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Os Floquinhos de Neve da Geração Y

ou “Não tem Nada de Errado com Você”

Aviso aos navegantes: esse texto contém quantidades elevadas de bílis. Se em algum momento você ficar com raiva do autor do texto, respire fundo, acalme-se e lembre-se de que você está errado.

Um dia você acordou cedo como o adulto responsável que você se tornou, tomou aquele café forte sabor “ambição profissional”, se vestiu pra transparecer como você é respeitoso e foi carpar o diem pra pagar tuas contas. Sentou no seu PC, ligou os programas que você usa pra trabalhar e abriu aquela aba marota do Facebook que você acessa no Ctrl + Tab.

Onze da manhã e um daqueles seus colegas que você nem lembra quem é – e que está no escritório dele, sem dúvidas – pula na sua timeline compartilhando uma matéria daquele site de artigos maneiro – que, apesar do nome e de estar cheio de pseudo-conhecimento, não tem nada a ver com espiritismo – escrito por um “colunista” que, como você, é um adulto sério e profissional. O título já te salta aos olhos:

“O Que Deu Errado com a Geração Y?”

Olha só, é a minha geração, você pensa, e clica. No topo o Medium já te diz: “8 minute read”. Oito minutinhos. Maravilha. Exatamente o tempo que o seu cérebro atarefado precisa pra soltar uns peidos.

#MILLENIALS

Millennial

Sério. Pelo menos uma vez por mês aparece outro texto de merda falando mal da geração Y. A geração Y é infantilizada, mimada, ela foge das responsabilidades, ela é egoísta, ingênua, acha que é especial, que vai mudar o mundo, idolatra os caras do vale do silício mas não quer trabalhar, trabalha demais, não quer ter filhos, não tem casa própria, gosta de filme de super-herói, desenho animado, videogame, compra boneco… a lista de críticas é infinita.

Se você acredita nisso, ou até se foi autor de algum texto desses, tenho uma má notícia pra você: Você é um otário.

Talvez tenham apelado pra sua insegurança, e você levou algum desses textos como uma lição de vida. Talvez tenham apelado pro seu ego e você agora se sente o diferentão da turminha do recreio, mais maduro que todos os seus confrades de berçário.

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Se não quiser ler o post do Mean Look porque acha a gente bobo e feio, eu recomendo que você dê só uma scrollada pra baixo nesse artigo da Wired, porque ele é a prova derradeira de que esse papinho é besteira da grande e já rola solto desde sabe-se lá quando. Tem até nome. Se chama juvenoia.

Mas o quadro piora porque na maioria das vezes esses textos são escritos por pessoas que fazem parte da geração Y. Por algum motivo que me escapa, essas pessoas acham que estão acima de sua própria geração.

O que é ser adulto afinal?

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Ser adulto é, segundo indicam os textos:

  • Trabalhar;
  • Ver futebol na TV;
  • Fazer sexo;
  • Beber;
  • Chorar sozinho no chuveiro enquanto tenta se recordar quando foi a última vez que se sentiu vivo.

Esse é um credo amplamente difundido e profundamente imbecil sobre o que é ser adulto. Ser adulto é ser cínico, amargo e chafurdar na tristeza enquanto se mantém vivo para ficar cada dia mais miserável negando qualquer coisa doce e colorida, tudo em função do status social da adultisse.

Ela não é novidade, já existe tem muito tempo e é sustentado por gente amarga e por algo que eu gosto de chamar de lógica do trote.

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A Lógica do Trote consiste em um ciclo que funciona da seguinte maneira:

  • A sociedade te constrange e oprime a seguir determinadas expectativas de quem ser. Algumas dessas coisas são razoáveis, a maioria não;
  • Você se contorce pra entrar nessa caixinha que é construto de todas as coisas que te dizem que você deve ser e fazer;
  • Você vive a sua vida, como todo mundo, a trancos e barrancos, com momentos de tristeza e alegria e, apesar de tudo que te fizeram engolir, fica bem;
  • A função do ego é proteger a si mesmo, portanto a sensação de superação, de ter triunfado na vida a despeito das expetativas da sociedade te torna orgulhoso;
  • O orgulho te cega para o constrangimento e fabrica a falsa impressão de que essas estruturas são naturais, razoáveis, corretas e que sem elas todos serão pessoas piores. Do contrário, você teria que lidar com o novo constrangimento de assumir que estava errado em ceder a estas pressões e ter levado a sua vida de maneira totalmente equivocada durante tanto tempo. Afinal só um idiota faria isso, diz o ego, e você não é um idiota;
  • E então você se torna ator do primeiro passo do ciclo, num misto de orgulho de sobrevivente e vingança mal direcionada, constrangendo outras pessoas a serem tão infelizes dentro da caixinha quanto você.

Essa lógica faz com que, ao invés de buscar uma ruptura no ciclo, as pessoas dominadas pelo ego perpetuem essa lógica tóxica. Igualzinho trotes pesados continuam em faculdades depois de tanto tempo com gente se sentindo mal durante eles.

Um dos milhares de textos sobre como a geração Y é problemática, para o qual eu não tenho o menor interesse em dar ibope e portanto não vou linkar, disse assim:

“Olhávamos para nossos pais e avós e pensávamos que eles eram escravos da própria família. (…) Mas, hoje, advinha só? Da sua idade ele já tinha casa própria e carro na garagem. E você? Figuras de ação do Mega-Man.”

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E do X, pode?

Como tantos outros, o autor do texto se esqueceu – ou convenientemente ignorou só pra que o argumento franzino tivesse uma muleta na qual se apoiar – que no tempo em que a Geração Y está vivendo a vida adulta é muito mais difícil atingir independência financeira, e que na época dos nossos pais, pasmem, era muito mais fácil comprar uma casa porque hoje está tudo tão absurdamente caro. E o pior é que essa nem é a parte importante.

Não existe absolutamente nada, além da pressão social feita por gente amarga, que impeça um adulto de ser uma pessoa responsável que paga as próprias contas ao mesmo tempo que ele é uma pessoa divertida que gosta de desenho animado, videogame e filme de super-herói. Igualmente, não existe absolutamente nada que obrigue uma pessoa adulta a ter filhos, um carro, um cachorro e, bem, fazer o que os outros acham que você tem que fazer.

Alias, uma das partes mais importantes de ser adulto é tomar responsabilidade pela sua vida e arcar com as consequências das suas escolhas. Sabe quem deixa os outros dizerem o que fazer e precisa que as pessoas fiquem ensinando como proceder? Crianças.

Nós somos jovens

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A Geração Y só é adulta fazem 5 a 10 anos. Ela ainda é jovem. O processo de amadurecimento e compreensão das novas responsabilidades não é algo que acontece do dia pra noite. É óbvio que vamos cometer erros – uns mais do que outros – antes de nos acostumarmos com a ideia do que é ser adulto.

Hoje o mundo não é mais o mesmo. Não dá pra se medir pela mesma régua que nossos pais se mediram.

Se você, deparado com o mercado do jeito que ele está, pensou que valia mais a pena tentar empreender algo, pior ainda. Você vai cometer mais erros ainda e tomar muita porrada porque além da natureza de ineditismo que costuma circundar qualquer projeto empreendedor, a chance é mínima que seus pais ou alguma pessoa próxima tenha feito o mesmo. Ou seja, não tem ninguém pra ensinar como se faz.

Nós do Mean Look somos:

  • Um cara que trabalhou na HP desde que saiu da faculdade e eventualmente subiu a escada corporativa até virar líder de equipe;
  • Um cara que empreendeu fundando uma empresa de jogos eletrônicos registrada nos EUA e trabalhou nela enquanto fazia freelance e queimava as economias pra pagar as contas.

Um foi pelo que seria considerado o “caminho tradicional” do emprego fixo e estabilidade, e o outro se virou com o que tinha na época durante um bom tempo. Quem está certo? Quem hoje tem uma vida plena e financeiramente estável? Dica: nenhum dos dois.

Time is a Flat Circle

O mundo no qual os nossos pais viveram era radicalmente diferente do nosso. Na época deles a vida era algo que, te ensinavam, acontecia sobre trilhos: ir pra faculdade, pegar um diploma (escolha um: medicina, engenharia ou direito; comunicação se você quiser “esperar marido” nesse mundo machista de merda), se casar, fazer uns cachorros, comprar um filho e ensinar ele a repetir o ciclo. Mas a despeito dessa diferença, eles não amadureceram do dia pra noite como se fosse mágica.

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BRUXARIA

Nossos pais também tiveram que passar pelo seu próprio ciclo de amadurecimento no qual descobriram o que significava ser adulto para eles. Eles enfrentaram outros desafios, quebraram outros paradigmas e sucumbiram a outras pressões da sociedade. Eles sabem tanto quanto você o que você deveria fazer com a sua vida.

Eles podem te dar conselhos, falar como foi quando eles passaram pela vida, como eram as coisas na época deles, mas eles nunca vão poder te dar uma resposta certa. Eles viveram suas próprias infâncias, adolescências e anos de jovem adulto e eram tão inseguros e complicados quanto nós somos.

Também tiveram que lidar com gente espertinha que falava que a geração deles era imatura, egoísta e mimada. Também tiveram que lidar com seus colegas de geração falando o mesmo e se sentindo especiais. Só  não tiveram a internet pra qualquer babaca escrever um post cheio de chorume e sair compartilhando.

Então o que é que tem de errado com a geração Y?

Resposta: Nada. Não se preocupe. 

A vida adulta, como tudo na sociedade, é uma divisa arbitrária inventada em outra época e todo ser humano no planeta se sente fora do lugar porque é a coisa mais normal do mundo.

Por isso é inevitável que gente mal intencionada, arrogante, prepotente, iludida, preconceituosa, marketeira ou qualquer combinação destes adjetivos escreva textos falando o que tem de errado com os outros. Isso apela para as nossas inseguranças e sentimento de culpa e faz com que nós demos ouvidos a qualquer pessoa que pareça saber o que fazer; ao mesmo tempo que apela para a arrogância e sentimento de superioridade do ego de alguns que concordam com o que está sendo dito nestes textos. Cliques e validação de ego para o autor; prescrições e vaidade para os leitores.

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Uma vez, conversando com um amigo e mentor que respeito muito, eu ouvi a melhor definição do que é ser adulto, e carrego ela no meu coração.

Ser adulto é fazer as coisas que faziam por você quando criança.

Ponto final. Se sustentar e assumir seus erros. Se enquanto isso você vai assistir desenhos, jogar videogames, colecionar bonecos, tomar sorvete e ler O Pequeno Príncipe mil vezes, não é da conta dos outros. Se eles fazem questão de romper com tudo que lhes dá prazer e adotar uma cartilha do que consideram coisa de um adulto respeitável, eu recomendo que você faça uso irrestrito e sem parcimonia da terceira ferramenta que só a vida adulta te proporciona (as duas primeiras sendo experiência e álcool): o foda-se.

Talvez o último sintoma do medo da responsabilidade seja esse: deixar que os outros te digam o que fazer. Daí caímos na cartilha da adultisse.

Gente amarga é assim mesmo, se incomoda com a felicidade alheia. Você não é obrigado a ceder a essa pressão. Você não está errado por ter ido na estréia dos Vingadores, você não e menos responsável por ter comprado um boneco do Mega-Man ou mil. Nunca se esqueça que ser adulto também significa que você é responsável pela busca da sua própria identidade e felicidade.

Diga-se de passagem, o melhor remédio contra gente amarga é ser feliz, então por favor, dica dos Mean Lookinhos:

Desde que você pague as suas contas, assuma suas atitudes e esteja sempre se vigiando pra ser um bom amigo (coisa que a gente aprende no jardim, mas parece se esquecer bem rápido) e não prejudique ninguém, seja feliz.

Seja obscenamente feliz. Viva cercado de mimos sem se esquecer de mimar as pessoas de quem você gosta. Leve uma vida tão doce que dá dor no dente de quem olha. De dias ruins, já bastam os que a vida nos dá de graça.

Se você discorda e ainda acha que existe alguma cartilha que todo mundo tem que seguir pra ser respeitável, temos uma perguntinha adulta pra você responder:

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E a roupa, lavou?