Star Fox Zero considerações pela sua amargura

O esquema de controles de Star Fox Zero foi amplamente criticado após seu lançamento. Em especial, vários reviewers mencionaram o fato de que controlar a nave a partir de duas câmeras diferentes – uma em 3ª pessoa na tela da TV e outra em 1ª pessoa no gamepad – era confuso, exigia dividir a atenção e gerava imprecisões enormes quando se tentava mirar em inimigos a partir da câmera que aparecia na TV.

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Mesmo cenário, duas perspectivas diferentes. Uma na TV, outra no controle. Clique para ver a imagem grande.

Seu controle não está com problema

O desalinhamento da mira não tem nada a ver com os controles do jogo. Não interessa se a mira é controlada com o gamepad, mouse, trackball, ou com o poder da mente. O tiro leva tempo até chegar no seu destino. Então mesmo que mostremos uma mira sobre o objeto que seria atingido naquela trajetória, se o alvo se mover, dá tudo errado:

Em jogos de nave – nos divertidos, ao menos – os alvos tendem a não permanecer no lugar por muito tempo. Então mesmo acertando um sistema onde o qual o tiro sempre vai bater exatamente onde você está mirando, o tempo que o tiro leva pra chegar até lá ainda permite que as coisas mudem de lugar e você acabe errando. Em jogos de tiro ou nave você está sempre estimando. É parte do desafio. Em Star Fox Zero especificamente, essa diferença é exacerbada por uma questão de perspectiva e porque você pode usar o gamepad pra mirar em objetos que estão fora da tela da TV. Fizemos um cenário 3d controlado para explicar melhor:

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Arwing apontando para seus piores inimigos: Andross, homem-cubo, mulher-esfera e o temível doutor-toróide.

O cenário tem obstáculos com formas, tamanhos e posições diferentes, e duas câmeras: uma de dentro do cockpit e outra de fora da nave, nos moldes do que tem no jogo. A mira aparece sempre a uma distância fixa da nave (que nem no jogo) e o ponto vermelho projetado sobre os objetos indica onde o tiro bateria se nada se movesse. Vamos ver como a mira o ponto de impacto se alinham em cada uma das câmeras:

Como a câmera que é vista no gamepad é alinhada com o cockpit da nave, o tiro sempre sai retão, a partir da perspectiva do jogador, e não tem erro. Vamos ver como fica na camera de fora da nave, equivalente a imagem que se vê na TV em Star Fox Zero:

Aqui fica claro que quanto mais acentuado o ângulo no qual a nave está mirando, e quanto mais distantes os objetos estão da posição da mira, mais “fora-do-lugar” a mira parece estar. Mas novamente, como comentamos, estimar o trajeto, velocidade e posição dos seus alvos é parte da dificuldade do jogo. Isso se mantém fiel aos jogos anteriores da série, que também tinham esse problema de alinhamento da mira pelo fato da câmera do jogo não estar necessariamente alinhada com a nave:

Uééé, o 64 também tá com a mira desalinhada?
Uééé cadê a mira da versão do SNES?

Atenção dividida: Dando Barrel Rolls na vida real

Em múltiplos segmentos do jogo, especialmente em lutas contra os chefões de cada fase, o jogador tem que mirar em objetos que não estão mais aparecendo na tela da TV. Isso faz com que ele tenha que olhar para a tela do gamepad, onde ele pode usar a mira que está alinhada com o cockpit da nave, e virar sua metralha de lasers na direção que ele precisa pra acertar o alvo. Aí enquanto ele está atirando, um elefante cibernético voador se mete na frente da trajetória da nave dele, e enquanto ele está olhando pra telinha do controle, mirando calmamente, ele toma um tranco que não vai deixar a seguradora de Star Fox feliz.

O jogo te obriga a dividir atenção entre as duas câmeras, e ter que gerenciar as duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo com controles responsivos, a necessidade de trocar constantemente entre as perspectivas confunde bastante o jogador. Quando alguém está prestes a ficar confortável com uma das câmeras, é necessário trocar para a outra. Se a troca de atenção fosse menos frequente, não sentiriamos tanto que “os controles são esquisitos”.

Entretanto se o jogo assumisse o controle da nave enquanto você está atirando, ou se nos segmentos onde a mira é necessária houvessem menos obstáculos no cenário, por exemplo, não haveria necessidade alguma da segunda tela do Wii U, e como o pessoal da própria Nintendo já falou, Star Fox Zero foi um jogo que eles queriam que aproveitasse todas as capacidades do Wii U.

Outra possível solução seria diminuir o ritmo do jogo, focando no aspecto de estimar bem os tiros e dando tempo para o jogador trocar de perspectiva sem o medo de bater a nave contra uma torre. Mas aí não seria Star Fox, não é mesmo? O ritmo frenético, os inimigos aparecendo e dando piruetas no maior estilo de Galaga, tudo isso ficaria apagado, sem graça. Talvez outra idéia fosse acrescentar algum tipo de indicador na tela do gamepad que mostraria algum ícone quando houvesse perigo iminente que não está visível naquela câmera:

starfoxcockpit
Ué, já tem? Essa imagem não é editada? Uéé. O jogo já faz isso? Poxa que boa idéia.

Dificuldade cumulativa

Não é difícil pilotar a Arwing usando motion-controls. Não é difícil mirar nos inimigos mesmo quando é necessário estimar a trajetória dos tiros. Não é difícil mirar em inimigos fora da tela. Mas fazer tudo ao mesmo tempo é uma proeza digna de profissionais. Prototipar e testar cada mecânica do jogo isoladamente é ótimo para garantir que elas vão funcionar, mas quando elas se juntam, a dificuldade de cada tarefa que tem que ser feita simultaneamente não se soma: se multiplica.

Há outros jogos que abusam da idéia de você ter que realizar várias tarefas, mas em geral o trabalho é dividido entre mais de um jogador, como é o caso de Guns of Icarus:

Enquanto um jogador pilota a nave, desvia de obstáculos e procura uma posição privilegiada pra chover bala nos inimigos, outro está consertando as partes da nave que foram danificadas e outro está tentando atirar nos inimigos. Cada um com um papel diferente, uma câmera diferente, e uma perspectiva que não conta com toda a informação. O desafio nesse jogo passa a ser a comunicação: um dos jogadores tem que deixar os outros cientes do que ele está vendo, e que ações têm que ser tomadas imediatamente. 

Outro jogo com uma proposta semelhante é Spaceteam: um jogo mobile onde cada membro de um time tem um pedaço do painel de controle de uma nave em seu celular. Instruções aparecem na tela, e os jogadores têm que se coordenar entre si para descobrir quem tem o pedaço do painel capaz de realizar aquela instrução.

O problema desses jogos é que eles não são Star Fox. O desafio de Star Fox Zero não é comunicação e muito menos sobre trabalho em equipe. Raposas voam sozinhas. Star Fox Zero exige precisão, habilidade de navegação, estimativa de trajetórias e divisão de atenção, habilidades de um animal-cyborg parte do esquadrão mais eficiente da galáxia. Os controles funcionam. O jogo exige bastante (tá longe de um Ikaruga da vida) e se você não está acostumado pode ser complicado, mas é bem divertido. Se você ainda não gostou, tudo bem, talvez não seja o jogo pra você. Mas se você ainda acha que os controles são ruins, ou que as câmeras são mal-feitas, e se recusa a continuar jogando por isso, só há duas possibilidades: ou você é ruim, ou é jornalista da Polygon.

Indie para Principiantes

A não ser que você tenha passado os últimos 10 anos debaixo de uma pedra, você já ouviu falar dos famosos indie games. Há alguns anos atrás, uma confluência de diversos fatores (que não vamos tratar aqui) levou a cena independente a atingir uma massa crítica de quantidade, qualidade e audiência que levou a um crescimento súbito na sua fama, fortuna e reconhecimento. Até jogos feitos por desenvolvedores independentes quase dez anos antes, como o fantástico Cave Story (ou Doukutsu Monogatari para os íntimos), acabaram recebendo a atenção que mereciam.

indie
Teve até documentário – link na imagem.

Eu sei que alguns de vocês devem estar pensando:

Ah, que assunto chato. Essa discussão é notícia fria. Já li uns mil textos sobre ela e a cena independente já nem tá mais tão forte assim.

Se é o seu caso, meu recado pra você é: aceitamos encomenda de posts especiais pra você em hatemail@meanlook.org, valores a negociar.

Pra todos os outros, vamos à pergunta de um milhão de dólares: O que faz um jogo ser independente?

Preparem-se para um post com muitas listas.

Comofas joguíneos

Antes de entrar nessa vereda lamacenta, é bom explicar como funciona o mercado de jogos na indústria tradicional. 

A indústria AAA – como é chamada a indústria tradicional, que usa tecnologia de ponta e investe milhões na produção de jogos de última geração – é fundamentalmente apoiada em duas figuras da cadeia produtiva:

  • Developers (desenvolvedoras) são as empresas responsáveis por fazer os jogos;
  • Publishers (distribuidoras) são as empresas responsáveis pela publicação (duh) do jogo – publicidade do jogo e manufatura do produto final – fazendo a caixinha do CD, garantindo que o jogo vai estar presente nas lojas.

É claro que além destes dois agentes também existem a mídia especializada, os produtores industriais (no caso de mídias impressas), os críticos, enfim: Uma porrada de gente que compõe o ecossistema dos jogos eletrônicos.

Como conhecemos muito bem os nossos leitores, contaremos com imagens de apoio pra explicar essa relação:

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  1. A developer apresenta pitches, pré-projetos de jogos, aos investidores – esses investidores podem ser externos, uma mesa diretora formada pelos acionistas ou, por vezes, a própria publisher;
  2. Os investidores, quem quer que eles sejam, determinam se um pitch parece uma oportunidade de negócio interessante. Eles liberam o investimento para a developer desenvolver aquele jogo;
  3. A developer – que costuma ter contrato ou até ser subsidiada pela publisherdesenvolve o jogo e então o envia à publisher para que ele seja publicado;
  4. A publisher, que provavelmente já começou a fazer o marketing do jogo, o apresentando na E3, enviando material promocional pra mídia, gerando hype &c. lança o jogo nas lojas, marketplaces online, na porra toda, ao mesmo tempo que continua a fazer publicidade;
  5. O público hypado compra o jogo;
  6. O dinheiro das vendas volta pra publisher, que tira a sua parte e envia para a developer, que distribui o lucro entre os investidores, acionistas, &c.;
  7. Rinse & repeat.

Esse é o processo mais tradicional. Existem mil variações dessa zona aí, mas esse é o básico que você precisa entender pra sacar qual a diferença entre indies e AAA.

Se você ainda está com dificuldades, recomendamos que você comece por esse vídeo.

Independência ou morte

O esteriótipo do desenvolvedor independente iniciante é a de um eremita barbudo que mora num porão só com uma cama, um computador conectado na internet e um balde, que se alimenta de miojo e coca-cola sem gás, e que pra continuar desenvolvendo seu jogo quebrou o porquinho, vendeu o carro, tá queimando a caderneta de poupança e chupando pintos meio-período pra suplantar a renda.

O porquê disso vai ficar bem claro agora que eu vou mostrar o diagrama do indie tradicional pra vocês:

tradindie

  1. O desenvolvedor indie faz o jogo;
  2. O desenvolvedor indie bota o jogo dele em uma plataforma de venda e torce pras pessoas comprarem.

Fim do processo.

É, o cara faz o jogo sem investimento, só com a paixão do coração e o miojo na barriga. O equipamento que ele tem, as habilidades que ele tem, o tempo e as energias que ele tem disponível: é com isso que ele vai começar e ir até o final em 99.9% dos casos. O indie tradicional – ou seja, o indie se tudo der errado, e costuma dar – é assim mesmo. O cara passa anos desenvolvendo o jogo sozinho e sem expectativa de retorno alguma, fazendo todas as coisas necessárias pra um jogo dar lucro sozinho.

Ou seja: Morte. Nós avisamos.

Alternativas indie

É claro que junto com o amadurecimento da indústria de jogos as coisas já começaram a mudar de figura e hoje o desenvolvedor independente tem algumas alternativas, mas ainda é muito difícil emplacar um jogo feito do zero. É óbvio, também, essas alternativas muitas vezes colocam em cheque exatamente o que é ser independente.

A primeira delas, que já gerou muita discussão, é o crowdfunding ou “financiamento coletivo”. Pra quem não sabe o que é crowdfunding, são plataformas online onde qualquer um pode entrar e fazer uma apresentação do seu produto (que não precisa ser um jogo!) para a internet e seus habitantes. Então as pessoas que se interessarem pelo projeto podem fazer contribuições, desde valores simbólicos que não retornam nada até pré-compras do produto em questão. Existem várias dessas plataformas, com modelos diferentes de funcionamento, desde o gigante estrangeiro Kickstarter ao nacional similar Catarse, ambos com um portfólio imenso de projetos de sucesso.

Quando bem sucedidos, isso dá fundos para que os indies se sustentem e arquem com os custos do desenvolvimento enquanto produzem. Mas isso faz com que eles deixem de ser independentes? Afinal, eles estão recebendo dinheiro do público para produzir o jogo, tal como as AAA recebem de seus investidores. Na nossa opinião, não, por um motivo simples.

indiecrowdfunding

O dinheiro do financiamento coletivo vem da paixão dos apoiadores pelo projeto, que são parte do público consumidor final. Eles estão assumindo o papel de “investidores” na ideia do desenvolvedor porque acreditam que ele vai fazer um trabalho bacana. Dessa forma, inverte-se a ordem do fluxo de bens e produtos para viabilizar que uma pessoa que não teria os meios de oferecer um produto antes possa oferecê-lo.

Também existem, hoje, publishers especializadas em desenvolvedores indie. Isso deixa a definição um pouco mais complicada, porque os contratos de distribuição podem incluir um pequeno investimento prévio a ser pago de volta quando o jogo for lançado, e que envolve essas distribuidoras ficarem com uma parcela bem grande das vendas até que esse investimento prévio seja quitado.

Quando não incluem, porém, o diagrama fica mais ou menos assim:indiepub

Ou seja, a publisher, tal como uma publisher AAA , arca com os custos de marketing e manutenção do jogo nas plataformas de venda. Entram em jogo empresas como a agora famosa Devolver Digital, a Versus Evil e até empresas que antes eram voltadas para o mercado AAA abrindo as portas para independentes – afinal, esse mercado está movimentando quantidades absurdas de dinheiro.

O Indie de Schrödinger

O mercado indie teve um boom tão grande nos últimos tempos, entre outros motivos por ocupar a lacuna de inovação e novidade que o mercado AAA deixou – afinal, investir na casa das centenas de milhões de dólares em um jogo não deixa muito espaço pra “é, talvez isso daqui não funcione” -, que ele começou a atrair a atenção de uma parcela bem grande dos jogadores.

Não demorou até aparecerem figuras feito esse babaca.

There is a space I want us to fill.  Common wisdom says that this space doesn’t exist.  I’m calling this space Independent AAA.

– ANTONIADES, Tameem; Chief Designer da Ninja Theory

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A única resposta apropriada é: Teu cu.

O posicionamento de um ponto de vista de frear o crescimento da empresa e investir num ambiente empresarial criativo é super maneiro, mas isso não vai transformar você numa empresa independente. Você já começa o desenvolvimento do seu jogo cheio de garantias, tem que colocar seus projetos sob o escrutínio de uma mesa diretora, recebe investimentos milionários, tem contato com as maiores publishers e está presente no mercado AAA…

Mas quer roubar o holofote das empresas que são realmente independentes e precisam dele. Isso só pra ganhar a medalha de inocente e a compaixão dos compradores. Graças, ninguém caiu nessa ladainha.

Outro exemplo de babaquice homérica é o caso recente do Mighty No. 9, onde o Inafune fez uma campanha de financiamento coletivo extremamente bem sucedida na marca dos 4 milhões de dólares e de repente, ta-da, PUBLISHER SURPRESA, ATRASOS INFINITOS, MELHOR QUE NADA.

Tameem e Inafune, vão se foder.

Indiefoda-se

No fim do dia, ser independente é o que? Não ter investimento inicial? Não precisar responder aos investidores e à mesa diretora? Ser pobre e comer só miojo? Pedir dinheiro pros outros?

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Indie, pra nós, é desenvolver um jogo sem amarras criativas.

A partir do momento que o desenvolvimento ou não do seu jogo é delegado a uma força maior – sejam investidores ou uma publisher – com o poder de influenciar nas suas decisões criativas e de projeto, de decidir com o dinheiro qual projeto a sua empresa/equipe vai fazer ou deixar de fazer, ele deixou de ser indie.

É ruim não ser indie? Não. Ruim é passar fome.

Falando nisso: Também fazemos casamentos e festas de criança, orçamento em hatemail@meanlook.org. Tratar com Rotom.

rotom

“Joguinho não é esporte” é o cacete

Estamos a pouquíssimo tempo de um dos eventos esportivos mais falados do mundo. Estamos falando do EVO, um dos campeonatos de jogos de luta mais famosos em existência. Quero aproveitar o contexto e a oportunidade pra acabar de uma vez por todas com o mimimi de “eSport não é esporte” e “joguinho não vale”. Está na hora de encararmos que por mais que video-games não sejam parte constituinte da sua vida, eles podem ser levados tão a sério, e estar em um nível tão competitivo quanto o esporte mais popular do país.

A definição de esporte

Não viaja, Diogo. A definição no dicionário de esporte diz que deve haver atividade física, e esses joguinhos não tem. É que nem o papo de que xadrez é esporte, ninguém se mexe, não tem nada de competição atlética nisso.

Se o seu objetivo com esporte é ver gente malhada, realmente não vai ser muito interessante ver joguinho pra você. De qualquer maneira a associação de esporte com esforço físico pode não ser das mais coerentes: Em uma corrida de fórmula 1, embora haja desgaste físico pela força exercida no corpo do piloto, quem faz a maior parte do trabalho é o carro. Em competições de tiro ao alvo, onde se usam pistolas de ar comprimido com o coice reduzido ao máximo possível, o esforço físico exercido está essencialmente em controlar a respiração e manter as mãos estáveis. É pouco movimento, mas isso torna esses 2 esportes de segunda categoria? Xadrez, especificamente, é aceito pelo COI como esporte desde 1999 (fazem 17 anos, galera).

Podemos nos apegar à obrigatoriedade de uma modalidade esportiva interagir com o mundo real excluiria video-games de serem considerados uma modalidade esportiva. Por isso o uso do termo eSports, ao invés de simplesmente sports. Mas sem quebrar a fronteira física, não teríamos Quadribol, Rocket League ou Blitzball. E se olharmos para esses jogos e para o “esporte clássico”, podemos ver semelhanças:

TUDO QUE É ESPORTE TEM, INCLUSIVE JOGUINHO

Regras comuns

Todos jogam pelas mesmas regras. Se futebol tivesse um conjunto de regras diferentes em cada país, quando houvesse a Copa do Mundo o negócio ia ser um desastre. Cada time se preparou com um conjunto de regras em mente, e agora na hora do vamo-ver é tudo diferente. Não faz sentido. Isso é um dos pontos fundamentais da definição do que é um jogo, por sinal. As regras tem que ser conhecidas, compreendidas, e as mesmas pra todos.

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Desafio: procure as regras oficiais de calvinball

Em video-games, a grande vantagem é que as regras são garantidas pelo código. Em outras palavras, se os jogadores estão jogando com a mesma versão – o mesmo código – é garantido que eles vão estar competindo sob as mesmas regras. Exceto se tiverem escândalos de cheating ou doping, que também estão presentes em eSports.

Vem no x1

Todos os esportes – clássicos ou eletrônicos – que abordamos podem ser jogados em alto nível de performance. Amarelinha é um jogo que todo mundo conhece: é simples, a tolerância ao erro é grande (os quadrados são enormes), é curto o suficiente pra não te deixar fisicamente acabado, e longo o suficiente pra divertir crianças. Mas se dois mega-atletas competirem, eles vão jogar mil vezes sem cometer nenhum erro, até que um dos dois vai desistir porque já fazem 3 dias, e tudo o que ele quer é ver a família dele. Se os quadrados da amarelinha fossem quase que exatamente do tamanho de um pé, estivessem muito mais distantes e houvessem obstáculos no caminho, poderíamos dizer que ela poderia ser jogado em alto nível de performance. Na verdade seria algo assim:

Outro recurso bastante utilizado: em jogos onde os adversários não podem ir diretamente um contra os outros, se trazem árbitros que julgam as performances de acordo com uma série de critérios. Ginástica Olímpica, Salto Ornamental, e até mesmo Golfe são jogos onde o confronto não é direto, mas é feito com placares. Adicionar competitividade em um jogo pode ser mais simples do que parece. Donkey Kong é um video-game de um jogador. Ele tem placar. Resultado: tem um documentário de 1h40min sobre os caras que disputavam o score mais alto nesse jogo.

IMPRESCINDÍVEL VER TODO ANTES DE CONTINUAR O TEXTO.
SENÃO N TEM COMO ENTENDER MAIS NADA. LHBFSKDJIEBNSKL

Existe um documentário de uma hora e meia sobre os caras que competiam pelo recorde de maior pontuação nesse jogo. A vontade de competir em um video-game pode não vir diretamente dele incentivar isso. É fácil entender por quê pessoas competem jogando Street Fighter, mas o exemplo de Donkey Kong é fascinante pois a vontade de competir parte de uma comunidade que compartilha um gosto por aquele jogo, e possui a mentalidade de tentar ser o melhor. Qualquer jogo pode ser levado esse patamar quando há interesse por parte da comunidade. 

Emoção à flor da pele

Tem que ser interessante. Ainda que possam haver favoritismos, o esporte nos proporciona momentos onde equipes ou indivíduos se prepararam por muito tempo, e há um quê de imprevisibilidade . De início não sabemos quem vai ganhar, e mesmo que os adversários sejam os mesmos, as partidas podem ser completamente diferentes. Isso dá margem para várias narrativas emergirem de uma partida. A dominação completa de um time sobre o outro. O pior time vencer num golpe de sorte, nos moldes de Davi e Golias. Estratégia vencendo força bruta. Tudo isso é possível. Partindo pro aspecto linguístico, em alguns idiomas fica mais claro o vínculo entre a atividade lúdica e/ou esportiva e as narrativas emergentes em decorrência delas. Em inglês, “game” é jogo. “Game” também é caça (tipo caçar codorna, javali, etc). Em alemão, “Spiel” é jogo. “Spiel” também é peça (tipo peça de teatro).

Exemplo: Há não-muito-tempo em 2012 houve uma luta de MMA entre Anderson Silva e Chael Sonnen. Sonnen provocou Silva até não poder mais em uma estratégia para tirar seu adversário do sério. Independentemente de se isso é comportamento anti-esportivo ou não, a reação dos atletas e do público ao ver a troca de provocações fez com que as pessoas tomassem lados, levantou emoções de todo mundo, e fez esta ser chamada “a luta do século” por muita gente.

Silva venceu, e deixou um monte de gente com um gostinho bom de “bem feito” na boca. Mas poderia ter sido o contrário, como já aconteceu. O ponto é que esses acontecimentos mantém as pessoas engajadas emocionalmente no esporte. O mesmo acontece em video-games. Smash Bros Melee é conhecido pois sua cena competitiva é dominada por 5 jogadores, sendo que os campeões da grande maioria dos grandes torneios era sempre um deles. Os famosos Os Cinco Deuses. Aí algo interessante aconteceu: um moleque sueco que joga muito começou a provocar geral no twitter, nos fóruns online, no reddit, apostar dinheiro que ganhava de qualquer um dos top 5, e começou a ganhar reputação de “vilão”:

Tinha gente torcendo pra ele ganhar, porque os top 5 eram os mesmos há muito tempo, e o jogo precisava de mudanças. Tinha gente condenando as atitudes dele como arrogantes e desrespeitosas. Ele ganhou de todos os 5. Ele perdeu de todos os 5 também. O resultado não importa, o que importa é que ele já era chamado de “The God Slayer” (o matador de deuses). A tensão de quando ele jogava com um dos top 5 se refletia na torcida, nos narradores (que inclusive dão uma boa ajuda pra criar uma narrativa emergente interessante a partir de algo) e até no chat durante a stream dos eventos era palpável. Enquanto isso aqui no Mean Look estamos disputando o título de God Slayer Slayer, treinando fortemente para derrotar o próprio Leffen. 

Por quê não ignorar eSports

Ah, mas Diogo, não dá pra levar isso tão a sério. Mesmo que você considere isso esporte, eles não tão nem nas olimpíadas, por exemplo.

Rugby, Golf e Baseball também não. Por quê? Três grandes motivos:

  1. Interesse econômico. Futebol está nas olimpiadas porque tem um fodendo planeta inteiro que assiste, compra ingresso, camisa de time, é fanático por isso. Dá muito dinheiro pra eles terem um esporte desse calibre na lista do que vai ser competido.
  2. Logística. Uma partida de baseball leva em média 3 horas e requer um campo especial que dificilmente vai ser usado pra qualquer outra coisa que não baseball. A construção de centros de treinamento, compra de equipamento, treinamento de comentaristas, imprensa, etc para cobrir o jogo tudo é um investimento econômico que tem que valer a pena.
  3. Tradição. Atletismo tem um lugar garantido na olimpíada por causa da origem da competição. Os que entraram depois se beneficiaram dos dois primeiros fatores.

Em relação a logística, eSports estão na parte mais barata do espectro. Basta um monte de computadores ou consoles. Em relação a interesse econômico, aí é onde o negócio fica animal.  Em 2015, o total de prêmios dados em campeonatos somou mais de 64 milhões de dólares. League of Legends teve mais espectadores na final do seu campeonato do que as finais da NBA (basquete), MLB (baseball) e outros grandes torneios de futebol americano (o Super Bowl ainda não). O número de espectadores de eSports dobra a cada ano. Se estima que 747 milhões de dólares foram investidos na área em 2015. Tá rolando muita grana. A ESPN e SporTV já compraram direitos de transmissão de jogos eletrônicos.

As pessoas estão estudando, e está se criando um ecossistema riquíssimo de profissionais dedicados a fazer a área funcionar. Advogados se preparam para representar legalmente interesses de empresas, jogadores e atletas, governos estão discutindo políticas de imigração para que um eAtleta (inventei agora) possa obter um visto para comparecer a competições. As desenvolvedoras desses jogos estão se preparando para atender a demanda de pessoas que querem acompanhar seus jogos, evitando gafes de negar que seus jogos sejam transmitidos, afinal de contas pra eles isso é só lucro. É a vantagem de ser o dono da bola. Ou do jogo, no caso. Aí pra ir pras olimpíadas só falta romper a barreira da tradição.

A moral da história é: você pode até não jogar, mas não desjogue quem é jogante. Não desqualifique eSports como um ramo de segunda categoria, pois tem muita gente que leva esses joguinhos a sério. Tanto quem produz quando quem joga ou assiste. Vale lembrar que futebol e vôlei, antes de serem esportes, são jogos. E por causa de regras bem estabelecidas, uma comunidade competitiva, e engajamento emocional e financeiro, chegaram onde estão. Não negue aos outros que seus jogos favoritos possam atingir seu potencial esportivo.

letpeopleenjoy
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