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“Joguinho não é esporte” é o cacete

Estamos a pouquíssimo tempo de um dos eventos esportivos mais falados do mundo. Estamos falando do EVO, um dos campeonatos de jogos de luta mais famosos em existência. Quero aproveitar o contexto e a oportunidade pra acabar de uma vez por todas com o mimimi de “eSport não é esporte” e “joguinho não vale”. Está na hora de encararmos que por mais que video-games não sejam parte constituinte da sua vida, eles podem ser levados tão a sério, e estar em um nível tão competitivo quanto o esporte mais popular do país.

A definição de esporte

Não viaja, Diogo. A definição no dicionário de esporte diz que deve haver atividade física, e esses joguinhos não tem. É que nem o papo de que xadrez é esporte, ninguém se mexe, não tem nada de competição atlética nisso.

Se o seu objetivo com esporte é ver gente malhada, realmente não vai ser muito interessante ver joguinho pra você. De qualquer maneira a associação de esporte com esforço físico pode não ser das mais coerentes: Em uma corrida de fórmula 1, embora haja desgaste físico pela força exercida no corpo do piloto, quem faz a maior parte do trabalho é o carro. Em competições de tiro ao alvo, onde se usam pistolas de ar comprimido com o coice reduzido ao máximo possível, o esforço físico exercido está essencialmente em controlar a respiração e manter as mãos estáveis. É pouco movimento, mas isso torna esses 2 esportes de segunda categoria? Xadrez, especificamente, é aceito pelo COI como esporte desde 1999 (fazem 17 anos, galera).

Podemos nos apegar à obrigatoriedade de uma modalidade esportiva interagir com o mundo real excluiria video-games de serem considerados uma modalidade esportiva. Por isso o uso do termo eSports, ao invés de simplesmente sports. Mas sem quebrar a fronteira física, não teríamos Quadribol, Rocket League ou Blitzball. E se olharmos para esses jogos e para o “esporte clássico”, podemos ver semelhanças:

TUDO QUE É ESPORTE TEM, INCLUSIVE JOGUINHO

Regras comuns

Todos jogam pelas mesmas regras. Se futebol tivesse um conjunto de regras diferentes em cada país, quando houvesse a Copa do Mundo o negócio ia ser um desastre. Cada time se preparou com um conjunto de regras em mente, e agora na hora do vamo-ver é tudo diferente. Não faz sentido. Isso é um dos pontos fundamentais da definição do que é um jogo, por sinal. As regras tem que ser conhecidas, compreendidas, e as mesmas pra todos.

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Desafio: procure as regras oficiais de calvinball

Em video-games, a grande vantagem é que as regras são garantidas pelo código. Em outras palavras, se os jogadores estão jogando com a mesma versão – o mesmo código – é garantido que eles vão estar competindo sob as mesmas regras. Exceto se tiverem escândalos de cheating ou doping, que também estão presentes em eSports.

Vem no x1

Todos os esportes – clássicos ou eletrônicos – que abordamos podem ser jogados em alto nível de performance. Amarelinha é um jogo que todo mundo conhece: é simples, a tolerância ao erro é grande (os quadrados são enormes), é curto o suficiente pra não te deixar fisicamente acabado, e longo o suficiente pra divertir crianças. Mas se dois mega-atletas competirem, eles vão jogar mil vezes sem cometer nenhum erro, até que um dos dois vai desistir porque já fazem 3 dias, e tudo o que ele quer é ver a família dele. Se os quadrados da amarelinha fossem quase que exatamente do tamanho de um pé, estivessem muito mais distantes e houvessem obstáculos no caminho, poderíamos dizer que ela poderia ser jogado em alto nível de performance. Na verdade seria algo assim:

Outro recurso bastante utilizado: em jogos onde os adversários não podem ir diretamente um contra os outros, se trazem árbitros que julgam as performances de acordo com uma série de critérios. Ginástica Olímpica, Salto Ornamental, e até mesmo Golfe são jogos onde o confronto não é direto, mas é feito com placares. Adicionar competitividade em um jogo pode ser mais simples do que parece. Donkey Kong é um video-game de um jogador. Ele tem placar. Resultado: tem um documentário de 1h40min sobre os caras que disputavam o score mais alto nesse jogo.

IMPRESCINDÍVEL VER TODO ANTES DE CONTINUAR O TEXTO.
SENÃO N TEM COMO ENTENDER MAIS NADA. LHBFSKDJIEBNSKL

Existe um documentário de uma hora e meia sobre os caras que competiam pelo recorde de maior pontuação nesse jogo. A vontade de competir em um video-game pode não vir diretamente dele incentivar isso. É fácil entender por quê pessoas competem jogando Street Fighter, mas o exemplo de Donkey Kong é fascinante pois a vontade de competir parte de uma comunidade que compartilha um gosto por aquele jogo, e possui a mentalidade de tentar ser o melhor. Qualquer jogo pode ser levado esse patamar quando há interesse por parte da comunidade. 

Emoção à flor da pele

Tem que ser interessante. Ainda que possam haver favoritismos, o esporte nos proporciona momentos onde equipes ou indivíduos se prepararam por muito tempo, e há um quê de imprevisibilidade . De início não sabemos quem vai ganhar, e mesmo que os adversários sejam os mesmos, as partidas podem ser completamente diferentes. Isso dá margem para várias narrativas emergirem de uma partida. A dominação completa de um time sobre o outro. O pior time vencer num golpe de sorte, nos moldes de Davi e Golias. Estratégia vencendo força bruta. Tudo isso é possível. Partindo pro aspecto linguístico, em alguns idiomas fica mais claro o vínculo entre a atividade lúdica e/ou esportiva e as narrativas emergentes em decorrência delas. Em inglês, “game” é jogo. “Game” também é caça (tipo caçar codorna, javali, etc). Em alemão, “Spiel” é jogo. “Spiel” também é peça (tipo peça de teatro).

Exemplo: Há não-muito-tempo em 2012 houve uma luta de MMA entre Anderson Silva e Chael Sonnen. Sonnen provocou Silva até não poder mais em uma estratégia para tirar seu adversário do sério. Independentemente de se isso é comportamento anti-esportivo ou não, a reação dos atletas e do público ao ver a troca de provocações fez com que as pessoas tomassem lados, levantou emoções de todo mundo, e fez esta ser chamada “a luta do século” por muita gente.

Silva venceu, e deixou um monte de gente com um gostinho bom de “bem feito” na boca. Mas poderia ter sido o contrário, como já aconteceu. O ponto é que esses acontecimentos mantém as pessoas engajadas emocionalmente no esporte. O mesmo acontece em video-games. Smash Bros Melee é conhecido pois sua cena competitiva é dominada por 5 jogadores, sendo que os campeões da grande maioria dos grandes torneios era sempre um deles. Os famosos Os Cinco Deuses. Aí algo interessante aconteceu: um moleque sueco que joga muito começou a provocar geral no twitter, nos fóruns online, no reddit, apostar dinheiro que ganhava de qualquer um dos top 5, e começou a ganhar reputação de “vilão”:

Tinha gente torcendo pra ele ganhar, porque os top 5 eram os mesmos há muito tempo, e o jogo precisava de mudanças. Tinha gente condenando as atitudes dele como arrogantes e desrespeitosas. Ele ganhou de todos os 5. Ele perdeu de todos os 5 também. O resultado não importa, o que importa é que ele já era chamado de “The God Slayer” (o matador de deuses). A tensão de quando ele jogava com um dos top 5 se refletia na torcida, nos narradores (que inclusive dão uma boa ajuda pra criar uma narrativa emergente interessante a partir de algo) e até no chat durante a stream dos eventos era palpável. Enquanto isso aqui no Mean Look estamos disputando o título de God Slayer Slayer, treinando fortemente para derrotar o próprio Leffen. 

Por quê não ignorar eSports

Ah, mas Diogo, não dá pra levar isso tão a sério. Mesmo que você considere isso esporte, eles não tão nem nas olimpíadas, por exemplo.

Rugby, Golf e Baseball também não. Por quê? Três grandes motivos:

  1. Interesse econômico. Futebol está nas olimpiadas porque tem um fodendo planeta inteiro que assiste, compra ingresso, camisa de time, é fanático por isso. Dá muito dinheiro pra eles terem um esporte desse calibre na lista do que vai ser competido.
  2. Logística. Uma partida de baseball leva em média 3 horas e requer um campo especial que dificilmente vai ser usado pra qualquer outra coisa que não baseball. A construção de centros de treinamento, compra de equipamento, treinamento de comentaristas, imprensa, etc para cobrir o jogo tudo é um investimento econômico que tem que valer a pena.
  3. Tradição. Atletismo tem um lugar garantido na olimpíada por causa da origem da competição. Os que entraram depois se beneficiaram dos dois primeiros fatores.

Em relação a logística, eSports estão na parte mais barata do espectro. Basta um monte de computadores ou consoles. Em relação a interesse econômico, aí é onde o negócio fica animal.  Em 2015, o total de prêmios dados em campeonatos somou mais de 64 milhões de dólares. League of Legends teve mais espectadores na final do seu campeonato do que as finais da NBA (basquete), MLB (baseball) e outros grandes torneios de futebol americano (o Super Bowl ainda não). O número de espectadores de eSports dobra a cada ano. Se estima que 747 milhões de dólares foram investidos na área em 2015. Tá rolando muita grana. A ESPN e SporTV já compraram direitos de transmissão de jogos eletrônicos.

As pessoas estão estudando, e está se criando um ecossistema riquíssimo de profissionais dedicados a fazer a área funcionar. Advogados se preparam para representar legalmente interesses de empresas, jogadores e atletas, governos estão discutindo políticas de imigração para que um eAtleta (inventei agora) possa obter um visto para comparecer a competições. As desenvolvedoras desses jogos estão se preparando para atender a demanda de pessoas que querem acompanhar seus jogos, evitando gafes de negar que seus jogos sejam transmitidos, afinal de contas pra eles isso é só lucro. É a vantagem de ser o dono da bola. Ou do jogo, no caso. Aí pra ir pras olimpíadas só falta romper a barreira da tradição.

A moral da história é: você pode até não jogar, mas não desjogue quem é jogante. Não desqualifique eSports como um ramo de segunda categoria, pois tem muita gente que leva esses joguinhos a sério. Tanto quem produz quando quem joga ou assiste. Vale lembrar que futebol e vôlei, antes de serem esportes, são jogos. E por causa de regras bem estabelecidas, uma comunidade competitiva, e engajamento emocional e financeiro, chegaram onde estão. Não negue aos outros que seus jogos favoritos possam atingir seu potencial esportivo.

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