveis do que ceder à pressão das massas (e dos investidores, claro²) e entregar um produto incompleto ou quebrado. Isso é mais do que muitas empresas tem feito hoje em dia.

O Metajogo Marketing vs. Desenvolvimento

Abaixo podemos ver um gráfico científico mostrando como funcionam no tempo o desenvolvimento do Hype (curva rosa) e da Fodisse (curva roxa) do jogo.

hypeovertimeVamos analisar elas separadamente, ok? Primeiro a curva da Fodisse.

Os desenvolvedores, ao começarem a trabalhar, constroem primeiro as estruturas dos sistemas que o jogo terá. Isso inclui bancos de dados, física, gerenciamento de hardware, design de código e outras coisas. Essas features se chamam básicas (“basic”), porque elas são o mínimo que o jogo precisa pra funcionar. Elas geram pouquíssimos resultados tangíveis para os jogadores, uma vez que acontecem principalmente no projeto do jogo e no código, e por esse motivo durante um bom tempo o crescimento da curva é bem suave.

Com as features higiênicas completas, começa-se a desenvolver as coisas que vão fazer o jogo ser um bom jogo: as features agradáveis (“delighters”) e as features atrativas (“exciters”). Elas não são a mesma coisa, mas não vou me alongar muito sobre isso agora porque se não o post vai ficar imenso e vocês vão começar a reclamar – se quiser ler mais, é uma adaptação do Modelo de Kano. Essas features são tangíveis para o jogador – arte, gameplay, narrativa, level design – então a curva da Fodisse começa a subir com cada nova implementação. Eventualmente chegamos na parte dos rendimentos decrescentes, onde a curva volta a se deitar e o ideal é polir as features que o jogo já tem pra não incidir em complexity creep e fazer ela cair novamente.

A curva do Hype por sua vez tem um desenho chamado fogo-de-palha. Isso significa que a partir do anúncio do jogo, existe um pico de interesse que sobe e continua a subir enquanto o marketing do jogo continuar a mostrar novidades e, depois de um tempo, começa a descer – vocês podem ver isso acontecendo com a campanha do Pokémon Sun/Moon, que está sendo muito bacana apesar de já sabermos que no final vão lançar de novo o mesmo jogo. Ou seja, o momento ideal pra lançar um jogo é quando o hype está no topo da sua curva. É o momento onde o público estará mais disposto a fazer compras de impulso, que significam retorno sobre o investimento rápido e de grande impacto.

Isso significa que se uma campanha de marketing gera a expectativa de features que ainda estão distantes de serem implementadas pela equipe de desenvolvedores, a janela de lançamento do pico do hype não se alinha com um ponto do desenvolvimento onde a experiência do jogo já está completa.

Não é a toa que os famosos console sellers – jogos exclusivos (nem sempre) que ajudam a “justificar” a compra de um console – frequentemente lançam extremamente imaturos e cheios de bugs. Eles querem, sempre, aproveitar a crista da onda, mesmo que ela esteja em descompasso com o desenvolvimento do jogo e isso resulta em jogos com bugs ou, muito pior e o caso do No Man’s Sky, pobres de conteúdo e interação. Isso se agravou ainda mais com a possibilidade de lançar os infelizes day-one patches, que corrigem os bugs que ainda existem na mídia física.

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Tipo o famoso Assassin’s Cringe.

No Man’s Sky devia ter adiado mais

É isso. Atrasem, atrasem, atrasem mas não me vendam um xis-tudo e entreguem uma foto de um xis-tudo.

Não que isso fosse garantir que o jogo lançado não traísse as expectativas dos jogadores, mas ao menos eles poderiam programar uma ou outra maneira de interagir com o ambiente, abrir um multiplayer instanciado, dar coisas para o jogador fazer que não fosse andar, andar, andar e coletar materiais pra que você possa andar mais. Acho que todos concordamos que um walking simulator não devia custar 60 dólares.

“Exploração”, a palavra chave do marketing do jogo com 18 quintilhões de planetas, é muito mais do que ficar andando por paisagens geradas proceduralmente e dando uma risada triste quando encontro uma criatura que o algoritmo fez parecer um pênis com pernas.

Ou melhor, se o jogo é focado nesse tipo de exploração – contemplação de espaços bonitos, catalogação de especies e viagem espacial – pelo menos não coloque uma tarefa árdua e repetitiva que eu tenho que ficar realizando pra garantir a minha viagem.

Tarefas mecânicas e enfadonhas que devem ser repetidas infinitamente com o único propósito de perpetuar a sua possibilidade de continuar realizando a mesma tarefa tem um nome: trabalho. Isso mesmo. Não é diversão, não é jogo. É trabalho.

Tá vendo? Esse jogo devia ser um jogo com muitas features a mais, mas dá pra deixar ele melhor com features a menos. Se tivessem adiado e testado o jogo com mais jogadores, eles podiam ter percebido isso e feito um jogo melhor tirando coisas, que dá muito menos trabalho do que acrescentar.

Ou se nada disso fosse possível, pelo menos dado uma entrevista honesta.

Deixem o Hype Em Paz

Ou “Por Que Eu Evito Notícias de Games”.

O ano era 2000 e não muito tempo atrás a gente tinha acabado de passar por aquela virada de ano cheia de quimeras. O bug do milênio não se concretizou, nenhum meteoro caiu do céu e a única coisa que se acabava era a carreira do Los Hermanos com Anna Julia virando hit. Eu era uma criança de 10 anos, sobrevivente do meu primeiro fim do mundo e orgulhoso dono de um Nintendo 64, o primeiro console que tive que não era de uma geração já antiga.

Em alguma sexta-feira entre o fim de Outubro e o começo de Novembro, eu estava quebrando todas as regras de horário de sono saudáveis pra uma criança, cozinhando os princípios do que hoje é a minha insônia por ansiedade por mais um fim de semana.

Essa era a lei: toda sexta-feira eu ficava acordado até de madrugada esperando meu pai chegar de São Paulo pra vir me ver.

Mas aquela sexta-feira era especial. Não era só o meu pai que estava chegando. Ele tinha comprado um presente pra mim e eu sabia o que era. Em algum lugar dentro da mochila dele vinha uma caixa e dentro dessa caixa um cartucho. Meu pai estava trazendo The Legend of Zelda: Majora’s Mask.

Era o sucessor do jogo que foi o favorito de uma geração inteira. Era uma das minhas coisas favoritas muito antes de eu ganhá-la de um jeito que só uma criança consegue fazer. Era Zelda, porra!

Eu ouvi o barulho da fechadura Papaiz destrancando e corri pra receber o meu pai. Ele me abraçou. Abaixou e abriu a mochila ali mesmo e me deu a caixa que, além de todas as minhas expectativas, ainda trazia os dizeres: Collector’s Edition.

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Viemos pro quarto, instalamos o videogame na TV – na época meu quarto não tinha espaço pra deixar ele ligado direto -, e abrimos a caixa.

Lá dentro o cartucho mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Ele era dourado, ainda cheirava a plástico novo e o adesivo na frente era um holograma 3D que se mexia quando você virava a fita de um lado pro outro.

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Do lado, o Expansion Pak do N64, um periférico que você colocava num slot que tinha na frente do seu Nintendo 64 que adicionava 4 Megabytes de memória RAM ao console.

Se você que está lendo não viveu os anos 2000, talvez ache isso uma palhaçada, já que tem grandes chances de o seu celular ter 1 Gigabyte de memória RAM. Se é o caso, deixa eu explicar:

O Nintendo 64 tinha 4MB de RAM. Isso significa que o jogo era tão épico, tão absurdo, que o videogame que já era de última geração precisava ficar duas vezes mais potente pra poder rodar Majora’s Mask.

Coloquei a fita no console e liguei. Se bem me lembro já eram duas da manhã, e eu não podia jogar muito mais antes de ir dormir, mas não importava. Os próximos trinta minutos que mendiguei pra jogar um pouquinho antes de ir dormir estão estampados no fundo do meu crânio até hoje, cada nova cena do jogo fazia minha mente de criança surtar.

Eu ainda surto.

Essa é uma das lembranças mais vivas e queridas que eu tenho da minha infância.

Majora’s Mask é o meu jogo favorito. Sim, ainda é, mesmo depois de 16 anos, de três gerações de consoles. Derrota com folga qualquer jogo que eu tenha jogado no meu PS4, com dois processadores quad-core, uma GPU violenta processando sabe-se lá quantos zilhões de polígonos por segundo.

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É óbvio que a nostalgia me influencia. É claro que as circunstancias em cima do jogo influenciam a minha percepção dele. É claro que como game designer eu consigo encontrar falhas nele. Se você acha que qualquer uma dessas coisas faz com que minha opinião seja menos válida, em primeiro lugar, vai tomar no seu cu largo; em segundo lugar Fallout 4; e em terceiro, além de ser um babaca, estudos apontam que você está errado.

Mas eu contei essa história por um motivo.

Se passou muito tempo antes que eu tivesse uma experiência parecida com essa. Só esse ano, em 2015, eu tive a oportunidade de reviver a emoção e o calor infantil de abrir uma caixinha com a cabeça e o coração cheio de expectativas.

Vou explicar pra vocês…

O Hype nos Tempos de Discada

Era difícil ser nerd nos anos 2000.

Não é sem motivo, embora os motivos não justifiquem, que a comunidade gamer de forma geral ainda reverbera uma onda bem revanchista e machista. Esse abraço comunal na cultura pop e nerdices é fenômeno recente e, na época, ser geek significava que as pessoas jogavam coisas em você na escola – de bolinhas de papel à frutas podres -, que você era o último a ser escolhido nas brincadeiras e que você nunca, nunca ia ficar com a garota no final – exceto a feita de polígonos no final do jogo.

Além de todo o preconceito, éramos um nicho de mercado que estava só começando a ser explorado. Na época tudo era voltado para as crianças cool. Entrar em contato com coisas das quais gostávamos era uma tarefa que exigia alguma dedicação e dinheiro. Comprar revistas na banca, principalmente. Por esses e outros motivos, era muito difícil ter acesso a coisas de videogame. O processo de geração do hype para jogos novos era o seguinte:

  • As revistas de jogos anunciavam o que tinha sido divulgado na E3;
  • Fim do processo.

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O resto era especulação pura e boca-a-boca. Internet era novidade. Ainda não existia Youtube. Não tínhamos acesso aos trailers, fóruns, mil sites, informação infinita. Os canais de acesso aos consumidores de videogame eram muito mais limitados, ainda mais no Brasil.

E isso era muito legal.

Não digo isso como um velho saudosista, mas como uma pessoa que encontrou só agora, cerca de 10 anos depois, o caminho de volta pro júbilo infantil. Que conseguiu fazer as pazes com aquela criança.

O Trailer do Trailer, e Porque a Sony Venceu a E3

Me lembro que esse ano uma das notícias que correu pelo meu Feed do Facebook foi que alguma empresa tinha anunciado a data de lançamento do teaser do trailer do novo filme do Deadpool. Acompanhem comigo:

  • A data de lançamento;
  • Do teaser;
  • Do trailer;
  • Do novo Filme do Deadpool.

Eu acho incrível que a cultura pop hoje consiga mobilizar tanta gente, comover tanta gente e tocar até quem antes torcia o nariz pra coisa de nerd. Sério. Mas a maneira como isso está sendo usado pelas empresas e pela mídia, pra mim, passou dos limites.

Isso não acontece só no cinema. Isso acontece com tudo que é cultura pop. Quantas vezes nós que gostamos de jogos não ouvimos nos nossos círculos que o estúdio tal anunciou a data em que vai anunciar a data de lançamento do jogo X?

Ou quantas vezes não ouvimos infinitos rumores e entrevistas com os criadores dando pequenas informações sobre como onde a história vai se passar, qual é a do personagem principal, de forma que vamos acumulando tudo e pintando um quadro sobre o que o jogo vai ser muito antes de ele ser lançado?

Isso não gera expectativas. Isso dilui as expectativas. Sabemos cada vez mais o que esperar do que vamos consumir. Se isso é bom por um lado, nos ajudando a ajustar expectativas e evitar comprar produtos dos quais vamos nos arrepender depois, por outro lado quando você coloca o jogo no seu console, você já sabe exatamente o que esperar. Quando vai assistir a E3, já sabe o que esperar.

Aí quando uma empresa mantém a boca fechada, quando ela não vaza rumores e informações só para manter a chama acesa, acontece o painel da Sony na E3 de 2015. Sério, cliquem no link e assistam.

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Se mais nada, basta reação do cara da direita faz valer a pena.

Agora a Square/Enix já está caindo pelas veredas conhecidas, liberando pequenos trailers de gameplay e informações sobre o jogo aqui e acolá – uma estratégia que no caso específico de um remake de Final Fantasy 7 eu considero razoável, uma vez que existe uma fanbase furiosa a ser “consultada” antes de qualquer movimento drástico por parte dos criadores – mas no dia de lançamento desse trailer é visível a empolgação das pessoas.

Agora, imagina o que teria acontecido se tivéssemos rumores em vários lugares que o Remake de Final Fantasy 7 estava vindo? O impacto seria o mesmo?

É claro que não.

Viver de Olhos Fechados: Zelda Gaiden e Project Beast

Com Majora’s Mask o meu hype, minhas expectativas, vinham só de duas coisas: O anúncio do lançamento do jogo, e poucas imagens que eu tinha visto sobre o tal Zelda Gaiden.

Quando ganhei o jogo, eu tinha um mundo misterioso pra explorar. Tudo era novo, tudo era brilhante e tudo encontrava espaço no meu peito. Eu estava de braços abertos e olhos fechados. Eu não sabia absolutamente nada além do fato de que era um Zelda e que era novo. Termina se abria para mim com cada passo e cada descoberta era uma surpresa.

termina

Quando tive essa experiência novamente depois de muito tempo?

Bloodborne

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Uma das primeiras imagens do então Project Beast.

Começou, assim como o Zelda Gaiden, com os rumores do tal Project Beast. Como fã da série Souls, eu fiquei empolgado. Mas dessa vez eu tomei uma decisão: não ia procurar saber mais sobre os boatos. Ia esperar a FromSoftware decidir qual seria o momento certo de me contar o que quisesse.

Foi lançado o trailer e o título do jogo: Project Beast se tornou Bloodborne, e imediatamente eu senti as vibrações de Castlevania e Dark Souls, duas das minhas séries favoritas.

E ponto final. Me recusei a assistir qualquer coisa além do trailer. Zero trailers de gameplay, zero especulações sobre o tema, zero artes vazadas. Depois do trailer, eu só queria ver o jogo.

Foi uma das melhores decisões que tomei na vida.

Entrar no jogo cego, não saber o que esperar, era exatamente o frio na barriga que eu tinha quando ganhei Majora’s Mask. Coincidência, Yharnam também tinha um grande relógio no centro, e um sino tocava de tempos em tempos tal qual Clock Town em Termina. Quando comecei a jogar, cada cenário novo me puxava o tapete. Cada ponto na trama me parecia uma surpresa. Eu não fazia a menor ideia do que esperar além de lobisomens e quem já jogou sabe exatamente qual é a sensação de tentar encaixar no quebra-cabeças as peças que o jogo vai te dando.

Se tivesse ganhado o jogo do meu pai, acho que seria minha infância tudo de novo. Mas foi mais que suficiente.

 

Isso não é só culpa da mídia, é claro, mas é ingenuidade achar que não existe influência dela também. É algo cíclico. Só publicam porque as pessoas acessam, e as pessoas acessam porque é publicado.

Por isso tomei a minha decisão: Não assisto mais gameplay trailers, 15 minute gameplay reveal, &c. e evito – quando minha ansiedade deixa – jogar versões demo das coisas.

Existe um exercício de confiança que consiste em fechar os olhos, se deixar cair para trás e confiar que o seu parceiro de dinâmica vai te segurar. Durante a curta queda existe aquele segundo de suspensão, de dúvida: o que vai acontecer? E então a pessoa te segura. Quando falo em viver de olhos fechados, é isso que eu quero dizer. Entrar no mundo de um jogo sem saber sobre nada e confiar que a experiência construída vai te tirar o fôlego e te fazer feliz é uma experiência única.

É se permitir surpreender-se. Se entregar a uma experiência nova. Dar o salto de fé.

Eu sei. Controlar a ansiedade é muito difícil. Mas confiem em mim quando eu digo: uma vez que você pega o controle, faz valer cada segundo.

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Por isso que não tem “Rotom TV”.