Stadia e o Futuro do Pretérito

Há boatos de que a Sony não vai apresentar conferência na E3 porque eles não tem hardware novo (o PS5) pra mostrar, enquanto a Microsoft tem. Faz sentido. Como eles não querem sair perdendo, eles nem se apresentam. Por outro lado, tem outra empresa que vai pra E3 exatamente porque ela não tem um console novo pra mostrar: A Google.

A Google recentemente anunciou o Stadia, um serviço de cloud gaming que rapidamente já virou assunto em rodinha de bar e pre-made de LoL. Mas o que caralhos é cloud gaming?

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Esse não.

Você provavelmente já quis muito jogar um lançamento, mas pra isso ia ter que comprar um console da geração atual ou, em especial, dar aquele upgrade no seu computador. Jogos são um hobby caro, e isso não é segredo pra ninguém.

O cloud gaming é um conceito que surge como resposta pra esse problema. Ao invés de você dar um upgrade no seu computador ou comprar um console novo pra executar o jogo na sua casa, você aluga o computador do seu amigo rico que roda o jogo pra você e te transmite um vídeo em tempo real do que tá acontecendo na tela. No caso do Stadia, o seu amigo rico é a Google.

Tipo assim, o fluxo normal pra você interagir com o jogo e ele aparecer no seu monitor é esse:

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Caso esse jogo rode na núvem através do cloud gaming, ele vai funcionar assim:stadia_graph02

Isso significa que o seu hardware pessoal não importa mais. Você pode jogar de uma torradeira – desde que ela tenha internet, um monitor 4K e esteja ligada em uma tomada nos EUA, Canada ou Europa – que o jogo vai funcionar.

“Nossa que solução nova, criativa, inovadora e original! Jamais pensaria em nada parecido.”

Não, isso é mais velho do que andar pra frente.

O que é o hoje senão o amanhã de ontem?

Quando consoles eram artigos de luxo que custavam um rim e meio mas as pessoas queriam jogar elas alugavam o computador de outra pessoa. Chama fliperama ou arcade. “Ah, mas aí o cara tinha que ir até o fliperama, não é a mesma coisa”. Verdade. Cloud gaming é um conceito novo e totalmente diferente do fliperama porque você não precisa sair de casa pra poder jogar. Ele não é o sucessor do fliperama.

Cloud gaming é o tataraneto do Hugo Game.

“Não tem chororô. O seu tempo acabou.”

Se você acha que hoje videogame é caro, nas décadas de 80 e 90 eles eram mais caros ainda. Daí as emissoras tiveram a brilhante ideia de fazer o que hoje a gente conhece como game shows interativos. Você não precisava de nenhum tipo de hardware especial em casa além de um telefone. Você ligava a TV na hora do programa, ligava pro número que aparecia na tela e – caso você desse a sorte de ser o primeiro a ser atendido, porque era pior que pedir na Domino’s em dia de promoção – você era selecionado pra jogar o jogo que, pasmem, era controlado discando números no seu telefone. Se quiser ter uma ideia melhor, tá aqui um vídeo do programa. 

Com videogames ficando cada vez mais sofisticados e hardware ficando cada vez mais caro, a solução do cloud gaming se torna cada vez mais tentadora – ainda mais quando a gente considera que a indústria gravita pra modelos de serviços ao invés de produtos. O Hugo Gaming pode não ter sido o primeiro e ele certamente não foi o último. No percurso do cloud gaming atual não está só o Hugo, mas também o OnLive e o GeForce NOW – que evoluiu a partir do NVidia SHIELD, que precisava de hardware especializado.

Junta o preço cada vez mais caro desse hobby com picuinhas de “ain, esse jogo só tem na Epic Store” e “ui, Bloodborne é exclusivo de PS4” e a crescente necessidade de você ter um PC foda, um PS4, um Switch, um 3DS, um iPhone e um bom plano de previdência privada, e quanto mais você pensa, mais um serviço desses faz sentido. Ninguém quer ter que gerenciar e fazer upgrade em trinta aparelhos que você usa no máximo três horinhas por dia.

Cloud gaming virar uma realidade é absolutamente inevitável. O Stadia certamente vai dar certo. Só talvez não esse Stadia.

O Computador do seu Amigo Rico

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Tem vários desafios a serem superados pra isso funcionar redondo, o mais evidente sendo latência e atraso. Pensa que o pacote de dados “Apertei Soco Fraco” ao invés de viajar até a sua GPU, ela gerar uma imagem e essa imagem chegar no seu monitor agora tem que viajar pela internet até um dos mainframes do Stadia – que está recebendo outros mil socos fracos -, que vai processar a mesma imagem e mandar ela de volta pela internet até o seu computador e então chegar ao seu monitor. O caminho é dobrado.

Isso faz com que jogos que exigem resposta em tempo real, tipo jogos de luta, só vão se beneficiar desse serviço quando a internet do mundo for infinitamente rápida, mas jogos de estratégia e RPGs em geral funcionam perfeitamente.

O servidor e o mainframe com potência pra lidar com essa quantidade de dados também tem que ser muito parrudo. Ele não só é difícil de programar e caro de se manter, como depende da rede mundial de computadores ter porte pra segurar esse fluxo de informação todo. Pra referência, o Netflix é responsável por em média 15% de todo o tráfego de dados na internet e ele só tá enviando e recebendo vídeo. Se o Stadia for um sucesso, é bem possível que falte fibra ótica.

Pra mitigar esses problemas, é claro que a Google obviamente escolheu oferecer o Stadia apenas em países que tem internet banda-larga com velocidades absurdas. Problema resolvido, certo? Não. Pelo contrário. São regiões onde as pessoas tem poder aquisitivo maior, e que provavelmente não precisam desse serviço porque eles já tem PC fodão e consoles. Pra que pagar um serviço que me permite jogar as coisas que eu já tenho?

Mas é claro que a resposta pra necessidade de internet infinita, um mainframe infinito e manutenção infinita é dinheiro infinito. E, convenhamos, se existe uma empresa que tem dinheiro e conhecimento no mundo hoje para fazer isso acontecer, essa empresa é a Google.

Botando o Uni em Universo

Apesar do nosso ceticismo comum com esse tipo de GRANDE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA QUE VAI MUDAR O MUNDO DOS JOGOS, existe uma coisa em especial que está deixando a gente empolgado pra caralho com a possibilidade do Stadia dar certo, e ela tem a ver com um componente muito específico de como o cloud gaming funciona.

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Do jeito que MMOs são feitos hoje, cada jogador tem uma “cópia” do mundo que é atualizada de pouco em pouco tempo rodando no próprio PC. Aí tem um servidor muito frenético tentando garantir que a cópia que cada jogador tem do mundo no seu computador seja relativamente parecida com o mundo que o servidor vê. Isso faz com que espaços virtuais complexos – como simulações físicas, por exemplo – sejam totalmente inviáveis de se compartilhar entre muitos jogadores. Até agora.

Porque agora só tem um computador processando o espaço virtual. Um computador PARA TODOS DOMINAR.

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Sem a necessidade de se preocupar com sincronia entre um número de espaços virtuais igual ao número de jogadores naquele espaço, a complexidade do que acontece nesse espaço só depende da potência do Um Computador.

O fato de que jogos massivos online usando o sistema do Stadia podem conter complexidade de sistemas tão mais alta sem precisar se preocupar com sincronia entre os N jogadores, já que a simulação daquele espaço virtual acontece em um só computador, permite que os jogos tenham sistemas N vezes mais complexos. Isso permite coisas desde simulação física em tempo real, todos os jogadores simultaneamente em um mesmo servidor/mundo/shard/instância, gráficos com qualidade similar ao AAA, e até que gêneros de jogo totalmente novos sejam criados.

Se você tá se perguntando se isso funcionaria mesmo, conforme esperado da Google, ela já fez o dever de casa e anunciou todas essas funções.

Embora a gente não saiba se o Stadia vai ser o futuro dos jogos tão cedo, a gente pode afirmar com algum grau de certeza que ele vai ser o futuro dos MMOGs a partir do momento que eles começarem a chegar na plataforma. E se tem algo que a gente é bom é em prever o futuro.