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Stadia e o Futuro do Pretérito

Há boatos de que a Sony não vai apresentar conferência na E3 porque eles não tem hardware novo (o PS5) pra mostrar, enquanto a Microsoft tem. Faz sentido. Como eles não querem sair perdendo, eles nem se apresentam. Por outro lado, tem outra empresa que vai pra E3 exatamente porque ela não tem um console novo pra mostrar: A Google.

A Google recentemente anunciou o Stadia, um serviço de cloud gaming que rapidamente já virou assunto em rodinha de bar e pre-made de LoL. Mas o que caralhos é cloud gaming?

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Esse não.

Você provavelmente já quis muito jogar um lançamento, mas pra isso ia ter que comprar um console da geração atual ou, em especial, dar aquele upgrade no seu computador. Jogos são um hobby caro, e isso não é segredo pra ninguém.

O cloud gaming é um conceito que surge como resposta pra esse problema. Ao invés de você dar um upgrade no seu computador ou comprar um console novo pra executar o jogo na sua casa, você aluga o computador do seu amigo rico que roda o jogo pra você e te transmite um vídeo em tempo real do que tá acontecendo na tela. No caso do Stadia, o seu amigo rico é a Google.

Tipo assim, o fluxo normal pra você interagir com o jogo e ele aparecer no seu monitor é esse:

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Caso esse jogo rode na núvem através do cloud gaming, ele vai funcionar assim:stadia_graph02

Isso significa que o seu hardware pessoal não importa mais. Você pode jogar de uma torradeira – desde que ela tenha internet, um monitor 4K e esteja ligada em uma tomada nos EUA, Canada ou Europa – que o jogo vai funcionar.

“Nossa que solução nova, criativa, inovadora e original! Jamais pensaria em nada parecido.”

Não, isso é mais velho do que andar pra frente.

O que é o hoje senão o amanhã de ontem?

Quando consoles eram artigos de luxo que custavam um rim e meio mas as pessoas queriam jogar elas alugavam o computador de outra pessoa. Chama fliperama ou arcade. “Ah, mas aí o cara tinha que ir até o fliperama, não é a mesma coisa”. Verdade. Cloud gaming é um conceito novo e totalmente diferente do fliperama porque você não precisa sair de casa pra poder jogar. Ele não é o sucessor do fliperama.

Cloud gaming é o tataraneto do Hugo Game.

“Não tem chororô. O seu tempo acabou.”

Se você acha que hoje videogame é caro, nas décadas de 80 e 90 eles eram mais caros ainda. Daí as emissoras tiveram a brilhante ideia de fazer o que hoje a gente conhece como game shows interativos. Você não precisava de nenhum tipo de hardware especial em casa além de um telefone. Você ligava a TV na hora do programa, ligava pro número que aparecia na tela e – caso você desse a sorte de ser o primeiro a ser atendido, porque era pior que pedir na Domino’s em dia de promoção – você era selecionado pra jogar o jogo que, pasmem, era controlado discando números no seu telefone. Se quiser ter uma ideia melhor, tá aqui um vídeo do programa. 

Com videogames ficando cada vez mais sofisticados e hardware ficando cada vez mais caro, a solução do cloud gaming se torna cada vez mais tentadora – ainda mais quando a gente considera que a indústria gravita pra modelos de serviços ao invés de produtos. O Hugo Gaming pode não ter sido o primeiro e ele certamente não foi o último. No percurso do cloud gaming atual não está só o Hugo, mas também o OnLive e o GeForce NOW – que evoluiu a partir do NVidia SHIELD, que precisava de hardware especializado.

Junta o preço cada vez mais caro desse hobby com picuinhas de “ain, esse jogo só tem na Epic Store” e “ui, Bloodborne é exclusivo de PS4” e a crescente necessidade de você ter um PC foda, um PS4, um Switch, um 3DS, um iPhone e um bom plano de previdência privada, e quanto mais você pensa, mais um serviço desses faz sentido. Ninguém quer ter que gerenciar e fazer upgrade em trinta aparelhos que você usa no máximo três horinhas por dia.

Cloud gaming virar uma realidade é absolutamente inevitável. O Stadia certamente vai dar certo. Só talvez não esse Stadia.

O Computador do seu Amigo Rico

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Tem vários desafios a serem superados pra isso funcionar redondo, o mais evidente sendo latência e atraso. Pensa que o pacote de dados “Apertei Soco Fraco” ao invés de viajar até a sua GPU, ela gerar uma imagem e essa imagem chegar no seu monitor agora tem que viajar pela internet até um dos mainframes do Stadia – que está recebendo outros mil socos fracos -, que vai processar a mesma imagem e mandar ela de volta pela internet até o seu computador e então chegar ao seu monitor. O caminho é dobrado.

Isso faz com que jogos que exigem resposta em tempo real, tipo jogos de luta, só vão se beneficiar desse serviço quando a internet do mundo for infinitamente rápida, mas jogos de estratégia e RPGs em geral funcionam perfeitamente.

O servidor e o mainframe com potência pra lidar com essa quantidade de dados também tem que ser muito parrudo. Ele não só é difícil de programar e caro de se manter, como depende da rede mundial de computadores ter porte pra segurar esse fluxo de informação todo. Pra referência, o Netflix é responsável por em média 15% de todo o tráfego de dados na internet e ele só tá enviando e recebendo vídeo. Se o Stadia for um sucesso, é bem possível que falte fibra ótica.

Pra mitigar esses problemas, é claro que a Google obviamente escolheu oferecer o Stadia apenas em países que tem internet banda-larga com velocidades absurdas. Problema resolvido, certo? Não. Pelo contrário. São regiões onde as pessoas tem poder aquisitivo maior, e que provavelmente não precisam desse serviço porque eles já tem PC fodão e consoles. Pra que pagar um serviço que me permite jogar as coisas que eu já tenho?

Mas é claro que a resposta pra necessidade de internet infinita, um mainframe infinito e manutenção infinita é dinheiro infinito. E, convenhamos, se existe uma empresa que tem dinheiro e conhecimento no mundo hoje para fazer isso acontecer, essa empresa é a Google.

Botando o Uni em Universo

Apesar do nosso ceticismo comum com esse tipo de GRANDE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA QUE VAI MUDAR O MUNDO DOS JOGOS, existe uma coisa em especial que está deixando a gente empolgado pra caralho com a possibilidade do Stadia dar certo, e ela tem a ver com um componente muito específico de como o cloud gaming funciona.

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Do jeito que MMOs são feitos hoje, cada jogador tem uma “cópia” do mundo que é atualizada de pouco em pouco tempo rodando no próprio PC. Aí tem um servidor muito frenético tentando garantir que a cópia que cada jogador tem do mundo no seu computador seja relativamente parecida com o mundo que o servidor vê. Isso faz com que espaços virtuais complexos – como simulações físicas, por exemplo – sejam totalmente inviáveis de se compartilhar entre muitos jogadores. Até agora.

Porque agora só tem um computador processando o espaço virtual. Um computador PARA TODOS DOMINAR.

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Sem a necessidade de se preocupar com sincronia entre um número de espaços virtuais igual ao número de jogadores naquele espaço, a complexidade do que acontece nesse espaço só depende da potência do Um Computador.

O fato de que jogos massivos online usando o sistema do Stadia podem conter complexidade de sistemas tão mais alta sem precisar se preocupar com sincronia entre os N jogadores, já que a simulação daquele espaço virtual acontece em um só computador, permite que os jogos tenham sistemas N vezes mais complexos. Isso permite coisas desde simulação física em tempo real, todos os jogadores simultaneamente em um mesmo servidor/mundo/shard/instância, gráficos com qualidade similar ao AAA, e até que gêneros de jogo totalmente novos sejam criados.

Se você tá se perguntando se isso funcionaria mesmo, conforme esperado da Google, ela já fez o dever de casa e anunciou todas essas funções.

Embora a gente não saiba se o Stadia vai ser o futuro dos jogos tão cedo, a gente pode afirmar com algum grau de certeza que ele vai ser o futuro dos MMOGs a partir do momento que eles começarem a chegar na plataforma. E se tem algo que a gente é bom é em prever o futuro.

Nintendo Switch casualmente destruindo a concorrência

Esse post começa com uma saga arqueológica. Se você não tem interesse nisso, pule para o texto após o Coliditto.

Quando eu comecei a escrever esse post eu imediatamente me lembrei de um artigo que eu li no longínquo ano de 2008, titulado Birdmen and the Casual Fallacy ou “Homens-pássaro e a Falácia do Casual”. As únicas evidências da sua existência eram, até literalmente ontem, como a dos discos voadores: o artigo havia desaparecido da internet, dos mecanismos de busca e só existiam relatos de terceiros discutindo sobre ele e citando passagens brilhantes. O próprio autor, Sean Malstrom, faz questão de mencionar o artigo vez ou outra em posts que fez no seu próprio blog do qual ele havia desaparecido após uma reestruturação e troca de domínio, chegando a citar passagens inteiras do próprio texto em retrospecto, soando ao mesmo tempo arrogante, desonesto e até um pouco esquizofrênico.

Meu trabalho arqueológico de reencontrar o artigo, não se enganem, começou fazem anos. Uma vez tentei encontrá-lo pra enviar pra um amigo depois de uma conversa sobre estratégias blue ocean de posicionamento de mercado e foi assim que descobri que o artigo tinha desaparecido. Os anos se seguiram e, consistentemente todo ano, eu busquei por indícios do texto original, encontrando apenas discussões em fóruns dedicados a jogos, citações em sites de notícia de alta circulação e um artigo do próprio Malstrom olhando para o original em retrospecto um ano depois e vendo todas as suas análises se comprovarem repetidamente ao longo de um ano. Mas nada do artigo original.

Então quando fui escrever esse post, entrei na minha jornada anual de garimpar pelo artigo original e, Presto!, um indivíduo que deveria ser santificado postou, no ano passado, em um post de fórum que encontrei lá pela quarta página de pesquisa do google – já procurando, não pelo título do artigo, mas por uma transcrição integral de um parágrafo, não citada pelo Malstrom em sua retrospectiva, mas por um redator do GiantBomb em uma versão resumida do artigo original e postada ainda no ano de 2008 – o artigo integral.

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“Leia a saga, seu porco imundo.”

Estamos na beira do lançamento do Nintendo Switch, o console famoso por ter um controle que parece um cachorrinho retardado. Enquanto ele parece  ser um ótimo console, os haters parecem estar (mais uma vez) chafurdando na possibilidade de ele ser finalmente a mão que vai empurrar a Nintendo para as profundezas da bocarra escancarada de sua inevitável e iminente falência. Exceto que ela parece ser inevitável e iminente há anos.

O ponto central de Birdmen and the Casual Fallacy, artigo de Sean Malstrom feito na época do Wii, e também desse post é:

A Nintendo não é casual e não vai falir. Quem diz o contrário ou é mal informado ou é meio burrinho.

É claro que, por definição, todo hater empesteando o interior de seus teclados anti-ghosting com pó de Doritos é burro mas num mundo que já perdeu a noção de o quão rápido as coisas acontecem da sua concepção até darem certo ou errado, é estatisticamente inevitável que uma pessoa dedicada em falar que tudo vai dar errado acerte de vez em quando. Isso, é óbvio, acontece com a Nintendo tanto como acontece com qualquer outra empresa.

Mas apesar da frequência de fracassos da Nintendo ser até inferior à de várias empresas, ela parece sofrer muito mais ataques de gente recalcada. Por quê?

Anatomia do “Gamer Médio”

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Começando essa parte, gostaríamos de falar que o público de jogos é extremamente plural. O “gamer médio” ao qual nos referimos, por outro lado, é um fenômeno sociológico constatado em diversas pesquisas estatísticas e com reprodução em laboratório.

O gamer médio, um substrato social da cultura dos jogos eletrônicos, costuma ser o menino que passou por todas as fases de desenvolvimento cerebral acumulando os comportamentos tóxicos associados com certas faixas etárias. Ele chora e esperneia como um bebê, é mimado como uma criança, ouriçado que nem um adolescente e arrogante como um adulto. Esse público costuma ser atraído por jogos competitivos ou que ao menos exigem habilidade, colocando o jogador na pele de personagens anti-heroicos que vivem histórias viscerais em mundos onde os fracos não tem vez.

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“U WOT M8?”

A Nintendo caga pro gamer médio.

Desde o lançamento do Wii em 2006, quando o mundo era mais simples e a cena independente era apenas nuvens negras começando a se agrupar no horizonte distante, o posicionamento de mercado que a Nintendo adotou foi muito diferente do posicionamento da Sony e da Microsoft. Ao invés de se digladiar por um público mimado e exigente que, sob a sombra auspiciosa do eclipse da noção, reclama que a Nintendo só lança sequências infinitas das mesmas franquias enquanto joga o último Call of Duty – que seria o de número 24 de uma série notória por ser o mesmo jogo todo ano – , ela decidiu abocanhar um nicho de mercado extremamente sub-atendido e que dá nó na cabeça de muitos “especialistas” por aí até hoje: possíveis jogadores.

“MAS DANIEL, O WII NÃO TINHA JOGOS. ELE FOI UM CONSOLE DE MERDA E A NINTENDO VAI FALIR PORQUE TÁ DESDE LÁ FAZENDO MERDA.”

Não é porque você e os seus amigos não curtem o console que ele vendeu mal. Muito pelo contrário, o Wii é o 5º console mais vendido da história. Só que ao invés de vender pra jogadores hardcore, ele vendeu exatamente pro nicho de mercado onde a Nintendo mirou.

Isso gerou um efeito muito interessante, descrito pelo Malstrom:

A indústria dos jogos era, e ainda é, distintamente hardcore. Eles geram lucro com franquias e grandes jogos arrasa-quarteirão. Os desenvolvedores são todos hardcore. As publishers costumam ser hardcore também.

Quando um jogador hardcore olha para um jogo hardcore, ele vê sofisticação, magnificência e, mais importante de tudo, arte como se fosse uma imagem espelhada virada para ele. Quando um jogador hardcore olha para um jogo casual, ele vê simplicidade, não-arte, facilidade e, somando, jogos retardados. O hardcore vê jogos casuais não como um progresso no campo dos jogos mas como jogos sob medida para jogadores retardados.

A indústria de jogos se retroalimenta. As pessoas que tem interesse em trabalhar na indústria de jogos são, em sua avassaladora maioria, gamers assíduos. Gente apaixonada por jogos. Esses gamers entram na indústria e, naturalmente, querem produzir jogos orientados para o público do qual eles fazem parte – ou ao menos pra públicos que eles não enxergam como tão distantes.

Exceto a Nintendo, e o resultado disso é, novamente, previsto por Malstrom.

Uma vez que esses jogos mais de entrada se tornaram os mais críticos para a Nintendo, eles colocaram suas equipes titulares para fazer jogos como Nintendogs, Brain Age, Wii Sports, Wii Play, entre outros.
Homens-pássaro, que confundem o mercado popular com “jogos casuais” (ou seja: jogos retardados), ficam colocando suas equipes de terceira ou até quarta divisão para fazer esses jogos.

O resultado disso foi a notória cisão entre a Nintendo e as third parties, as desenvolvedoras terceirizadas, que fez com que o Wii e o Wii U tivessem tão poucos títulos (de destaque). Ao invés de tratar o jogador casual como uma pessoa que está começando a se interessar por jogos e tem potencial para se tornar um jogador hardcore e consumidor engajado no futuro, as third parties tratam o jogador casual como uma criança de seis anos com dificuldades cognitivas. Os jogadores casuais não são retardados e sentem que a qualidade do jogo que está sendo direcionado a eles é baixíssima, eles sentem que esses jogos estão os tratando como idiotas. Naturalmente, eles param de comprar os jogos e fazem com que eles sejam fracassos de venda.

Por não compreenderem a diferença entre um jogo que tem como alvo o público de entrada e o que era chamado, à época, de retardado casual, as third parties garantiam o cumprimento da profecia autorrealizável: “Nossos jogos do Wii não fazem sucesso. É uma plataforma falida. Só a Nintendo consegue operar nela.”

A profecia de Malstrom, porém, também se cumpriu. A tática disruptiva de posicionamento de mercado não só foi copiada pelas outras empresas, consolidando a Nintendo como pioneira na incorporação de tecnologias em seus consoles e no abraço dos jogadores potenciais como um nicho de mercado, como a dificuldade da indústria de acompanhar o pensamento da Nintendo e produzir jogos para o Wii e Wii U alinhados com os desejos dos seus consumidores tornou a Nintendo cada vez mais uma empresa hermética e isolada. Isso gerou um sentimento geral de traição entre os fãs inveterados de jogos eletrônicos.  “Como assim a Nintendo não está fazendo os jogos que nós queremos. Nós não queremos esses jogos retardados casuais. Queremos jogos desafiadores e maduros. Queremos mais um Call of Duty.”

Entra em cena o “fracasso” do Wii U. A nintendo previu a necessidade de um console que levasse consumidores de entrada até o nível de consumidores fiéis – essa previsão foi genial. Mas o Wii U sofreu com falta de jogos, um problema previsível dados os acontecimentos do Wii. As Nintendo falhou por negligencia quando superestimou a maturidade das third parties, que não conseguiram acompanhar sua visão.

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“AH, ENTÃO VOCÊ ADMITE, XIMENES. A NINTENDO É UMA MERDA, COM UMA ESTRATÉGIA DE MERCADO RUIM. TRAIU O MOVIMENTO GAMER E VAI FALIR.”

Claro que não, sua marmota. Você tá ignorando uma coisa muito importante que acontece à parte da cena dos consoles de mesa, a despeito do fracasso do Wii U e continua trazendo prestígio à Nintendo: os portáteis.

Portátil é Terra de Nintendo

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A despeito dessa cisão entre a Nintendo e as third parties no setor de consoles ‘de mesa’, a família DS – DS, 3DS, 3DS XL, 2DS, New 3DS, New 3DS XL – imprime dinheiro. Não é a toa que continuam lançando iterações novas de um mesmo console. No mercado de portáteis a Nintendo continuou a tero apoio de diversas third parties poderosíssimas e opera sem qualquer concorrência expressiva desde… bem, sempre. O único portátil que teve vendas significativas que não era da Nintendo foi o PSP, e o seu sucessor, o Vita, parece ter sido um sophomore slump que abalou completamente a confiança da Sony no seu mercado de portáteis.

Franquias de enorme sucesso estão no 3DS e fazem com que ele venda que nem pão quente na feira até hoje: Mario, ROTOM, Zelda, Monster Hunter, Fire Emblem, Smash Bros., Shin Megami Tensei, Bravely Default, Professor Layton, Phoenix Wright, Shovel Knight, &c.

Isso dito, a Nintendo já vem flertando com a ideia de portabilidade dos seus consoles, não se enganem, desde o Nintendo Gamecube.

“Claro que não Ximenes, você tá viajando.”

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OOOOPS.

Geração depois de geração os consoles da Nintendo apostam no fator de sociabilidade dos jogos. Além da tendência da Nintendo de manter seus consoles pequenos – sem dúvida uma decisão de design para que seja fácil carregá-los pra casa de amigos – , os controles sem fio reforçaram isso mais ainda. Além disso, a Nintendo investe pesado na possibilidade de levar conteúdo de jogo de um lugar pro outro, e na interconectividade de dispositivos.

O Wiimote permitia que você levasse seus Miis. O Wii U já se conectava com o 3DS para várias funcionalidades. Os Amiibos armazenam dados de jogo que você pode usar no console de outros amigos. O 3DS se conecta pela internet com outros 3DS’s e faz conexão local sem precisar de uma rede. Tudo isso reforçando coisas que além de atenderem ao público hardcore, atraem potenciais jogadores.

“Nintendo Switch vai morrer na praia”

Cara, se você ainda acha isso a essas alturas, saiba que os analistas de mercado concordam com você. O que significa que, você adivinhou, você está errado. Do seu lado estão os analistas, que não conseguem prever venda de consoles com precisão desde o Master System.

O Nintendo Switch, agora sofrendo a enxurrada usual de críticas desses analistas especializados – que só tem emprego porque a mídia especializada paga eles, e nós já sabemos como funciona a mídia especializada de jogos eletrônicos… -, está se preparando para ser a súmula dos conceitos de portabilidade e socialização da Nintendo. Ele é um console hibrido entre um portátil e um console de mesa. Existem grandes chances da Nintendo não só usar o Switch pra reatar os laços com as third parties, como ela já sinalizou que fará, como também para unificar as suas linhas portáteis e de mesa. Ou seja…

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O Switch não é só o sucessor do Wii U. Ele também é o sucessor do 3DS.

Caso isso aconteça, veremos não só na telona da TV, mas também na telinha, títulos que fazem um sucesso imenso. Imagina jogar Monster Hunter com outros amigos numa tela grande. Puta merda. 

“MAS XIMENES, AÍ A NINTENDO VAI ESTAR COMPETINDO COM ELA MESMA. A NINTENDO VAI FALIR. GG. ACEITA.”

Não, marmotinha. Não vai. O Kimishima já informou que acredita que o 3DS e o Switch podem e vão coexistir durante um bom tempo. Essa transição pretendida pela Nintendo não vai ser conduzida de maneira ignorante. Ela vai ser feita gradualmente, com revisões fortes e ajustes de curso dependendo de como rolarem as vendas e a recepção do público.

“ATÉ OS INVESTIDORES VENDERAM AS AÇÕES DA NINTENDO DEPOIS DO ANÚNCIO DO SWITCH.”

E desde quando investidores são termômetro pra alguma coisa, porra? Se dependesse dos investidores, eles iam querer que a Nintendo se focasse em mobile, que é a vaca leiteira da moda. Quem tem que estar otimista com o console são os desenvolvedores que vão fazer os jogos que você vai jogar, e segundo o relatório State of the Games Industry 2017 da GDC eles estão. 

Com o 3DS tendo vendido mais do que todos os consoles de mesa dessa geração, somando mais de 65 milhões de unidades, e a estratégia de usar jogos para smartphone como Mario Run e Pokémon GO como ferramenta de evangelização de potenciais jogadores, o Switch tem grandes chances de ser o console dominante da próxima geração. É claro que não temos certeza de nada. Mas ao que tudo indica, o cenário é promissor pra Nintendo nos próximos anos.

Se tudo correr conforme o previsto, eu quero dar risada das pessoas que venderam ações da Nintendo depois do anúncio do Switch. Confiaram nos “analistas especializados” e nos “gamers” e vão ter muito o que correr atrás.

Ah, e enquanto eu escrevia esse blog post o Malstrom fez um post sobre o Switch. Vocês deviam ler.

Guia de compras para produtos imaginários

Seja pela loja do jogo, diretamente de outro jogador ou contando com alguma forma de sorteio, a prática de vender itens que alteram o visual do jogo para o seu proprietário é bastante comum. Há quem questione qual é a lógica por trás de comprar algo que não vai lhe dar benefícios no jogo a não ser pela experiência visual, mas fica meu convite de contemplarmos o seguinte: o que faz a gente atribuir valor a um item virtual?

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SKINS.

Em objetos reais, há princípios bastante claros que determinam nossa percepção de valor em relação a um item. Utilidade: algo que vai te poupar tempo ou ser prático em várias situações do teu dia-a-dia tem um valor claro independentemente de ser um item memorável. Uma cadeira simples pode não ter nada de mais sobre ela, e tu não lembra dela durante o teu dia, mas é onde tu senta tua bunda o dia inteiro. Raridade é outro aspecto de objetos reais que é fácil de entender. Trufas ocorrem pouco naturalmente, demoram muito pra crescer, são muito difíceis de plantar consistentemente e consequentemente, acabam valendo muito.

Mas esses conceitos não se aplicam de maneira equivalente em objetos virtuais, não é mesmo? Uma skin de personagem não é propriamente útil a menos que ela te dê benefícios dentro do jogo. E tratando-se de recursos virtuais, os criadores do jogo podem replicar um item quase sem custo nenhum quantas vezes eles desejarem. Nunca vão acabar os estoques de Riven Coelhinha porque o número de quantas pode existir é quantas vezes a Riot Games quiser. É só dar um CTRL+V. A curva de oferta/demanda pouco importa pra esse tipo de item.

Então se aspectos que definem o valor de um item real não se aplicam a itens virtuais, como a gente pode fazer itens virtuais que apelam mais para o jogador?

Escassez artificial

Diamantes ocorrem relativamente pouco na natureza, são extremamente difíceis de replicar ou criar artificialmente, mas há um porém. Eles não são tão raros quanto a gente imagina. Uma única empresa controla 90% de todos os diamantes em existência, e uma grande parte deles apenas existe em estoque, para que o número de produtos vendidos deem a impressão de que se trata de um artigo raro. A história é sensacional. Exatamente por causa disso acontecem coisas bizarras como por exemplo: se tu tentar vender um diamante de volta pra uma joalheria, eles vão pagar menos de um terço do valor que tu pagou. Porque pra eles não é negócio, dada a reserva de estoque.

Os jogos que vendem skins sabem que tratando-se de um recurso virtual, o estoque dele é potencialmente infinito. As soluções que foram arranjadas consistem em gerar uma escassez desse item através dos meios pelos quais eles são obtidos. League of Legends trata disso fazendo com que algumas skins não sejam obtíveis a partir da loja do jogo, mas sejam obtidos através de baús, chamadas de skins Legado (Legacy).

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Skin “Tryndamere Reinos Combatentes” faz parte do conteúdo Legacy mas pode ser obtida em baús.
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Skins do Tryndamere disponíveis na loja do League of Legends. Não inclui conteúdo Legado.

Só pra contextualizar, a idéia dos baús é de que tu compra uma caixa que vai vir com alguma skin aleatória dentro. Pode ser a skin Legado que tu queria, ou pode ser uma porcaria que tu não faz a menor questão de ter. O negócio é que se tu tentar a sorte vezes o suficiente, inevitavelmente a skin “rara” vai sair. A quantidade de skins Legado em existência vai ser proporcional a quanta gente se prestar a gastar uma quantidade significativa de dinheito pra tentar tirar uma delas em um baú. De qualquer jeito a Riot Games embolsa uma grana.

Um ponto importante de como esse sistema é modelado é que as skins são itens pessoais e intransferíveis. Tu não pode revender ou passar skins que tu ganhou pra outra pessoa. Isso limita a existência de um mercado cinza, no qual uma skin rara poderia ser passada de mão em mão para quem der o maior lance. Dessa forma, a Riot garante que o jeito de conseguir esses itens passa por comprar baús que se revertem em lucro direto pra eles, e diminui a existência de serviços de terceiros que envolvem leilões e apostas e beiram a definição de jogos de azar, que é algo extremamente tóxico quando o público alvo do teu jogo tem menos de 18 anos.

Além da questão de raridade de uma skin em específico, ainda há a questão de expressão individual que isso representa:

Independente de ser uma skin popular, tipo as camisetas de uma loja de departamento, ou uma super-rara (ainda que a raridade seja artifial) que nem as roupas da Lady Gaga, ver seu próprio personagem dentro do jogo refletir as preferências do jogador é um exercício de individuação que é análogo ao por quê tu escolhe teu vestuário do jeito que tu escolhe. Jogar com uma skin rara para demonstrar seu status e o fato de que tu estava presente no jogo desde quando ela estava disponível pode ser importante pra ti. Jogar com uma skin podre, feia mas hilária pode ser parte constituinte do jeito que tu gosta de jogar, e tu quer mostrar isso pros aliados e adversários. A percepção de escassez pelos outros jogadores seja porque uma skin é realmente rara, pouco usada ou é característica de determinado tipo de jogador também entra na valoração.

Símbolos e a materialização do abstrato

A bíblia é com certeza um dos livros mais comuns da face do planeta. Então em termos de raridade, ela está bem no fundo da lista. Antigamente, entretanto, livros eram copiados à mão em um trabalho longo e exaustivo, normalmente conduzido por monges. Até que Gutenberg inventou a prensa móvel deu início à uma revolução onde ao invés de copiado, o conhecimento poderia ser impresso a um custo muito menor. O primeiro livro que ele imprimiu? Uma bíblia.

A Bíblia de Gutenberg. Acredita-se que 180 cópias foram impressas ao total. Hoje em dia só há 21 delas completas. O preço de uma delas é estimado em algo em torno de 25 a 35 milhões de dólares, mas nenhuma delas é vendida desde 1987, então é considerada inestimável. Fonte aqui.

Embora tenha páginas, texto, capa, e tinta, a Bíblia de Gutenberg está longe de ser só um livro. Dado o contexto histórico no qual ela foi produzida e a revolução que ela precedeu em termos disseminação do conhecimento, ela se tornou um símbolo:

O termo símbolo, com origem no grego symbolon (σύμβολον), designa um tipo de signo em que o significante (realidade concreta) representa algo abstrato (religiões, nações, quantidades de tempo ou matéria etc.) por força de convenção, semelhança ou contiguidade semântica.

É possível sim termos objetos digitais que também carreguem mais significado do que os dados que os constituem. Exemplos disso no mundo dos jogos são:

  1. Os cartuchos de ET para Atari 2600. Tido como um dos piores jogos já criados pela humanidade, o excesso de produção foi enviado para um aterro, e em Maio de 2013 foi literalmente desenterrado. Cerca de 1200 cartuchos foram desenterrados e se tornaram ícones da queda da indústria de videogames em 1983, momento histórico em que o jogo foi lançado. Hoje custam milhares de dólares em sites de leilão;
  2. Playable Teaser de Silent Hills (também conhecido como P.T.) só foi distribuído digitalmente, e em Abril de 2015, a Konami oficialmente desistiu do projeto e removeu o jogo da PSN. Quem baixou baixou. Quem não baixou não baixa mais. Sem uma maneira simples de copiar o jogo de um console para outro, um PS4 usado que tinha o jogo instalado passou a ser vendido por um preço maior que um PS4 novinho em folha.

Claro que esses exemplos são de objetos virtuais, mas que estão contidos em um receptáculo físico que está sujeito a ter seu preço influenciado por raridade também. Mas o interessante aqui é a narrativa que está contida no objeto. O mesmo pode acontecer com objetos puramente virtuais. Em um artigo da Microsoft que estuda estratégias para criar objetos virtuais mais afáveis, eles mostram que objetos virtuais que relembram uma experiência ou memória ou foram criados pelos seus portadores tem maior tendência a serem considerados especiais. Alguns jogos abusam exatamente desses sentimentos.

Em Team Fortress 2, da Valve, é possível obter itens com a qualificação Strange (estranho). Você pode ter uma Pistola Estranha, por exemplo. A idéia é que esses itens tem uma espécie de título que vai mudando conforme você realiza certas ações com ele:

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Os status do item são sempre os mesmos, mas ele muda de “título” conforme você mata inimigos com ele. Outros itens mudam de títulos por outros critérios, como quantas pessoas você curou, quanto tempo ficou invisível, etc.

Mesmo que você tenha uma arma Strange que é pior que as outras, a idéia de que ela vai ficando mais e mais “famosa” com títulos melhores conforme tu usa abre pro jogador a possibilidade de que surja uma narrativa ao redor daquele item que vai criar uma relação mais pessoal do jogador com ele, pois torna o item memorável caso ele invista em usá-lo. Counter Strike: Global Offensive também trabalha com uma idéia parecida.

“A skin que eu ganhei de presente do meu amigo”

“A arma que deu um acerto crítico em um boss quando a gente tava quase morrendo”

“O Charizard que eu herdei do meu pai”

“O primeiro pokémon que eu breedei”

Esses são automaticamente objetos memoráveis que trazem uma percepção diferente de valor pois ela se vincula diretamente com a história do jogador. Eles deixam de ser ferramentas equipáveis dentro do jogo e passam a ser símbolos de fenômenos e histórias que aconteceram dentro ou ao redor do jogo em questão.

Seja crítico, mas valorize as decisões corretas

 

Independente de se tu gosta ou não da idéia de comprar skins, eu espero que fique claro que há um trabalho enorme de pesquisa para tornar esses itens atraentes pro jogador, e que muitas vezes esse processo é o que sustenta financeiramente a equipe de desenvolvimento de um jogo sem que haja a necessidade de buscar jeitos que podem proporcionar vantagens injustas a quem pagar mais. League of Legends e Team Fortress 2 sobrevivem unicamente através da compra de itens cosméticos em sua loja.

Ao mesmo tempo, eu acredito que tenhamos que ser cada vez mais críticos com decisões que se afastam do processo de desenhar itens que possam proporcionar experiências enriquecedoras para seus jogadores, como é o caso de como Overwatch vende itens hoje em dia.

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Tu queria a skin do Bastion? AO INVÉS DISSO QUE TAL DUAS FALAS DIFERENTES PRA PERSONAGENS QUE TU NÃO USA, UM ÍCONE E UMAS MOEDINHAS QUE EU RESOLVI TE DAR POR ESMOLA?

Na contramão de tudo que foi mencionado neste post, Overwatch comercializa caixas, que nem League of Legends, mas não permite que você escolha diretamente a skin que você quiser independente da raridade dela. É tudo contando com a sorte de tirar o que tu quer. Até o dinheiro do jogo é algo que vem aleatoriamente em caixas, então se tu quiser juntar grana do jogo pra comprar algo específico, também é sorte. Se o jogo se sustentasse inteiramente sobre o modelo de microtransações seria compreensível, mas não é o caso. Além disso, elementos como as Strange Weapons de Team Fortress 2 e até mesmo a funcionalidade de dar caixas de presente para outros jogadores para criar memórias de situações entre a comunidade de jogadores não estão presentes.

Entre jogos diferentes, os jogadores criam uma expectativa de como a compra de itens virtuais deveria se dar. É o metagame do mercado de compra de skins. E quebrar essas expectativas é algo que a gente devia ser bastante crítico sobre. Outro exemplo foi o caso da Championship Riven em League of Legends. Essa foi uma skin que foi comercializada apenas durante o campeonato de 2012, e foi dada de presente para quem acertasse o resultado de TODAS as partidas do campeonato de 2015. Não preciso dizer que pouquíssima gente tinha ela. Até que em 2016 a Riot resolveu relançar a skin e deixar que qualquer um comprasse. Ainda que a versão de 2016 tivesse algumas diferenças visuais da original, o valor percebido da skin original caiu muito aos olhos de seus proprietários, deixando uma parte da comunidade irada.

Conhecer referências de como o mercado está trabalhando nesse sentido, criar expectativas e ser capaz de mantê-las de maneira coerente são os nossos desejos para vocês em 2017.

Imagens meramente ilustrativas

Ahhhh, No Man’s Sky e suas screenshots maravilhosas. Depois de um lançamento mega controverso, uma recepção terrível, reclamações formais em órgãos que controlam propaganda enganosa, entre outras reações, a Steam – loja onde o jogo está à venda – frente ao volume avassalador de solicitação de reembolsos desse jogo, percebeu que havia um problema que não era exclusivo a NMS em relação às screenshots publicadas na página do jogo:

Uau, olha essas cores, olha essa água, parece uma pintura, esse jogo vai ser um tesão!
Nope.

Muitas das screenshots não são, de fato, do jogo. São artes conceituais, ilustrações baseadas no que a Hello Games imaginava que o jogo poderia ser, ou renderizações tratadas com 3 quilos de maquiagem de um período que o jogo ainda não estava de fato “pronto”, mas que já parecia interessante para a produtora anunciá-lo. Aí a Steam se deu conta do seguinte: velho – nós temos um montão de jogos que também tão anunciados assim. Tá na hora de ser mais direto em relação ao que pode ser colocado como screenshot.

As novas diretivas da Steam instruem os desenvolvedores a evitar o uso de arte conceitual, imagens pré-renderizadas, imagens que contém prêmios ou descrições em texto do jogo, e incentivaram os desenvolvedores a incluírem material que mostre de fato como é jogar aquele jogo. 

Aqui nos escritórios da Mean Look, nossa reação a essa decisão da Steam foi: finalmente. É impressionante que tenha sido necessária uma recepção péssima como foi a de No Man’s Sky para que a Steam questionasse o que era válido do ponto de vista de promoção de um produto. Afinal de contas, antigamente era tudo mais direto, né?

Na época do Atari todo mundo era honesto

NÃO. Lógico que haviam jogos que acabavam fazendo um esquema super honesto e só botando screenshots de como o jogo era na parte de trás da caixa. Mas ainda assim, desde a época do Atari, alguns departamentos de Marketing já achavam que uma imagem parada do jogo não dava uma boa idéia de como era o fluxo de jogo. O que se movia, quais elementos eram dinâmicos, isso tudo ficava a mercê da interpretação do comprador. Então alguns jogos davam uma ajudinha:

riverraid
Resultado da análise forense do Mean Look Labs. Cadê meu reembolso? Esse jogo não tem nada a ver com o que anunciaram na E3.

Quando você está convencido de que está produzindo uma obra de arte, retratar o seu produto em um meio limitado (que é o caso de uma imagem estática) vai sempre lhe dar a impressão que esse retrato não é demonstrativo da grandiosidade do seu produto. Claro que nem todos os jogos faziam isso, mas é um exemplo de que dar uma photoshopada pra melhorar o aspecto do seu produto é mais velho que o próprio photoshop. Não é de agora que se praticam bullshots pra gerar um viés em como o comprador vai interpretar uma imagem estática do jogo.

Mas quando esse recurso é necessário para deixar claro quais elementos do jogo são dinâmicos, será que não estamos compensando uma falha de design? Será que esses conceitos não deveriam estar claros sem a necessidade de direcionar a interpretação de quem vê aquela screenshot?  Claro que na época do Atari, não se tinham muitas ferramentas pra dar esse nível de feedback fino do que está se movendo e etc. As resoluções eram muito baixas, a tecnologia ainda era primitiva, e o próprio photoshop na real era um troço meio que pintado à mão. Relembrando, o Atari 2600 é de 1977, e a versão 1 do Adobe Photoshop é de 1990, e era assim:

O tempo passou, as ferramentas de edição evoluíram, a tecnologia evoluiu, e o acesso a esse tipo de técnica ficou muito fácil. Fácil demais. Tão fácil que se chegou em um ponto onde fazer imagens lindas pra gerar um hype gigante acaba valendo muito mais a pena financeiramente do que ficar caçando o design ideal, que dispensaria edições de imagem pra parecer legal. Agora: botar o peso da decisão da Steam puramente em cima dos ombros da Hello Games e de No Man’s Sky é 1) compreensível, porque ele foi meio que a gota d’água, mas; 2) não é nada justo com outras empresas muito mais consagradas no ramo de edição de imagens promocionais.

A política nova de screenshots da Steam incentiva os desenvolvedores a trabalharem mais no aspecto do jogo como ele vai ser, o que é muito nobre. Mas também incentiva quem é mais preguiçosinho a arranjar outros jeitos de fazer as coisas terem a aparência mais interessante para o material promocional.

Quem vigia os vigias?

Tá, a nova política é “apenas screenshots não manipuladas, que mostrem como o jogo é”, certo? A diretiva geral é que as imagens sejam reproduzíveis pelo jogador, ainda que em circunstâncias extremas (rodando o jogo no Ultra-Máximo). Mas até que ponto isso vai? Quer dizer: e se eu mudar como o jogo é, pra eu poder mostrar as coisas do jeito que eu quiser?

ingamecamera
Cima: a câmera de Wind Waker que permite que você tire selfies dentro do jogo. Baixo: a câmera de Far Cry.

Se meu jogo tem uma câmera dentro dele que me permite tirar fotos de partes do jogo, nada me impede de adicionar uns filtros pra balanço de brancos, contraste, motion blur, e deixar a imagem como eu quiser. Eu posso botar filtros do instagram em cima da minha foto e publicar como uma screenshot, porque é uma cena do jogo sim, e o jogador pode reproduzi-la tirando uma foto do mesmo jeito que eu tirei. Cara, dá até pra fazer uma câmera que renderiza a cena que tu quer retratar numa resolução RIDÍCULA de boa e se demorar ainda dá pra botar uma barrinha de “revelando o filme” pra dar um sabor extra. E se meu jogo for 90% CG e 10% gameplay? Como esse tipo de coisa vai ser controlado pela Steam?

Não vai. Por isso é só uma diretriz. A Steam recomenda que os desenvolvedores ajam assim, porque desta maneira ela pode dizer “eu avisei” e minimizar o risco de ter que lidar com um caminhão de reembolsos, mas ao mesmo tempo se isenta da responsabilidade de forçar que as páginas funcionem assim. Provavelmente o que vai acontecer é que esse tipo de fiscalização vai acabar sendo feita pelos usuários da plataforma, que sempre puderam reportar um jogo com base na quebra das diretrizes da loja. No fim do dia, não tentar dobrar as regras e gerar um bom material de divulgação que é fiel ao que o jogo se propõe é um equilíbrio que vai depender da ética do responsável pelo marketing do jogo.

Daqui pra frente

Eu realmente espero que esse posicionamento da Steam seja um incentivo para os designers tornarem cada screen de seus jogos um retrato digno das suas intenções, para os desenvolvedores e technical artists usarem técnicas cada vez melhores para traduzir conceito em gameplay, e para os marketeiros selecionarem o material de forma justa e não gerar uma expectativa desalinhada com o que o jogo pretende oferecer.

Podemos ter muitos casos na indústria de jogos que beiram a propaganda enganosa, mas tem uma coisa que temos que ter orgulho pra caralho: pelo menos não somos a indústria de fast food. O que me leva a perguntar: quando exatamente que passamos a aceitar esse nível de diferença entre a propaganda e um hamburguer de verdade? O que me deixa feliz é exatamente que estamos questionando o que nos é empurrado como “meramente ilustrativo” na indústria de jogos, e me dá esperança que não vamos cair nesse papo de novo.