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Você Precisa de Motivacional

Com a ignição da pira pra queimar o mais novo Judas das terras tupiniquins, Bel Pesce (Deus a tenha), decidimos, como o de costume, nadar contra a corrente não falar nada sobre o assunto. Deixem a porra da garota em paz – ou então não deixem, mas pelo menos tenham a decência de tirar do LinkedIn de vocês todos aqueles interesses em filantropia para os quais vocês cagam baldes. É, tá todo mundo vendo essa zoeira aí, safadão.

Mas vamos falar de um assunto afim: auto-ajuda profissional, e porque você devia parar de achar que é o malandrão da bala Chita só porque sua experiência de trabalho te endureceu.

Não é pra Você

“Que palestra de merda”, me lembro de um dos meus colegas de profissão exclamar quando, há alguns anos atrás, saíamos da palestra de um executivo da Blizzard em um certo evento de jogos eletrônicos. Dava pra ver que aquilo era importante pra ele.

O executivo tinha passado por um breve panorama de práticas de mercado da empresa, seus valores, enfim, uma apresentação corporativa bem simples, antes de entrar no assunto principal: como fazemos jogos na Blizzard. Passou por alguns pontos dos quais não me recordo bem, e terminou a palestra dissecando brevemente o impacto na empresa do famoso chavão:

Nosso segredo é paixão.

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Nada de novo no front, e ainda assim isso deixou meu colega bem chateado.

Não me levem a mal, eu entendo em parte o motivo da chateação dele. Em primeiro lugar, era um evento para desenvolvedores. A maioria do público já tinha saído da inércia da falta de estímulo. Já eramos apaixonados, já estávamos fazendo jogos. A palestra do cara, talvez, foi pra platéia errada, no ambiente errado. Se quisermos ir muito longe na bílis podemos até forçar a barra e dizer que passo falta de interesse por parte da empresa. “Putz, temos um evento pra comparecer, manda o Zé lá com um PPT genérico só pra marcar presença”.

Em segundo lugar, essa frase do “o segredo é paixão” é usada a torto e a direito pra ferrar com gente boba. É usado por um monte de empresário babaca pra justificar baixos salários e péssimas condições de trabalho porque, afinal, “trabalhar com jogos é o emprego dos sonhos de muita gente, você devia estar agradecido”.

Por outro lado, fiquei me perguntando: o que ele estava esperando? Os mapas da mina? O segredo da Blizzard? E mais: que bom conselho nunca foi utilizado por gente mau intencionada? 

Auto-Ajuda Tóxica

Se você é como eu, só ouvir a palavra entrepreneur já te dá urticária. Por favor, aguentem um pouco mais. Pra chegar onde quero, vou precisar contar a história de outra palestra…

Quando fundei a Kimeric Labs, logo no primeiro ano, fomos a um simpósio que aconteceu em São Paulo, na Universidade Mackenzie. Uma das atividades era uma mesa-redonda sobre o mercado de jogos, falando bastante sobre editais, investidores anjo e basicamente quais os caminhos que você deve tomar para tornar a sua pequena equipe ou empresa atraente pra quem tem dinheiro pra investir. Sentados no palco estavam representantes da indústria de jogos – pessoas que já tinham empresa há algum tempo -, do governo – o coordenador de algum órgão de fomento cultural – e um entrepreneur experiente, com grana, interessado em investir na indústria.

Durante a apresentação, me levantei pra fazer uma pergunta que, francamente, não era importante. O que importa é que o camarada, o tal entrepreneur, respondeu com uma pergunta:

Quantas horas você dorme por dia?

Quatro anos atrás, ao responder a essa pergunta, eu já era uma pessoa ansiosa e cheia de dificuldades pra dormir – alias, desde os 14 anos. Caso vocês não estejam cientes, o número de horas saudável a se dormir por dia pra uma pessoa adulta é de oito horas por dia. Sentindo aquele cheirinho de pergunta com resposta certa, timidamente eu respondi “Entre quatro e seis horas” e me preparei pra bordoada. Ela veio.

Ora, então você está dormindo demais. Tá trabalhando pouco.

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Qualquer pessoa com menos bílis na garganta talvez tivesse aceitado essa resposta como um mandamento de um cara mais experiente, mas como eu sou um obstinado maluco a resposta – que não falei em voz alta, é claro – instantânea que me veio à cabeça foi: PAU NO SEU CU.

Pensando depois eu cheguei à conclusão que esse é exatamente o circo no qual o mundo de entrepreneurs se transformou. É óbvio que o investidor médio está pouco se fodendo para as pessoas que vão tocar o negócio. Pra ele, você é só uma mula de carga que vai fazer o dinheiro que ele investiu render. Se você entrar em depressão, tiver câncer no ânus e virar um viciado em cocaína para lidar com a vida enquanto faz o valor do seu negócio ir de zero a 5 milhões, esse cara não dá uma foda.

Em suas versões mais mau caráter, o discurso desse cara vai ter como único objetivo convencer você de que, não importa o quanto você estiver fodendo todos os outros aspectos da sua vida, você não é digno de ser bem sucedido em seu empreendimento porque você é um gordo vagabundo que não quer nada com a vida. Ele só quer te constranger a foder a sua vida pra multiplicar os números, pra que ele colha dividendos melhores. Ele sempre vai buscar o cara que dorme menos, que tem menos apreço pela sua família, amigos e parceiros. Ele vai escolher o capacho.

Não é surpresa que logo antes dessa minha pergunta, esse mesmo imbecil contou a história de como a mulher tinha pedido divórcio porque não aguentava mais, os amigos tinham parado de chamar ele pra sair e ele tinha virado quatro noites por semana pra poder ficar rico e investir nos outros, e como todo mundo devia fazer o mesmo. E ter paixão, claro. Não pode faltar a porra da paixão.

Aí, quando você for milionário com a sua ideia, você pode… comprar novos amigos, família e parceir@? É né, de repente não parece mais tão interessante.

Motivacional Sim

Daí você me pergunta: e aí? Mas então paixão é uma grande mentira?

Ele está de costas pra você não ver as lágrimas.

Falando com vocês da minha experiência com a Kimeric Labs, como um empreendedor jovem, que cometeu muitos erros e que não foi bem sucedido:

Você vai ter que estudar pra caralho as coisas que você quer fazer. Você vai ter que fazer coisas que você não está afim de fazer porque não vai ter ninguém que faça por você. Você vai ter que ralar que nem um animal.

Você vai ouvir muitos ‘não’s. Fracassar muito. Você vai cometer muitos, muitos erros, pequenos e grandes. Fazer muita merda mesmo.

Você vai se associar a gente que vai fazer muita merda também. Você vai ter que lidar, inevitavelmente, com gente que só tá interessada em ganhar dinheiro às suas custas e tá cagando pro seu bem estar e subsistência como profissional e equipe. Talvez você caia no papinho torto do camarada da segunda palestra e se estupore.

Vão aparecer inovões querendo te explorar, adultões cínicos querendo te desestimular, gente mau caráter, gente mesquinha. Você se expor como uma pessoa tentando fazer uma coisa nova atrai uma multidão de gente que quer te ver cair só pra se sentir bem com o próprio fracasso.

Por último, mesmo que dê tudo certo, mesmo que a sua trajetória seja uma grande sequência de acertos e sucessos, colocar no mundo uma coisa que não existia antes dá trabalho pra caralho. Você vai ficar ansioso, inseguro, ter dores de cabeça, gastrite, perder noites de sono e a cada pequeno sucesso você vai ser acometido por uma “síndrome de impostor” imensa. Empreender te faz amadurecer em vários aspectos, e amadurecer é um processo extremamente traumático.

Daí quando você estiver no fundo do poço, inseguro, cheio de dores de cabeça, gastrite, indo pro psicólogo (ou precisando urgentemente ir); quando você tiver perdido a fé na humanidade, a confiança nas suas habilidades; quando você não tiver mais forças pra continuar; quando tiver acabado o dinheiro; quando você, desse lugar, olhar pra trás pro seu fracasso monumental e tiver certeza que todo esse trabalho não passou de um esforço fútil em busca de um sonho febril, aí, meu amigo…

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A coisa que vai fazer você juntar os pedacinhos, olhar pro futuro e pensar “Desistir é o caralho”, vai ser a sua paixão.

Pra lidar com essa quantidade de merda no percurso, se foder pra caralho e fazer tanto sacrifício, camarada, se você não é apaixonado, ou você é masoquista ou você é otário.

Que isso envolva você ter que parar por quanto tempo for pra organizar as suas finanças e as suas emoções, juntar uma grana pra poder ter a possibilidade de tentar de novo – daqui a dez, vinte anos, não interessa – a coisa que vai te motivar a continuar tentando não importa quantas vezes você tenha dado com a cara no muro, vai ser a sua paixão.

Não deixe a Paixão Morrer

Lembram do cara da segunda palestra? O cara que achava que eu dormia demais?

Dois anos depois esbarrei com esse cara num shopping do Rio de Janeiro. Ele estava uns dez quilos mais magro, com o rosto emaciado e a pele pálida, sozinho, tomando um café no Starbucks e mexendo no celular. Ao invés de pensar “Olha só o cara da paixão aí, todo fodido e infeliz na vida” , eu fiquei com pena, e essa cena marcou minha cabeça.

O cara tecnicamente tinha alcançado a porra do sonho dele, não era? Ele podia ser um mal caráter psicopata imbecil que advogava um estilo de vida que faz com que as pessoas morram aos 35 por pressão alta ou suicídio, mas o que tinha acontecido com ele?

Então, um ano atrás, quando eu me afastei da Kimeric Labs, a empresa que eu fundei e onde investi pra mais de quatro anos da minha vida porque simplesmente não aguentava mais ter que lidar com o que estava lidando, eu tive esse momento de pausa na minha vida. O fruto do trabalho dos meus últimos quatro anos tinha me decepcionado de maneiras que eu nunca achei que fosse me decepcionar, outros aspectos da minha vida estavam se explodindo todos ao mesmo tempo e, surpresa, a vida te coloca nas situações nas quais você menos espera, boas e ruins.

Ficou a frase de uma música que eu adoro na cabeça: The flame is gone, the fire remains.

Então eu tive a oportunidade de refletir a respeito, primeiro das minhas decisões – que constatei que não tinham sido assim tão ruins -, mas principalmente do meu estado. Tinham meses que eu não saia pra tomar uma cerveja na rua com os meus amigos – com quem eu não cortei relações igual o camarada da mesa-redonda, mas ainda assim não via tinha algum tempo -, eu tinha emagrecido cinco quilos, estava nervoso e irritadiço e dormindo, todo dia, menos de 3 horas, enfim: eu estava deprimido. Pior do que isso, minha paixão por desenvolver jogos estava morrendo. Eu provavelmente não estava muito diferente do cara da mesa-redonda.

Mas eu parei enquanto ainda era tempo. Eu tive a sorte de ter percebido, antes da última centelha apagar, que manter a sua paixão acesa depende de você cuidar de você mesmo, porque subsistir é parte imprescindível de existir e nada, nada mesmo, vale o impacto de você simplesmente abrir mão da sua saúde física e mental.

Então o que caralho tem de errado com discurso motivacional? Qualquer lembrete ou ajuda que te dê aquela centelha que você precisa pra voltar a acender a chama é bem vinda. Não precisa ter vergonha.

Citando uma pessoa que eu admiro muito (e espero que não me cobre os direitos autorais, caso venha a ler isso): “Se cuidem. Muito. Sempre.”

Às vezes a única coisa que você pode fazer pra perseguir a sua paixão é não deixar que a chama dela se apague.

shiaend