Deixem o Hype Em Paz

Ou “Por Que Eu Evito Notícias de Games”.

O ano era 2000 e não muito tempo atrás a gente tinha acabado de passar por aquela virada de ano cheia de quimeras. O bug do milênio não se concretizou, nenhum meteoro caiu do céu e a única coisa que se acabava era a carreira do Los Hermanos com Anna Julia virando hit. Eu era uma criança de 10 anos, sobrevivente do meu primeiro fim do mundo e orgulhoso dono de um Nintendo 64, o primeiro console que tive que não era de uma geração já antiga.

Em alguma sexta-feira entre o fim de Outubro e o começo de Novembro, eu estava quebrando todas as regras de horário de sono saudáveis pra uma criança, cozinhando os princípios do que hoje é a minha insônia por ansiedade por mais um fim de semana.

Essa era a lei: toda sexta-feira eu ficava acordado até de madrugada esperando meu pai chegar de São Paulo pra vir me ver.

Mas aquela sexta-feira era especial. Não era só o meu pai que estava chegando. Ele tinha comprado um presente pra mim e eu sabia o que era. Em algum lugar dentro da mochila dele vinha uma caixa e dentro dessa caixa um cartucho. Meu pai estava trazendo The Legend of Zelda: Majora’s Mask.

Era o sucessor do jogo que foi o favorito de uma geração inteira. Era uma das minhas coisas favoritas muito antes de eu ganhá-la de um jeito que só uma criança consegue fazer. Era Zelda, porra!

Eu ouvi o barulho da fechadura Papaiz destrancando e corri pra receber o meu pai. Ele me abraçou. Abaixou e abriu a mochila ali mesmo e me deu a caixa que, além de todas as minhas expectativas, ainda trazia os dizeres: Collector’s Edition.

majorasfront

Viemos pro quarto, instalamos o videogame na TV – na época meu quarto não tinha espaço pra deixar ele ligado direto -, e abrimos a caixa.

Lá dentro o cartucho mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Ele era dourado, ainda cheirava a plástico novo e o adesivo na frente era um holograma 3D que se mexia quando você virava a fita de um lado pro outro.

majoracartridge

Do lado, o Expansion Pak do N64, um periférico que você colocava num slot que tinha na frente do seu Nintendo 64 que adicionava 4 Megabytes de memória RAM ao console.

Se você que está lendo não viveu os anos 2000, talvez ache isso uma palhaçada, já que tem grandes chances de o seu celular ter 1 Gigabyte de memória RAM. Se é o caso, deixa eu explicar:

O Nintendo 64 tinha 4MB de RAM. Isso significa que o jogo era tão épico, tão absurdo, que o videogame que já era de última geração precisava ficar duas vezes mais potente pra poder rodar Majora’s Mask.

Coloquei a fita no console e liguei. Se bem me lembro já eram duas da manhã, e eu não podia jogar muito mais antes de ir dormir, mas não importava. Os próximos trinta minutos que mendiguei pra jogar um pouquinho antes de ir dormir estão estampados no fundo do meu crânio até hoje, cada nova cena do jogo fazia minha mente de criança surtar.

Eu ainda surto.

Essa é uma das lembranças mais vivas e queridas que eu tenho da minha infância.

Majora’s Mask é o meu jogo favorito. Sim, ainda é, mesmo depois de 16 anos, de três gerações de consoles. Derrota com folga qualquer jogo que eu tenha jogado no meu PS4, com dois processadores quad-core, uma GPU violenta processando sabe-se lá quantos zilhões de polígonos por segundo.

terriblefate

É óbvio que a nostalgia me influencia. É claro que as circunstancias em cima do jogo influenciam a minha percepção dele. É claro que como game designer eu consigo encontrar falhas nele. Se você acha que qualquer uma dessas coisas faz com que minha opinião seja menos válida, em primeiro lugar, vai tomar no seu cu largo; em segundo lugar Fallout 4; e em terceiro, além de ser um babaca, estudos apontam que você está errado.

Mas eu contei essa história por um motivo.

Se passou muito tempo antes que eu tivesse uma experiência parecida com essa. Só esse ano, em 2015, eu tive a oportunidade de reviver a emoção e o calor infantil de abrir uma caixinha com a cabeça e o coração cheio de expectativas.

Vou explicar pra vocês…

O Hype nos Tempos de Discada

Era difícil ser nerd nos anos 2000.

Não é sem motivo, embora os motivos não justifiquem, que a comunidade gamer de forma geral ainda reverbera uma onda bem revanchista e machista. Esse abraço comunal na cultura pop e nerdices é fenômeno recente e, na época, ser geek significava que as pessoas jogavam coisas em você na escola – de bolinhas de papel à frutas podres -, que você era o último a ser escolhido nas brincadeiras e que você nunca, nunca ia ficar com a garota no final – exceto a feita de polígonos no final do jogo.

Além de todo o preconceito, éramos um nicho de mercado que estava só começando a ser explorado. Na época tudo era voltado para as crianças cool. Entrar em contato com coisas das quais gostávamos era uma tarefa que exigia alguma dedicação e dinheiro. Comprar revistas na banca, principalmente. Por esses e outros motivos, era muito difícil ter acesso a coisas de videogame. O processo de geração do hype para jogos novos era o seguinte:

  • As revistas de jogos anunciavam o que tinha sido divulgado na E3;
  • Fim do processo.

zeldagaiden

O resto era especulação pura e boca-a-boca. Internet era novidade. Ainda não existia Youtube. Não tínhamos acesso aos trailers, fóruns, mil sites, informação infinita. Os canais de acesso aos consumidores de videogame eram muito mais limitados, ainda mais no Brasil.

E isso era muito legal.

Não digo isso como um velho saudosista, mas como uma pessoa que encontrou só agora, cerca de 10 anos depois, o caminho de volta pro júbilo infantil. Que conseguiu fazer as pazes com aquela criança.

O Trailer do Trailer, e Porque a Sony Venceu a E3

Me lembro que esse ano uma das notícias que correu pelo meu Feed do Facebook foi que alguma empresa tinha anunciado a data de lançamento do teaser do trailer do novo filme do Deadpool. Acompanhem comigo:

  • A data de lançamento;
  • Do teaser;
  • Do trailer;
  • Do novo Filme do Deadpool.

Eu acho incrível que a cultura pop hoje consiga mobilizar tanta gente, comover tanta gente e tocar até quem antes torcia o nariz pra coisa de nerd. Sério. Mas a maneira como isso está sendo usado pelas empresas e pela mídia, pra mim, passou dos limites.

Isso não acontece só no cinema. Isso acontece com tudo que é cultura pop. Quantas vezes nós que gostamos de jogos não ouvimos nos nossos círculos que o estúdio tal anunciou a data em que vai anunciar a data de lançamento do jogo X?

Ou quantas vezes não ouvimos infinitos rumores e entrevistas com os criadores dando pequenas informações sobre como onde a história vai se passar, qual é a do personagem principal, de forma que vamos acumulando tudo e pintando um quadro sobre o que o jogo vai ser muito antes de ele ser lançado?

Isso não gera expectativas. Isso dilui as expectativas. Sabemos cada vez mais o que esperar do que vamos consumir. Se isso é bom por um lado, nos ajudando a ajustar expectativas e evitar comprar produtos dos quais vamos nos arrepender depois, por outro lado quando você coloca o jogo no seu console, você já sabe exatamente o que esperar. Quando vai assistir a E3, já sabe o que esperar.

Aí quando uma empresa mantém a boca fechada, quando ela não vaza rumores e informações só para manter a chama acesa, acontece o painel da Sony na E3 de 2015. Sério, cliquem no link e assistam.

youmaniacs
Se mais nada, basta reação do cara da direita faz valer a pena.

Agora a Square/Enix já está caindo pelas veredas conhecidas, liberando pequenos trailers de gameplay e informações sobre o jogo aqui e acolá – uma estratégia que no caso específico de um remake de Final Fantasy 7 eu considero razoável, uma vez que existe uma fanbase furiosa a ser “consultada” antes de qualquer movimento drástico por parte dos criadores – mas no dia de lançamento desse trailer é visível a empolgação das pessoas.

Agora, imagina o que teria acontecido se tivéssemos rumores em vários lugares que o Remake de Final Fantasy 7 estava vindo? O impacto seria o mesmo?

É claro que não.

Viver de Olhos Fechados: Zelda Gaiden e Project Beast

Com Majora’s Mask o meu hype, minhas expectativas, vinham só de duas coisas: O anúncio do lançamento do jogo, e poucas imagens que eu tinha visto sobre o tal Zelda Gaiden.

Quando ganhei o jogo, eu tinha um mundo misterioso pra explorar. Tudo era novo, tudo era brilhante e tudo encontrava espaço no meu peito. Eu estava de braços abertos e olhos fechados. Eu não sabia absolutamente nada além do fato de que era um Zelda e que era novo. Termina se abria para mim com cada passo e cada descoberta era uma surpresa.

termina

Quando tive essa experiência novamente depois de muito tempo?

Bloodborne

project beast
Uma das primeiras imagens do então Project Beast.

Começou, assim como o Zelda Gaiden, com os rumores do tal Project Beast. Como fã da série Souls, eu fiquei empolgado. Mas dessa vez eu tomei uma decisão: não ia procurar saber mais sobre os boatos. Ia esperar a FromSoftware decidir qual seria o momento certo de me contar o que quisesse.

Foi lançado o trailer e o título do jogo: Project Beast se tornou Bloodborne, e imediatamente eu senti as vibrações de Castlevania e Dark Souls, duas das minhas séries favoritas.

E ponto final. Me recusei a assistir qualquer coisa além do trailer. Zero trailers de gameplay, zero especulações sobre o tema, zero artes vazadas. Depois do trailer, eu só queria ver o jogo.

Foi uma das melhores decisões que tomei na vida.

Entrar no jogo cego, não saber o que esperar, era exatamente o frio na barriga que eu tinha quando ganhei Majora’s Mask. Coincidência, Yharnam também tinha um grande relógio no centro, e um sino tocava de tempos em tempos tal qual Clock Town em Termina. Quando comecei a jogar, cada cenário novo me puxava o tapete. Cada ponto na trama me parecia uma surpresa. Eu não fazia a menor ideia do que esperar além de lobisomens e quem já jogou sabe exatamente qual é a sensação de tentar encaixar no quebra-cabeças as peças que o jogo vai te dando.

Se tivesse ganhado o jogo do meu pai, acho que seria minha infância tudo de novo. Mas foi mais que suficiente.

 

Isso não é só culpa da mídia, é claro, mas é ingenuidade achar que não existe influência dela também. É algo cíclico. Só publicam porque as pessoas acessam, e as pessoas acessam porque é publicado.

Por isso tomei a minha decisão: Não assisto mais gameplay trailers, 15 minute gameplay reveal, &c. e evito – quando minha ansiedade deixa – jogar versões demo das coisas.

Existe um exercício de confiança que consiste em fechar os olhos, se deixar cair para trás e confiar que o seu parceiro de dinâmica vai te segurar. Durante a curta queda existe aquele segundo de suspensão, de dúvida: o que vai acontecer? E então a pessoa te segura. Quando falo em viver de olhos fechados, é isso que eu quero dizer. Entrar no mundo de um jogo sem saber sobre nada e confiar que a experiência construída vai te tirar o fôlego e te fazer feliz é uma experiência única.

É se permitir surpreender-se. Se entregar a uma experiência nova. Dar o salto de fé.

Eu sei. Controlar a ansiedade é muito difícil. Mas confiem em mim quando eu digo: uma vez que você pega o controle, faz valer cada segundo.

rotom
Por isso que não tem “Rotom TV”.

Vai ser tóxico assim no inferno

Se eu tivesse que adivinhar qual a proporção de pessoas que já foram tóxicas em um jogo online eu diria 99.999…%. Não porque toda a comunidade de jogadores é sempre tóxica, mas porque todo mundo tem um mau dia:

Nome do Jogador Partida 1 Partida 2 Partida 3 Partida 4 Partida 5 Partida 6 Partida 7 Partida 8 Partida 9 Partida 10
Alice   TÓXICO                
Bob               TÓXICO    
Carlos TÓXICO TÓXICO                
Daniel         TÓXICO          
Eduardo     TÓXICO           TÓXICO  
                     
Percepção que temos da partida TÓXICO TÓXICO TÓXICO   TÓXICO     TÓXICO TÓXICO  

Todo mundo eventualmente passa por um mau momento: perdeu várias vezes, brigou com chefe/amigos/família/cônjuge, e acabou descarregando a bad no chat do jogo. O problema é que quando a comunidade de jogadores cresce significativamente e os times passam a ser integrados por 10, 16 ou até 32 jogadores, a chance de um deles estar de mau humor é muito alta. Lembrando como probabilidades interagem: em um grupo de 23 pessoas, há 50% de chance de 2 delas fazerem aniversário no mesmo dia.

Ao decorrer de várias partidas de League of Legends que o time do Mean Look jogou, formamos uma crença que é reforçada a cada partida. Conforme ela foi sendo confirmada, surgiu A Teoria Fundamental da Solo Queue:

Em um jogo onde o time tem 5 jogadores, se você montar um time de 4 amigos e deixar o 5º espaço ser preenchido por alguém aleatório, a chance dessa pessoa aleatória ser tóxica é uns 50%. Se você montar um time de 5 amigos, a chance de alguém ser tóxico ainda é uns 50%.

Não é que tenhamos amigos que são bostões e tóxicos. Temos amigos que tem um emprego, que dividem o quarto com irmãos, que estão com uma infiltração no teto do banheiro porque o filho da puta do vizinho não faz nada a respeito já tem um mês. Tomara que ele morra, aquele infeliz. Opa. A idéia toda é de que ninguém está livre disso. E isso é OK, não acho que esse tipo de ofensa seja punível com banimento dos jogos onlines (até porque teríamos jogos bem pouco populosos em alguns casos).

O ponto é: se ser tóxico é algo que acontece com determinada frequência com todo mundo, existem várias nuances de toxicidade que um jogador pode exercer, e podemos determinar limiares dentro disso para determinar o que acontece com essas pessoas.

toxxplayers

A zona intermediária não é passível nem de louvor nem de banimento, mas não significa que nada possa ser feito nesse nível. Minha proposta é olharmos para um mecanismo comum a vários jogos online que pode ser usado para identificar qual círculo do purgatório aquela pessoa deve ser enviada.

Matchmaking

Em geral, jogos online que incentivam a competitividade como CS:GO, League of Legends, Rocket League, etc, têm um processo no qual tentam montar uma partida com jogadores que tem um nível parecido de habilidade. A idéia é que um desnível muito grande entre as habilidades dos jogadores que estão se enfrentando ia deixar o jogo pouco divertido para um dos lados, ou então completamente não-determinístico.

  Oponente muito experiente Oponente iniciante
Jogador muito experiente Partida interessante, cheia de viradas, surpresas e jogadas boas de fazer e assistir. Jogador ganha de goleada.
Jogador iniciante Jogador toma uma surra. TODO MUNDO APERTA TUDO QUE É BOTÃO, ACIDENTALMENTE ACERTA UM SHIN HADOUKEN E FICA RINDO POR HORAS SEM FAZER IDÉIA DE COMO FEZ.

Como isso funciona? Esses jogos em geral tem alguma adaptação de um sistema de rating como o Elo, utilizado para quantificar a habilidade relativa de jogadores de xadrez. Esses sistemas atribuem um número a cada jogador, que indica o nível de habilidade deles, e conforme eles vão jogando, esse número vai sendo calibrado para representar o nível daquele jogador de maneira cada vez mais fiel. Uma vez em posse desse número, o que o sistema de matchmaking faz é procurar grupos de pessoas que melhor atendam um critério. Esse processo é chamado de aproximação do mínimo de uma função, onde se está buscando ter um conjunto de jogadores que tenha, por exemplo, a menor diferença entre suas pontuações*. O conjunto de jogadores escolhidos não precisa ser o melhor possível, ele pode ser o melhor o suficiente para que o tempo de espera para encontrar a melhor partida hipotética não se torne insuportável.

* = Outros critérios podem ser adotados também, mas essa é uma simplificação do processo. Para quem tem interesse nos detalhes dessa ciência sórdida, tem muito, muito, muito, muito, muito material teórico sobre como essa divisão é feita, e algum material mais especializado sobre matchmaking para sistemas onde latência de rede (lag) é uma variável a ser considerada, modelos que questionam habilidade como uma variável, etc.

niveldehabilidade

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade

A parte importante aqui é que o sistema tenta obter um conjunto com a menor diferença entre a pontuação dos jogadores. Já existe um pedaço do sistema que tenta encontrar esse conjunto usando uma função que determina a diferença de score entre os jogadores. Recorrendo à matemática do segundo grau, a distância entre dois pontos em um espaço linear que descreve o Elo (ou score de habilidade dos jogadores):

d(A, B) = |EloA – EloB|

OK, estamos calculando distâncias entre os scores em uma reta. E se adicionássemos mais um eixo nesse espaço? E se adicionássemos toxicidade como um dos critérios do matchmaking? Suponhamos que além do seu ranking de habilidade, os jogadores possuíssem um número que determina o quão frequentemente eles praticam comportamento tóxico. Poderíamos modificar a função que determina a diferença de scores para calcular efetivamente a distância entre dois planos em um plano onde X representa o nível de habilidade do jogador e Y seu grau de toxicidade. A distância em um espaço bidimensional é barbada: pitágoras.

a² = b² + c²

(d(A, B))² = (EloA – EloB)² + (ToxA – ToxB

d(A, B) = sqrt((EloA – EloB) + (ToxA – ToxB))

Isso poderia alterar a melhor combinação para um determinado jogador:

eloxtox

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade e toxicidade

Podemos até acrescentar pesos diferentes para os critérios de Toxicidade e Habilidade como desejarmos. O importante é que isso poderia ser introduzido como parte do sistema já vigente, sem grandes modificações. Claro que estou generalizando e teorizando sobre sistemas aos quais não temos acesso, e isso dependeria do jogo onde isso seria aplicado mas, em linhas gerais, um modelo assim seria compatível com o caso genérico de matchmaking.

Isso faria com que quanto mais tóxico um jogador é, maior a chance dele ser colocado em uma partida com outros jogadores tóxicos. É uma tática de stealth banning já utilizada por sites como Hacker News, Reddit e Craigslist. O Matchmaking passa a criar experiências mais e mais agradáveis para pessoas que se preocupam em dar a experiencia mais agradável ao seus parceiros de equipe e adversários. Ser gente-fina passa a ser um comportamento desejável, passível de recompensa. Enquanto isso torna o jogo mais divertido para a metade menos tóxica dos jogadores, isso pode gerar um comportamento impassível de recuperação para a metade mais tóxica. Essas pessoas deixam de entrar no jogo ao invés de corrigirem suas atitudes.  Como arrumar?

Nielsen, teu povo te ama

Às vezes temos a sensação de que efetuamos nosso papel brilhantemente, mas o resto da equipe atrapalhou, causando a perda de uma partida. Mesmo quando os outros jogadores também estavam tentando cooperar tanto quanto nós. É um tipo de viés cognitivo. Para que fique clara a tendência de comportamento que o indivíduo tem no jogo, o ideal seria informar o jogador do feedback que ele vem recebendo no decorrer das suas partidas. Pode ser totalmente anônimo, e com um intervalo de alguns dias entre o feedback ser emitido e mostrado. Até para evitar que haja qualquer tipo de retaliação por uma crítica (que diga-se de passagem seria algo mega-tóxico).

Imagina que interessante, se os dados de denúncias e honrarias que você recebe de outros jogadores fossem condensados em um dashboard onde você mesmo pudesse descobrir coisas sobre seu estilo de jogo:

  • Toda vez que eu jogo em um papel de suporte, eu sou mais tóxico do que minha média.
  • Eu sou tóxico em jogos onde eu estou indo bem e meu time não.
  • 30% das vezes que eu fui tóxico, alguém estava me xingando no chat e eu fiquei respondendo.

Isso dá ferramentas para o próprio jogador enxergar como os outros o tem percebido (removendo o viés cognitivo) e para ele mesmo descobrir maneiras de como melhorar sua atitude. Não remove a necessidade de uma punição em casos pesados, mas deixa tudo mais claro. A própria Riot, empresa que desenvolve League of Legends, comenta sobre como dar transparência sobre os motivos pelos quais uma pessoa recebeu uma punição baixou muito os índices de reincidência de atitudes tóxicas. Confere aqui.

dashboard

O próprio Match History de League of Legends já melhorou muito, mas poderia trazer dados mais relacionados entre si.

Outra coisa a considerar é fazer com que o score de toxicidade do jogador caia suavemente conforme ele não recebe nenhuma denúncia. Isso também deixaria uma chance para que as pessoas não ficassem PRESAS na área bem da direita daquele gráfico lá em cima.

Tenho certeza que não é tão simples

Claro que esse tipo de sugestão envolve um trabalho de pesquisa que eu sequer tenho condições de analisar se é plausível ou não. Procurando material para esse post descobri que tem muitas empresas com bastante esforço sendo feito em cima disso. Existem peculiaridades de como essa implementação seria feita para jogos que permitem partidas com times pre-feitos, por exemplo, e também é muito difícil isolar as variáveis do que consideramos comportamento tóxico de maneira que essa triagem possa ser feita de forma automatizada. As mesmas dificuldades são apontadas para calcular o ranking de habilidade de um jogador em jogos de times. E são discutidas em papers da Microsoft, e também nesse outro paper maneiríssimo do nosso colega Nicholas Passy.

Uma coisa que ajuda muito para que esse tipo de coisa possa ser estudada/sugerida pela comunidade são jogos que expõem uma API para desenvolvedores. A Valve (DOTA2, CS:GO,  TF2, etc.) e a Riot Games (League of Legends) possuem esses serviços, mas não permitem acesso a informação de denúncias de toxicidade sobre um jogador, talvez por uma questão de privacidade. Se esses dados não fossem associados a uma conta, mas a um identificador único que fosse conhecido apenas pelo dono da conta, isso seria bastante factível e daria informações suficientes para que desenvolvedores pudessem gerar bons insights a partir delas. Com uma comunidade de fãs tão grandes, a máxima “if you build it they will come” se aplica muito forte aqui. Têm milhares de desenvolvedores que já têm idéias de como cruzar esses dados de maneiras interessantes, basta fornecer maneiras para que isso aconteça.

Por hora, não esqueçam que todo mundo tem um mau dia de vez em quando 😉

rotom_chill

CHIIIIIILL DOWN, CARAS

RPG é só o de Mesa

Estudar game design é uma parada muito louca.

É com essa frase na cabeça que eu quero que vocês se aproximem do meu texto solo inaugural aqui no Mean Look.

Problemas de game design são wicked problems. Não existe uma única resposta certa, embora existam muitas respostas ruins. Os desenvolvedores tem uma história pra contar, uma experiência que querem que os jogadores vivam ou uma emoção que quer que eles sintam, e isso envolve expressão e subjetividade – arte. Por outro lado, alienar os jogadores na desculpa de que é uma peça de expressão é péssimo para os negócios – e preguiçoso, na minha opinião.

Isso faz com que várias coisas pareçam contraintuitivas, com pequenos detalhes que parecem irrisórios pra nossa cultura racionalista façam toda a diferença do mundo. Vou escrever sobre tudo isso em outros posts, mas hoje tenho um desses wicked problems pra vocês:

Jogos de RPG costumam ser lembrados por terem narrativas fortes, mas será que eles são a melhor alternativa pra se contar histórias?

O texto é extenso, mas fiz tudo dentro do meu alcance pra fazer com que ele valha a pena pra vocês.

Ah, e uma novidade aqui no blog. Se vocês verem esse símbolo em algum lugar, você pode passar o mouse sobre ele pra ver definições, observações do autor do post e outras coisas interessantes.

Histórias em Jogos

Jogos com narrativas de peso – ou que pretendem ser de peso – são padrão na indústria hoje, mas isso nem sempre foi assim. Seja por limitações de hardware ou pelo fato de a mídia ser nova, os primeiros jogos não contavam histórias. Quando contavam, ela era só um pano de fundo pro sistema do jogo; às vezes escrita no manual, sem nenhuma relevância real.

E não tem nada de errado com isso. Vários jogos de videogame fantásticos não tem absolutamente nenhuma história.

Com o tempo as histórias foram ficando mais complexas e o desenvolvimento natural apontou para adaptar os RPGs, um jogo famoso por desenvolver histórias profundas, para os videogames.

RPG de Mesa

rpgrealtablePara os que não conhecem, e para os que querem relembrar: RPG é um jogo onde os jogadores assumem o papel de personagens em um universo ficcional. Um dos jogadores assume o papel do Mestre ou Narrador (sistemas diferentes às vezes adotam nomes diferentes, mas esses são os mais comuns) e é responsável por comandar o universo ficcional, seus habitantes (non-player characters, ou personagens não-jogador) e seus eventos. Os eventos do jogo são determinados por um corpo de regras, o sistema, que costumam envolver fichas de personagem, rolagem de dados e muitas, muitas tabelas que você provavelmente nunca vai usar.

Podemos resumir como uma brincadeira de faz de conta mediada por um sistema de regras.

A parte que – discutivelmente – atrai a maioria dos jogadores, é o faz de conta, onde os jogadores e o mestre colaboram para poderem viver o desenrolar de uma história fantástica. Isso foi academicamente denominado um fenômeno de “narrativa compartilhada”. Mas isso trata da parte narratológica. E quanto ao sistema?

A Teoria GNS aponta que jogadores de RPG se aproximam do jogo de maneiras que são uma combinação de três tipos de comportamento: jogabilista (Gamist), narrativista (Narrativist) ou simulacionista (Simulationist). gns

  • O comportamento jogabilista é a preocupação com o aspeto de jogo do RPG, se preocupando em obter exito em situações de jogo. A supervalorização do comportamento jogabilista pode incorrer em metajogo.
  • O comportamento narrativista é a preocupação com o aspecto estória do RPG, com a criação de personagens interessantes, situações de drama envolventes e experiências ímpares. Contar boas histórias. 
  • O comportamento simulacionista, o mais confuso entre estudiosos, se apresenta através da preocupação dos jogadores e do mestre com a coerência interna do universo de jogo, e como as regras refletem os aspectos desse universo.

A dinâmica entre os jogadores de uma mesa, o mestre e o sistema escolhido pode encorajar ou inibir determinados comportamentos.

D&D
(Gráfico com designações totalmente arbitrárias.)

Extrapolando a Teoria GNS, podemos dizer que o sistema escolhido para o jogo pode inibir ou incentivar cada um desses tipos de comportamento; que ele pode ser mais apropriado para uma das três aproximações. Que cada Sistema tem uma inclinação e se posiciona em algum ponto no espectro GNS.O notório Dungeons & Dragons é considerado um sistema de inclinação jogabilista. Já o Storytelling System, utilizado nas publicações da editora White Wolf e agora herdado por sua sucessora Onyx Path, tem pretensões narrativistas. O sistema GURPS é considerado um sistema simulacionista. 

Ter consciência dessa influência nos dá a oportunidade de observar padrões comportamentais que emergem nos jogadores – tanto como indivíduos quanto como um grupo -, identificar quais desses comportamentos estão sendo incentivados pelo sistema adotado e, por fim, observar se não é hora de adaptar o sistema ou a maneira que o jogo é conduzido.

Esse tipo de observação do comportamento do jogador é um dos objetos de estudo do game design, e a teoria GNS citada anteriormente não passa de um modelo específico aceito no microcosmo dos designers de RPG. Existem teorias específicas para jogos eletrônicos, mas não vou falar delas agora.

Por essa intimidade com a narrativa, quando os desenvolvedores de jogos viram a oportunidade de usar os jogos como uma mídia narrativa e contar histórias, era apenas um passo lógico que tentassem adaptar a experiência do RPG de mesa para os jogos digitais. E quando isso aconteceu, o oriente e o ocidente tiveram coisas beeem diferentes a dizer sobre isso.

Embora o contraste no qual estou baseando esse post já não seja tão gritante há bastante tempo devido à globalização da indústria dos jogos eletrônicos, é interessante observar como a teoria GNS de certa forma foi refletida no mundo dos jogos eletrônicos. E como, de fato, até hoje RPG mesmo é só o de mesa.

WRPG e Narrativismo

fallout4
(Fallout 4, 2015)

Os WRPGs são associados com narrativas ramificadas e jogos de mundo aberto. Isso valoriza a criação de uma trajetória dramática para o personagem, colocando decisões críticas da narrativa embutida nas mãos do jogador e apresentando-lhe as consequências dessas ações. Pela natureza do desenvolvimento de jogos e da tecnologia, essas ramificações não são infinitas, e devem ser previstas e desenvolvidas uma a uma pela equipe de desenvolvimento de forma a criar uma ilusão de escolha. A quantidade de ramificações impacta no custo de desenvolvimento, quando não na qualidade e profundidade de cada arco da história e missões além da principal.

Além das decisões narrativas, o game design emprega sistemas complexos de customização de personagem, permitindo que o jogador tenha poder não só sobre suas decisões dramáticas, mas também que ele determine as habilidades e especialidades que seu personagem tem e deixa de ter. As opções do jogador durante momentos de narrativa emergente são submetidas a esse sistema, com certas opções desaparecendo – por exemplo, um jogador que coloca todos os seus pontos em habilidades físicas pode não tem acesso às magias do jogo. Isso garante que diferentes jogadores tenham experiências de jogo ainda mais diferenciadas, e que um mesmo jogador que escolha jogar novamente com uma build diferente tenha uma experiência distinta da primeira. Isso costuma impactar com mais peso nas possibilidades da narrativa emergente. Em alguns jogos, para garantir verossimilhança, esses sistemas operam em confluência, com a build do personagem limitando/influenciando nas alternativas disponíveis nos nodos narrativos onde o jogador deve fazer escolhas.

planescape
(Planescape: Torment, 1999)

Tudo isso é uma tentativa de emular através de sistemas computacionais a dinâmica interpessoal de um RPG de mesa, onde as possibilidades narrativas são limitadas apenas pela imaginação dos jogadores e a manutenção do contrato social. Essas decisões tem um impacto profundo na maneira como outros aspectos do jogo eletrônico devem ser projetados. Os mais notórios são os impactos no level design e no balanceamento do jogo, que precisam prever todas as variações de playstyle que forem possíveis dentro do sistema programado. E aí os desenvolvedores tem que tomar uma série de escolhas muito difíceis. E para explicá-las, tenho que entrar um pouco na teoria de game design.

Uma teoria amplamente aceita no universo do game design diz respeito a um estado de consciência denominado flow.

flow foi amplamente estudado, teorizado e descrito pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Ele é definido como um estado mental onde uma pessoa desempenhando uma tarefa está totalmente imersa em uma sensação de “foco energizado, envolvimento total e gozo”. Sabe quando você começa a fazer algo que gosta – nadar, desenhar, fazer contas – e fica tão envolvido com a tarefa que parece se alienar completamente do mundo à sua volta? Isso é o estado de flow.

A manutenção do estado de flow se deve a duas coisas: aumento gradual nos desafios apresentados pela tarefa, seguido pelo aumento da habilidade até um nível necessário para superar esses desafios, e a repetição desse ciclo diversas vezes. Isso gera o que é chamado o “canal de flow“.flowUm dos objetivos do bom game design, portanto, é fazer com que o jogador entre em estado de flow enquanto joga, para que ele se sinta o mais próximo possível dos eventos fictícios que se desenrolam na telinha.

O objetivo do WRPG é dar ao jogador a liberdade de construir sua própria narrativa e seu próprio personagem. Isso implica que todas as situações do jogo devem ser superáveis por todos os tipos de personagem. Mas se um personagem mago, um guerreiro e um diplomata devem ter, em teoria, chances iguais de superar todos os desafios e chegar ao final do jogo, sem um trabalho intensivo e extensivo de balanceamento o jogo pode acabar sendo fácil demais. Jogos fáceis, como vimos acima, fazem com que o jogador saia da zona de flow e caia na área de tédio. Quando todas as opções parecem certas, a percepção que o jogador tem da importância das suas escolhas diminui.

Isso costuma ser solucionado com um balanceamento cuidadoso, fazendo com que todos os desafios sejam, sim, superáveis, mas com algumas builds sendo mais apropriadas para determinados desafios. É óbvio que num jogo de mundo aberto com diversas missões a serem cumpridas, isso nem sempre é feito.

Por outro lado, fazer um jogo onde diferentes builds tem dificuldade ou facilidade muito claras em determinados momentos do jogo – ou até onde determinadas builds são impedidas de explorar certas possibilidades do jogo – tem dois impactos. O primeiro, ainda de acordo com a teoria do flow é que se os desafios parecerem impossíveis, o jogador vai sair do canal de flow e ficar ansioso.

O segundo impacto é que esse tipo de balanceamento pode resultar na emergência de caminhos ótimos através dos nodos narrativos e direcionar os jogadores a darem demasiada importância ao sistema do jogo enquanto buscam builds ótimas através de minmaxing, distanciando-os da narrativa e incentivando comportamento jogabilista. No momento em que vencer o jogo torna-se mais importante que experienciar o jogo, há quebra de imersão, a suspensão da incredulidade é fragilizada e a narrativa torna-se irrelevante. Jogos com muitos números e sistemas muito complexos e customizáveis também podem resultar nisso.

diablo3
Sim, tem uma barrinha na lateral da tab de atributos e sub-atributos. E isso em um jogo com 14 níveis de dificuldade que não deixa você distribuir pontos. (Diablo 3, 2013)

Além disso, histórias muito ramificadas são um pesadelo para jogadores complecionistas deixando-os ansiosos por terem opções demais, e os obrigando jogar o jogo diversas vezes para que ele veja tudo que há pra ser visto. Isso pode ter uma série de efeitos indesejáveis, fazendo com que ele largue o jogo totalmente por se sentir frustrado, ou com que ele fique consultando uma wiki compulsivamente com medo de tomar alguma ação irreversível que faça com que ele perca alguma coisa importante. Sair do jogo para fazer uma consulta quebra a imersão do jogo.

Isso tudo pivota o jogo na direção do jogabilismo, e fere as tentativas de dar ao jogador liberdade narrativa.

JRPG e Narrativismo (também!)

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(Final Fantasy XV, TBA~2016, imagem promocional)

Enquanto WRPGs buscam criar uma experiência imersiva através do empoderamento das escolhas do jogador, JRPGs se preocupam com algo totalmente diferente.

JRPGs buscam encantar os jogadores com histórias fantásticas criadas com esmero, personagens fortes e engajantes e uma fantástica experiência estética. Se apoiando nas melhores tecnologias de processamento gráfico de cada geração e no talento de equipes formadas pelos melhores artistas da indústria, eles fazem uso do espetáculo visual, sonoro e narrativo para contar uma história única e imersiva.

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(Final Fantasy VI, 1994)

Com exceção de alguns poucos jogos que possuem narrativas ramificadas, e mesmo assim nem de longe dando tanta liberdade aos jogadores quanto os exemplos de WRPG supracitados, eles contam uma única história. Uma vez que abrem mão de múltiplas ramificações, JRPGs tem a liberdade de serem mais cuidadosos com cada um dos eventos da narrativa, com a personalidade de seus personagens, com os arcos dramáticos dos mesmos e com toda a experiência visual e sonora que o jogo proporciona.

Eles não tentam superar sua linearidade. Ao invés de se debruçarem na pluralidade de possibilidades dos RPGs de mesa, eles tentam se aproximar do mesmo objetivo – contar histórias fantásticas – através de outro caminho. JRPGs são, portanto, passíveis de crítica pela sua linearidade de roteiro, se afastando em demasia do que é considerado um RPG.

Alguns argumentam que eles não deveriam sequer ser considerados jogos de RPG, mas então o que mais os JRPGs herdaram de seu ancestral analógico?

Os sistemas. Desde o princípio, JRPGs tentam replicar a experiência dos sistemas de RPG, com as batalhas acontecendo em turnos, os atributos dos personagens e inimigos representados por números e alguns até com classes de personagem como D&D.

A interpretação do R em RPG que os JRPGs fazem está diretamente relacionada com a profundidade das personagens que coloca no controle do jogador, e as outras com as quais estes personagens se encontram. Os JRPGs reconheciam e reconhecem que os computadores não conseguirão tão cedo replicar a capacidade de uma mesa de jogadores de improvisar as situações infinitas que podem ocorrer durante um jogo de RPG, ou de reagir caso os jogadores se aventurem fora das fronteiras determinadas pela narrativa embutida. Por isso preferem tentar colocar o jogador em contato com as personagens, como num livro, através do sentimento de empatia ao invés de autoria.

Isso os afasta dos RPGs? Talvez, mas certamente não mais do que os WRPGs. É só uma abordagem diferente, e dependendo do seu perfil de jogador você pode preferir um ou outro. E o mais engraçado é que existem argumentos narrativistas que podem ser usados para defender ambos os gêneros: WRPGs pela sua liberdade e JRPGs pela sua profundidade de enredo.

Outros Gêneros, o futuro e Narrativismo (de novo!)

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(Bioshock, 2007)

Pelo teor do post eu posso ter passado a impressão equivocada de que sou fã cego e enfurecido de JRPGs. Não é o caso. Cada abordagem teve suas vantagens e desvantagens e hoje cada “escola de pensamento” já aprendeu muito com a outra, criando experiências ímpares. O que os JRPGs são hoje se deve aos WRPGs e vice-versa.

Mais do que isso: O monopólio das narrativas profundas foi desfeito. Hoje existem jogos dos mais diversos gêneros que contam histórias tão bem quanto ou até melhor do que vários RPGs eletrônicos. A despeito de controvérsias acadêmicas, é seguro assumir que a barreira entre jogo e mídia narrativa foi desconstruída, e querer remontá-la pode incorrer no empobrecimento da discussão.

Talvez tenha sido sabedoria por parte dos JRPGs se afastar da tentativa de emular o comportamento de pessoas jogando RPG dentro de um computador, uma vez que isso deu origem a histórias brilhantes e personagens ricos sem número. Também proporcionou aos JRPGs a liberdade de criar sistemas que tornavam os jogos mais divertidos ao invés de mais complicados.

Talvez tenha sido sabedoria por parte dos WRPGs tentar construir uma experiência aproximada dos RPGs de mesa desde o princípio, pois isso possibilitou que eles acumulassem conhecimento sobre narrativas ramificadas e suas possibilidades em sistemas de computador. Graças a isso, com o avanço da tecnologia e o crescimento da indústria, os herdeiros dos antigos WRPGs hoje nos proporcionam com jogos com mundos ricos e abertos e uma pluralidade de histórias a serem vividas.

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(Crypt of the Necrodancer, 2015)

Diversas outras aproximações diferentes já foram concebidas, como por exemplo os roguelikes, que recentemente estão tendo suas mecânicas profundamente estudadas e exploradas até por jogos que não são RPGs. Mais uma vez, a busca pelo RPG de mesa abre portas para outros gêneros e, em troca, os RPGs eletrônicos se apropriam de mecânicas de outros gêneros para evoluir.

Porém, na minha opinião, acho que existe uma falta por parte dos que buscam por experiências similares ao RPG de mesa: estão olhando muito pouco para jogos de sandbox cooperativos.

Afinal, o que é o RPG sem as pessoas? Um universo aberto a ser explorado pelos jogadores com suas ações mediadas por um sistema de regras e um contrato social. Se a manutenção do sistema for delegada ao computador e os controles desse sistema forem entregues nas mãos do mestre do jogo, o jogo eletrônico pode se tornar uma plataforma poderosa para o jogo de mesa. O que aconteceria se as desenvolvedoras tentassem criar jogos que delegam todos os aspectos de um RPG de mesa ao computador e deixassem a imprevisibilidade humana para os humanos?

Talvez isso nem pudesse ser chamado de jogo, mas sim uma plataforma de jogo. Talvez nem funcionasse. Se atestado que não, ao menos os RPGs tem muito o que aprender com estes experimentos. Resta alguma desenvolvedora tomar a iniciativa de se impor o desafio e estudá-los.

Talvez já tenham tomado, e estou aqui escrevendo todo esse post em vão. Se for o caso e você, leitor, souber, por favor me conte. Eu poderia estar jogando.rotom

VOOOSH