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Star Fox Zero considerações pela sua amargura

O esquema de controles de Star Fox Zero foi amplamente criticado após seu lançamento. Em especial, vários reviewers mencionaram o fato de que controlar a nave a partir de duas câmeras diferentes – uma em 3ª pessoa na tela da TV e outra em 1ª pessoa no gamepad – era confuso, exigia dividir a atenção e gerava imprecisões enormes quando se tentava mirar em inimigos a partir da câmera que aparecia na TV.

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Mesmo cenário, duas perspectivas diferentes. Uma na TV, outra no controle. Clique para ver a imagem grande.

Seu controle não está com problema

O desalinhamento da mira não tem nada a ver com os controles do jogo. Não interessa se a mira é controlada com o gamepad, mouse, trackball, ou com o poder da mente. O tiro leva tempo até chegar no seu destino. Então mesmo que mostremos uma mira sobre o objeto que seria atingido naquela trajetória, se o alvo se mover, dá tudo errado:

Em jogos de nave – nos divertidos, ao menos – os alvos tendem a não permanecer no lugar por muito tempo. Então mesmo acertando um sistema onde o qual o tiro sempre vai bater exatamente onde você está mirando, o tempo que o tiro leva pra chegar até lá ainda permite que as coisas mudem de lugar e você acabe errando. Em jogos de tiro ou nave você está sempre estimando. É parte do desafio. Em Star Fox Zero especificamente, essa diferença é exacerbada por uma questão de perspectiva e porque você pode usar o gamepad pra mirar em objetos que estão fora da tela da TV. Fizemos um cenário 3d controlado para explicar melhor:

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Arwing apontando para seus piores inimigos: Andross, homem-cubo, mulher-esfera e o temível doutor-toróide.

O cenário tem obstáculos com formas, tamanhos e posições diferentes, e duas câmeras: uma de dentro do cockpit e outra de fora da nave, nos moldes do que tem no jogo. A mira aparece sempre a uma distância fixa da nave (que nem no jogo) e o ponto vermelho projetado sobre os objetos indica onde o tiro bateria se nada se movesse. Vamos ver como a mira o ponto de impacto se alinham em cada uma das câmeras:

Como a câmera que é vista no gamepad é alinhada com o cockpit da nave, o tiro sempre sai retão, a partir da perspectiva do jogador, e não tem erro. Vamos ver como fica na camera de fora da nave, equivalente a imagem que se vê na TV em Star Fox Zero:

Aqui fica claro que quanto mais acentuado o ângulo no qual a nave está mirando, e quanto mais distantes os objetos estão da posição da mira, mais “fora-do-lugar” a mira parece estar. Mas novamente, como comentamos, estimar o trajeto, velocidade e posição dos seus alvos é parte da dificuldade do jogo. Isso se mantém fiel aos jogos anteriores da série, que também tinham esse problema de alinhamento da mira pelo fato da câmera do jogo não estar necessariamente alinhada com a nave:

Uééé, o 64 também tá com a mira desalinhada?
Uééé cadê a mira da versão do SNES?

Atenção dividida: Dando Barrel Rolls na vida real

Em múltiplos segmentos do jogo, especialmente em lutas contra os chefões de cada fase, o jogador tem que mirar em objetos que não estão mais aparecendo na tela da TV. Isso faz com que ele tenha que olhar para a tela do gamepad, onde ele pode usar a mira que está alinhada com o cockpit da nave, e virar sua metralha de lasers na direção que ele precisa pra acertar o alvo. Aí enquanto ele está atirando, um elefante cibernético voador se mete na frente da trajetória da nave dele, e enquanto ele está olhando pra telinha do controle, mirando calmamente, ele toma um tranco que não vai deixar a seguradora de Star Fox feliz.

O jogo te obriga a dividir atenção entre as duas câmeras, e ter que gerenciar as duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo com controles responsivos, a necessidade de trocar constantemente entre as perspectivas confunde bastante o jogador. Quando alguém está prestes a ficar confortável com uma das câmeras, é necessário trocar para a outra. Se a troca de atenção fosse menos frequente, não sentiriamos tanto que “os controles são esquisitos”.

Entretanto se o jogo assumisse o controle da nave enquanto você está atirando, ou se nos segmentos onde a mira é necessária houvessem menos obstáculos no cenário, por exemplo, não haveria necessidade alguma da segunda tela do Wii U, e como o pessoal da própria Nintendo já falou, Star Fox Zero foi um jogo que eles queriam que aproveitasse todas as capacidades do Wii U.

Outra possível solução seria diminuir o ritmo do jogo, focando no aspecto de estimar bem os tiros e dando tempo para o jogador trocar de perspectiva sem o medo de bater a nave contra uma torre. Mas aí não seria Star Fox, não é mesmo? O ritmo frenético, os inimigos aparecendo e dando piruetas no maior estilo de Galaga, tudo isso ficaria apagado, sem graça. Talvez outra idéia fosse acrescentar algum tipo de indicador na tela do gamepad que mostraria algum ícone quando houvesse perigo iminente que não está visível naquela câmera:

starfoxcockpit
Ué, já tem? Essa imagem não é editada? Uéé. O jogo já faz isso? Poxa que boa idéia.

Dificuldade cumulativa

Não é difícil pilotar a Arwing usando motion-controls. Não é difícil mirar nos inimigos mesmo quando é necessário estimar a trajetória dos tiros. Não é difícil mirar em inimigos fora da tela. Mas fazer tudo ao mesmo tempo é uma proeza digna de profissionais. Prototipar e testar cada mecânica do jogo isoladamente é ótimo para garantir que elas vão funcionar, mas quando elas se juntam, a dificuldade de cada tarefa que tem que ser feita simultaneamente não se soma: se multiplica.

Há outros jogos que abusam da idéia de você ter que realizar várias tarefas, mas em geral o trabalho é dividido entre mais de um jogador, como é o caso de Guns of Icarus:

Enquanto um jogador pilota a nave, desvia de obstáculos e procura uma posição privilegiada pra chover bala nos inimigos, outro está consertando as partes da nave que foram danificadas e outro está tentando atirar nos inimigos. Cada um com um papel diferente, uma câmera diferente, e uma perspectiva que não conta com toda a informação. O desafio nesse jogo passa a ser a comunicação: um dos jogadores tem que deixar os outros cientes do que ele está vendo, e que ações têm que ser tomadas imediatamente. 

Outro jogo com uma proposta semelhante é Spaceteam: um jogo mobile onde cada membro de um time tem um pedaço do painel de controle de uma nave em seu celular. Instruções aparecem na tela, e os jogadores têm que se coordenar entre si para descobrir quem tem o pedaço do painel capaz de realizar aquela instrução.

O problema desses jogos é que eles não são Star Fox. O desafio de Star Fox Zero não é comunicação e muito menos sobre trabalho em equipe. Raposas voam sozinhas. Star Fox Zero exige precisão, habilidade de navegação, estimativa de trajetórias e divisão de atenção, habilidades de um animal-cyborg parte do esquadrão mais eficiente da galáxia. Os controles funcionam. O jogo exige bastante (tá longe de um Ikaruga da vida) e se você não está acostumado pode ser complicado, mas é bem divertido. Se você ainda não gostou, tudo bem, talvez não seja o jogo pra você. Mas se você ainda acha que os controles são ruins, ou que as câmeras são mal-feitas, e se recusa a continuar jogando por isso, só há duas possibilidades: ou você é ruim, ou é jornalista da Polygon.

“Joguinho não é esporte” é o cacete

Estamos a pouquíssimo tempo de um dos eventos esportivos mais falados do mundo. Estamos falando do EVO, um dos campeonatos de jogos de luta mais famosos em existência. Quero aproveitar o contexto e a oportunidade pra acabar de uma vez por todas com o mimimi de “eSport não é esporte” e “joguinho não vale”. Está na hora de encararmos que por mais que video-games não sejam parte constituinte da sua vida, eles podem ser levados tão a sério, e estar em um nível tão competitivo quanto o esporte mais popular do país.

A definição de esporte

Não viaja, Diogo. A definição no dicionário de esporte diz que deve haver atividade física, e esses joguinhos não tem. É que nem o papo de que xadrez é esporte, ninguém se mexe, não tem nada de competição atlética nisso.

Se o seu objetivo com esporte é ver gente malhada, realmente não vai ser muito interessante ver joguinho pra você. De qualquer maneira a associação de esporte com esforço físico pode não ser das mais coerentes: Em uma corrida de fórmula 1, embora haja desgaste físico pela força exercida no corpo do piloto, quem faz a maior parte do trabalho é o carro. Em competições de tiro ao alvo, onde se usam pistolas de ar comprimido com o coice reduzido ao máximo possível, o esforço físico exercido está essencialmente em controlar a respiração e manter as mãos estáveis. É pouco movimento, mas isso torna esses 2 esportes de segunda categoria? Xadrez, especificamente, é aceito pelo COI como esporte desde 1999 (fazem 17 anos, galera).

Podemos nos apegar à obrigatoriedade de uma modalidade esportiva interagir com o mundo real excluiria video-games de serem considerados uma modalidade esportiva. Por isso o uso do termo eSports, ao invés de simplesmente sports. Mas sem quebrar a fronteira física, não teríamos Quadribol, Rocket League ou Blitzball. E se olharmos para esses jogos e para o “esporte clássico”, podemos ver semelhanças:

TUDO QUE É ESPORTE TEM, INCLUSIVE JOGUINHO

Regras comuns

Todos jogam pelas mesmas regras. Se futebol tivesse um conjunto de regras diferentes em cada país, quando houvesse a Copa do Mundo o negócio ia ser um desastre. Cada time se preparou com um conjunto de regras em mente, e agora na hora do vamo-ver é tudo diferente. Não faz sentido. Isso é um dos pontos fundamentais da definição do que é um jogo, por sinal. As regras tem que ser conhecidas, compreendidas, e as mesmas pra todos.

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Desafio: procure as regras oficiais de calvinball

Em video-games, a grande vantagem é que as regras são garantidas pelo código. Em outras palavras, se os jogadores estão jogando com a mesma versão – o mesmo código – é garantido que eles vão estar competindo sob as mesmas regras. Exceto se tiverem escândalos de cheating ou doping, que também estão presentes em eSports.

Vem no x1

Todos os esportes – clássicos ou eletrônicos – que abordamos podem ser jogados em alto nível de performance. Amarelinha é um jogo que todo mundo conhece: é simples, a tolerância ao erro é grande (os quadrados são enormes), é curto o suficiente pra não te deixar fisicamente acabado, e longo o suficiente pra divertir crianças. Mas se dois mega-atletas competirem, eles vão jogar mil vezes sem cometer nenhum erro, até que um dos dois vai desistir porque já fazem 3 dias, e tudo o que ele quer é ver a família dele. Se os quadrados da amarelinha fossem quase que exatamente do tamanho de um pé, estivessem muito mais distantes e houvessem obstáculos no caminho, poderíamos dizer que ela poderia ser jogado em alto nível de performance. Na verdade seria algo assim:

Outro recurso bastante utilizado: em jogos onde os adversários não podem ir diretamente um contra os outros, se trazem árbitros que julgam as performances de acordo com uma série de critérios. Ginástica Olímpica, Salto Ornamental, e até mesmo Golfe são jogos onde o confronto não é direto, mas é feito com placares. Adicionar competitividade em um jogo pode ser mais simples do que parece. Donkey Kong é um video-game de um jogador. Ele tem placar. Resultado: tem um documentário de 1h40min sobre os caras que disputavam o score mais alto nesse jogo.

IMPRESCINDÍVEL VER TODO ANTES DE CONTINUAR O TEXTO.
SENÃO N TEM COMO ENTENDER MAIS NADA. LHBFSKDJIEBNSKL

Existe um documentário de uma hora e meia sobre os caras que competiam pelo recorde de maior pontuação nesse jogo. A vontade de competir em um video-game pode não vir diretamente dele incentivar isso. É fácil entender por quê pessoas competem jogando Street Fighter, mas o exemplo de Donkey Kong é fascinante pois a vontade de competir parte de uma comunidade que compartilha um gosto por aquele jogo, e possui a mentalidade de tentar ser o melhor. Qualquer jogo pode ser levado esse patamar quando há interesse por parte da comunidade. 

Emoção à flor da pele

Tem que ser interessante. Ainda que possam haver favoritismos, o esporte nos proporciona momentos onde equipes ou indivíduos se prepararam por muito tempo, e há um quê de imprevisibilidade . De início não sabemos quem vai ganhar, e mesmo que os adversários sejam os mesmos, as partidas podem ser completamente diferentes. Isso dá margem para várias narrativas emergirem de uma partida. A dominação completa de um time sobre o outro. O pior time vencer num golpe de sorte, nos moldes de Davi e Golias. Estratégia vencendo força bruta. Tudo isso é possível. Partindo pro aspecto linguístico, em alguns idiomas fica mais claro o vínculo entre a atividade lúdica e/ou esportiva e as narrativas emergentes em decorrência delas. Em inglês, “game” é jogo. “Game” também é caça (tipo caçar codorna, javali, etc). Em alemão, “Spiel” é jogo. “Spiel” também é peça (tipo peça de teatro).

Exemplo: Há não-muito-tempo em 2012 houve uma luta de MMA entre Anderson Silva e Chael Sonnen. Sonnen provocou Silva até não poder mais em uma estratégia para tirar seu adversário do sério. Independentemente de se isso é comportamento anti-esportivo ou não, a reação dos atletas e do público ao ver a troca de provocações fez com que as pessoas tomassem lados, levantou emoções de todo mundo, e fez esta ser chamada “a luta do século” por muita gente.

Silva venceu, e deixou um monte de gente com um gostinho bom de “bem feito” na boca. Mas poderia ter sido o contrário, como já aconteceu. O ponto é que esses acontecimentos mantém as pessoas engajadas emocionalmente no esporte. O mesmo acontece em video-games. Smash Bros Melee é conhecido pois sua cena competitiva é dominada por 5 jogadores, sendo que os campeões da grande maioria dos grandes torneios era sempre um deles. Os famosos Os Cinco Deuses. Aí algo interessante aconteceu: um moleque sueco que joga muito começou a provocar geral no twitter, nos fóruns online, no reddit, apostar dinheiro que ganhava de qualquer um dos top 5, e começou a ganhar reputação de “vilão”:

Tinha gente torcendo pra ele ganhar, porque os top 5 eram os mesmos há muito tempo, e o jogo precisava de mudanças. Tinha gente condenando as atitudes dele como arrogantes e desrespeitosas. Ele ganhou de todos os 5. Ele perdeu de todos os 5 também. O resultado não importa, o que importa é que ele já era chamado de “The God Slayer” (o matador de deuses). A tensão de quando ele jogava com um dos top 5 se refletia na torcida, nos narradores (que inclusive dão uma boa ajuda pra criar uma narrativa emergente interessante a partir de algo) e até no chat durante a stream dos eventos era palpável. Enquanto isso aqui no Mean Look estamos disputando o título de God Slayer Slayer, treinando fortemente para derrotar o próprio Leffen. 

Por quê não ignorar eSports

Ah, mas Diogo, não dá pra levar isso tão a sério. Mesmo que você considere isso esporte, eles não tão nem nas olimpíadas, por exemplo.

Rugby, Golf e Baseball também não. Por quê? Três grandes motivos:

  1. Interesse econômico. Futebol está nas olimpiadas porque tem um fodendo planeta inteiro que assiste, compra ingresso, camisa de time, é fanático por isso. Dá muito dinheiro pra eles terem um esporte desse calibre na lista do que vai ser competido.
  2. Logística. Uma partida de baseball leva em média 3 horas e requer um campo especial que dificilmente vai ser usado pra qualquer outra coisa que não baseball. A construção de centros de treinamento, compra de equipamento, treinamento de comentaristas, imprensa, etc para cobrir o jogo tudo é um investimento econômico que tem que valer a pena.
  3. Tradição. Atletismo tem um lugar garantido na olimpíada por causa da origem da competição. Os que entraram depois se beneficiaram dos dois primeiros fatores.

Em relação a logística, eSports estão na parte mais barata do espectro. Basta um monte de computadores ou consoles. Em relação a interesse econômico, aí é onde o negócio fica animal.  Em 2015, o total de prêmios dados em campeonatos somou mais de 64 milhões de dólares. League of Legends teve mais espectadores na final do seu campeonato do que as finais da NBA (basquete), MLB (baseball) e outros grandes torneios de futebol americano (o Super Bowl ainda não). O número de espectadores de eSports dobra a cada ano. Se estima que 747 milhões de dólares foram investidos na área em 2015. Tá rolando muita grana. A ESPN e SporTV já compraram direitos de transmissão de jogos eletrônicos.

As pessoas estão estudando, e está se criando um ecossistema riquíssimo de profissionais dedicados a fazer a área funcionar. Advogados se preparam para representar legalmente interesses de empresas, jogadores e atletas, governos estão discutindo políticas de imigração para que um eAtleta (inventei agora) possa obter um visto para comparecer a competições. As desenvolvedoras desses jogos estão se preparando para atender a demanda de pessoas que querem acompanhar seus jogos, evitando gafes de negar que seus jogos sejam transmitidos, afinal de contas pra eles isso é só lucro. É a vantagem de ser o dono da bola. Ou do jogo, no caso. Aí pra ir pras olimpíadas só falta romper a barreira da tradição.

A moral da história é: você pode até não jogar, mas não desjogue quem é jogante. Não desqualifique eSports como um ramo de segunda categoria, pois tem muita gente que leva esses joguinhos a sério. Tanto quem produz quando quem joga ou assiste. Vale lembrar que futebol e vôlei, antes de serem esportes, são jogos. E por causa de regras bem estabelecidas, uma comunidade competitiva, e engajamento emocional e financeiro, chegaram onde estão. Não negue aos outros que seus jogos favoritos possam atingir seu potencial esportivo.

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Link para tirinha original na imagem

 

 

Todos Saúdem os Senhores Robô

Os computadores vão criar consciência própria e assumir controle total de pelo menos 80% das nações até 2143. Escrevam o que eu estou dizendo. Vou explicar meu raciocínio todo que me leva a essa conclusão e qualquer um, mesmo leigo no assunto, vai concordar comigo no final das contas.

Tudo começa com uma historinha que explica bem como o que hoje conhecemos por inteligência artificial funciona.

O Quarto Chinês

Dentro de um quarto fechado tem alguém que possui um guia infinitamente grande de todas as possíveis frases que alguém pode falar em chinês (ok, mandarim, que seja), e respostas apropriadas a essas frases. Um cara que fala mandarim fluentemente escreve algo em um pedaço de papel e passa por debaixo da porta. Após alguns minutos, outro papel volta com uma resposta apropriada escrita também em chinês. Mesmo que a pessoa dentro do quarto não faça a menor ideia do que esteja fazendo, e só esteja procurando as frases no seu super-guia e copiando os ideogramas, para todos os efeitos parece que ela fala chinês.

Quando um computador assume comportamentos inteligentes, ele também não faz a menor ideia do que está acontecendo. Ele está associando a situação que ele percebe com algo que ele julga como “uma resposta adequada”, nos mesmos moldes da historinha acima.

Em uma observação interessante: nem quem é da área sabe ao certo o que está acontecendo em relação a como a máquina cria essas associações. Inteligência artificial por redes-neurais, um dos métodos usados pra criar esse efeito de super-guia, é um dos mais difíceis de depurar.

Ah, mas Diogo, tu está considerando um super-guia infinito de conhecimento nesse teu raciocínio, não tem como ter isso. Bom, armazenar informação é algo que se torna cada dia mais barato. Vamos relembrar que um disquete antigamente guardava 1.44MB de dados, e hoje em dia o pendrive mais vagabundo da história guarda 8GB (quase 5700 vezes mais). A técnica do super-guia é tão factível que já é aplicada por coisas com as quais você interage diariamente:

O Google Translate pode a partir de várias traduções tentar chegar em uma frase que se aproxima muito bem do significado que você quer, e isto é bastante inteligente. Mas e se a gente pedisse pro google translate traduzir uma linguagem esquecida, algo que sequer nós humanos conseguimos traduzir?

IA Específica vs. IA Geral

Não. O programa do Google Translate é baseado no super-guia, certo? Então se estamos tratando de uma linguagem que ninguém conhece, ela não pode estar no super-guia. Mas já houveram ocorrências em que programas bolados para tentar encontrar padrões em dados não-organizados já descobriram regras gramaticais em linguagens perdidas. É o mesmo tipo de programa que analisa genomas. Ele percorre uma cadeia imensa de AUTACGTAAUCG e compara com a informação que ele conhece do portador daquele DNA, e começa a descobrir coisas tipo: toda vez que aparece TACG aqui nesse trechinho da cadeia de DNA, o sujeito é uma mulher. 

AHÁ! O computador aprende essa regra e agora podemos aplicar isso em várias outras coisas. O computador está se auto-ensinando regras novas conforme ele avança, parecendo ficar mais esperto. Só que não é um “AHÁ”. A cada cadeia de DNA que respeita esse comportamento, ele aumenta a sua tendência a adivinhar que o sujeito é mulher. Pouco a pouco, a associação entre aquele montinho de proteínas e o fato de que trata-se de uma dama vai se fortalecendo. Quando digo auto-ensinar, não é que o programa está se reescrevendo e mudando seu próprio comportamento. Ele aumenta a sua predileção por vincular um conjunto de informações com uma resposta. A resposta vai ficando mais e mais “adequada” no entendimento dele. De maneira simplificada, em um programa que joga xadrez, com base na avaliação do tabuleiro contra todo o super-guia de possibilidades de jogadas que ele tem, isso acontece:

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Arnold humano contra Arnold T-800 cheio de inteligência artificial na partida de xadrez do século

Eventualmente, se a máquina se depara com uma situação que ela não conhece, ela vai tentar executar uma jogada, e vai passar a monitorar quanto sucesso ela tem ganhando jogos usando essa jogada. E aí ela entra pra estatística, aumentando a predileção do programa por uma jogada ao invés de outra:

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Arnold T-800 lidando com situações de jogo que ele não conhece

O problema é que as regras novas que ele se auto-ensina são específicas ao domínio de problemas que ele está tentando resolver. O programa do genoma de reconhecimento de padrões pode ser muito similar a um programa que identifica rostos, por exemplo. Mas pedir pro programa do genoma olhar pra vários rostos e tentar reconhecer pode ser como jogar uma chave de boca dentro do mecanismo inteiro. Isso porque daqui a pouco ele vai começar a misturar o que ele já conhece com a informação nova, e vão surgir resultados bizarros como tu jogar uma sequência de DNA pra ser avaliada pelo programa e ele responder ESSA É A CARA DA MARCINHA, SEM DÚVIDA.

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O Deep Dream da Google é um programa que teve as associações de várias formas geométricas com o conceito de “cachorro” reforçadas além da conta.

Para que a skynet domine o mundo, precisamos de um tipo de inteligência artificial que seja aplicável em qualquer área de conhecimento. Algo não-específico. Uma inteligência geral. Tem que ser um computador fodão que consiga entender linguística, economia, informática, balística, psicologia, física, astronomia, e especialmente Street Fighter. Ninguém domina o mundo sem saber jogar de Bison.

 

O que é necessário para fazer a Skynet

Já sabemos sobre a inteligência geral. Mas mesmo que assumíssemos que isso é factível (spoilers: tamo longe), o que mais um computador precisaria ter para subjugar a raça humana? Se minha uber-inteligência está rodando numa máquina que está só plugada numa conexão da Vivo, provavelmente o estrago não seria muito grande, certo? No máximo ela ia mandar uns spams do Príncipe Nigeriano. Ela precisaria:

Ampliar seu escopo de ações

Isto é: uma máquina que só sabe enviar e receber mensagens via internet precisaria aprender a ganhar controle sobre coisas que a permita fazer mais que isso. Digamos: mandar uma carta pelo correio. Passar um fax. Dirigir um veículo. Invadir outro computador. Ela precisaria ampliar ainda mais o conjunto de inteligências específicas que ela precisa ter. Trata-se de uma máquina que não apenas se reprograma: ela precisa criar inteligências artificiais que a ajudem a resolver esses problemas.

Ser imparável

Se nossos suseranos cibernéticos tiverem um botão de “desliga” eles não são muito ameaçadores. A skynet teria que ser absolutamente indestrutível. Rodar em todas as máquinas do mundo, ter um suprimento de energia inesgotável, possuir máquinas que são feitas de materiais indestrutíveis. Conseguimos imaginar isso muito facilmente por causa de Exterminador do Futuro e Matrix.

Ser Onisciente

Ter acesso a todas as informações do passado e presente (e a partir disto ser capaz de prever o futuro com algum grau de certeza), para todas as áreas que sejam relevantes para sua existência. Como vocês devem imaginar pela linha de raciocínio que temos até agora, as áreas relevantes são TODAS. Tudo é útil pra uma máquina que planeja dominar o mundo. Tanto o super-guia quanto o programa do genoma melhoram suas capacidades conforme eles têm acesso a uma quantidade mais diversa de informações naquele campo. O mesmo valeria para uma inteligência artificial de escopo geral.

Um modelo da realidade

A máquina precisa ser capaz de montar um modelo de como a realidade que ela quer afetar funciona. O que é um sólido? O que é chão? Como andar? Se uma borboleta bater as asas em uma ilha do pacífico, isso pode causar um furacão em Papua Nova Guiné? Entender o comportamento do universo em que estamos inseridos é fundamental para usar isso ao seu favor na sua busca pela dominação universal.

O “ampliar seu escopo de ações” tem outro nome. Onipotência. Estamos falando de uma entidade Onipotente, Onisciente e indestrutível. Parece familiar? É fácil entender por quê o conceito de um programa que não temos total entendimento de como funciona atingir um estado de existência quase divino nos amedronta e nos fascina. É por isso que quando o buzzfeed escreve um post sobre como os robôs vão dominar o mundo e nos manter em cativeiro, sobre como todos nós vamos perder o emprego e todas as atividades vão ser exercidas por robôs, há tantos compartilhamentos e curtidas. É um assunto que mexe muito fundo conosco. 

O que acaba passando batido é que se algum ser humano conseguir concretizar qualquer etapa dessas que estamos comentando, ele não vai precisar de uma inteligência artificial para ter um controle gigantesco sobre a população. Se, por exemplo, alguém escrever um programa que escreve programas (não precisa nem ser inteligência artificial ainda), essa pessoa vai ficar tão bilionária, vai ter tanto país implorando pra fazer uso dessa tecnologia, que ela já vai ter o mundo em suas mãos. Se alguém conseguir montar um modelo preciso e completo da realidade, ainda que a longo prazo, seria possível provar que o universo é deterministico, não há entropia e então prever todos os acontecimentos futuros. Pensa em quanta gente não daria a vida por esse tipo de poder. O mesmo vale pra alguém que inventar algo que simplesmente não pode ser destruído. Vamos ter overlords humanos antes de ter overlords robôs.

Consciência

Ainda que todos os requisitos sejam preenchidos e finalmente sejamos exterminados, é provável que a máquina não faça a menor idéia do que ela está fazendo. Ela só está fazendo um monte de associações com base nas informações que ela tem e fornecendo a resposta que ela julga mais adequada. Quando dizemos que uma máquina se tornaria auto-consciente, o problema é definir o que entendemos por consciente. Se ela aparenta entender os valores da realidade na qual ela está inserida, parece tomar decisões em cima disso e entender se as consequências de seus atos levam aos objetivos que ela quer atingir, ela parece consciente. Da mesma maneira que o fulano do Quarto Chinês parece falar mandarim fluentemente.

O interessante é pensar como encaramos a nossa própria definição de consciência no que diz respeito a essência vs. aparência. Pode-se argumentar que uma máquina jamais seria capaz de ser consciente pois ela estaria apenas emulando a percepção e entendimento de si mesmo e de seu ambiente através de uma série de efeitos que fazem ela te dizer isso, mas isso não seria o suficiente para provar, de fato, que ela é consciente. É uma discussão bem complexa.  Entretanto, nossa própria consciência é causa de uma série de efeitos químicos e biológicos que fazem com que nos percebamos conscientes. A gente não sabe definir direito o que constitui consciência, enquanto programar é exatamente o ato de descrever um comportamento em uma linguagem formal e sem espaços para ambiguidades de maneira boa o suficiente para que uma máquina consiga reproduzi-lo. Talvez entender como a nossa própria consciência é construída seja o primeiro passo para poder modelar um sistema que possa ter uma inteligência artificial geral.

Ah, mas Diogo, e se dentre as áreas de conhecimento que a máquina puder aprender estiverem Ética e Filosofia?

Aí entra o Teorema Fundamental de Diogo Ribeiro sobre Inteligência Artificial e Overlords Robôs:

Qualquer inteligência artificial que começar a tentar entender filosofia vai perder tanto tempo tentando desvendar os milhares de paradoxos e mistérios que ela inclui que nunca mais vai sair dela, se tornando – para todos os efeitos – inútil na perspectiva da dominação mundial.

Já pensou o teto que é uma máquina com um modelo completo da realidade batendo na idéia de que uma flecha nunca vai atingir o alvo pois ela primeiro tem que percorrer a metade do caminho até ele? E depois a metade do caminho até a metade? Ou tentando decifrar a real natureza da frase “esta frase é falsa“?

Previsões

A parte mais fácil de prever o futuro é escrever uma previsão. Qualquer idiota lança uma previsão. Os grandes oráculos já sabiam que se a gente tentar adivinhar algum fenômeno várias vezes, eventualmente ele vai acontecer. Afinal de contas estamos no quê? No quadragésimo apocalipse que Nostradamus previu? (Acabo de descobrir que é meu 41o já. Confere aqui). Daqui a pouco elegem Bolsonaro pra Presidente da República, aí rola. Escrever previsões é fácil. O ponto é que ninguém tem pista alguma de se e quando isso pode acontecer. No máximo existem estimativas em relação a quando teremos poder computacional suficiente para podermos realizar alguma dessas tarefas.

Mais recentemente, houve uma emergência de pessoas que se auto caracterizam “futuristas” ou praticantes de “futurismo” que se especializa exatamente em fazer projeções educadas de se e quando possíveis cenários de futuro como esse vão acontecer. Ray Kurzweil, da Google, sendo o mais proeminente. Na minha opinião:

  1. Futurismo é um movimento artístico
  2. O nome do que define o que a área se propõe a fazer é futurologia
  3. Analisar tendências e procurar entender – dado o cenário atual – para onde as coisas rumam e em que ritmo, é um papel assumido por qualquer pesquisador. Não acho interessante do ponto de vista da comunidade científica que tente se criar uma categoria de pessoas que pense nesse tipo de coisa em uma perspectiva geral, sem ser especialista dos campos que está tentando FUTURAR .
  4. O único modo 100% preciso de prever tendências de futuro é construir ele. Querer que o mundo se encaixe em uma expectativa sem de fato estar investido em tornar ela realidade não significa muito e não ajuda as pessoas que estão determinadas em construir algo novo e/ou melhor.
  5. Qualquer idiota faz previsões. Veja novamente a primeira linha do post.

Claro que há avanços muito significativos na área, e cada vez mais temos resultados interessantíssimos de inteligências artificiais fazendo tarefas incríveis. A parte de “todos nós vamos perder o emprego” não deixa de ser uma realidade relacionada à evolução da tecnologia (pra quem ainda não assistiu Humans need not apply, recomendo!), mas na perspectiva de sermos governados e tiranizados por um programa que saiu de controle, tem um volume imenso de trabalho pela frente pra chegarmos lá, se é que isso é possível mesmo. Se uma máquina pode ser auto-consciente ou não é um problema muito mais de definição filosófica do que é consciência do que de como ele será implementado, e reforço o ponto de que haverão tiranos humanos antes de haverem tiranos-máquina.

Só pela diversão, nós treinamos uma rede neural com todos os textos do Mean Look (inclusive este) e geramos uma postagem de 50 frases que você pode conferir aqui e ficar mais sossegado em relação à ameaça de ser subjugado por uma máquina.

Resumindo o post:

Obrigado e passar bem, bjos de Rotom-luz.

Forças Imparáveis e Obstáculos Intransponíveis

Se Platão defende que a narrativa é a imitação da realidade e videogames são um mídia através da qual podemos retratá-las, temos de ter ferramentas para imitar fenômenos naturais. Entretanto este não é um post sobre física avançada. Vamos falar de sólidos.

Te garanto que o problema de detectar quando um objeto colidiu com outro e como proceder a partir daí é central a maior parte dos seus jogos favoritos . Parece bobo, mas o número de coisas que pode dar errado planejando como lidar com isso é assustador.

Mas não se assuste. Para ajudar a tratar todo esse terror, nós vamos contar com a ajuda do nosso mais novo mascote: digam olá para o Coliditto.

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“O abraço frio da morte te espera.”

Impenetrabilidade em Jogos

Dois parágrafos e já vamos falar de metafísica: Impenetrabilidade é uma propriedade da matéria que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no mesmo instante. Essa propriedade é o que faz com que coisas que tentem fazê-lo colidam entre si. Ainda que pareça um detalhe técnico, é um conceito tão natural para nós que quando um jogo faz isso muito mal, a quebra de expectativa em relação à realidade que conhecemos é tão grande que temos dificuldade de manter a imersão.

Quantas estrelas merece essa princesa?

Para simular impenetrabilidade de maneira simples, em geral jogos delimitam uma área ao redor do corpo sólido que chamaremos de colisor. Sem entrar em detalhes, o processo funciona de maneira simples, em duas fases:

  1. Detecção de colisões: o jogo verifica se dois objetos compartilham pelo menos um ponto de intersecção. Se sim, eles estão colidindo, se não, não estão.
  2. Tratamento de colisões: aqui rola o vulgo “Ok, bateu. E agora?”. O jogo precisa decidir o que fazer com os objetos que estão colidindo. Podemos, por exemplo voltar um dos objetos até o último instante onde eles não estavam mais colidindo, ou arrastar um dos objetos pra fora do outro até que eles não estejam mais colidindo (em geral a bola, porque acho difícil a parede ceder passagem).

Tudo o Que Pode Dar Errado Quando Você Bate em Alguma Coisa e Por quê

O processo é simples, mas muito pode dar errado. Tenho certeza que todos já têm exemplos em mente de vezes em que viram algum problema com colisões em jogos. A seguir vamos explorar alguns exemplos e especular o que pode levar eles a acontecerem. Vale notar que a bibliografia sobre como essas coisas são realmente implementadas não é muito disponível, e uma grande parte das possibilidades que vamos discutir aqui são especulativas, mas não deixam de ser um exercício interessante para entendermos como as coisas funcionam.

Super Mario 64: GOTTA GO FAST

A primeira vez que eu vi isso, meu palpite de como isso poderia acontecer foi em relação a fase de detecção de colisões. A cada instante, que em geral representa 1/30 de um segundo ou 1/60 de um segundo em jogos modernos, o jogo vai tentar movimentar Mario um pouquinho, e verificar se ele colide com algo. Há duas grandes maneiras de pensar como isso funcionaria. A primeira é chamada de colisão em espaço discreto:

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Neste caso, botamos Mario diretamente na posição pra qual ele tem que ir naquela fração de tempo, e então passamos pra etapa de detecção de colisões. Se ele estiver colidindo com a parede, o tratamento da colisão vai se encarregar de jogar o personagem pra fora dela. Parece tosco (e na real é um pouco), mas se algumas propriedades forem respeitadas, o modelo funciona. Se a distância máxima que o personagem puder percorrer em um frame for menor ou igual ao diâmetro do seu colisor, podemos garantir que não tem como ele ultrapassar aquela parede nunca. Ou seja: se o tamanho do colisor e a velocidade máxima do personagem forem fatores compatíveis, tá tudo suave.

A engine de Super Mario 64 tem colisores do tamanho certo limita a velocidade máxima de Mario, então em tese eles estariam seguros. Mas esse limite de velocidade só vale para velocidade POSITIVA. O vídeo acima usa um bug do jogo usando pulos que faz com que Mario se desloque extremamente rápido para trás. O que acontece? Poof. Vai direto através da parede.

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A segunda grande maneira de abordar as colisões arrumaria esse problema. Ela se chama detecção em espaço contínuo: antes de mover o personagem, o jogo verifica se há alguma colisão possível entre a posição atual do personagem e a posição pra qual ele quer ir. Se houver uma colisão, ele passa a informação de em que ponto isso aconteceu para a fase de tratamento.

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No tratamento ele pega a posição onde houve a colisão, e então move o personagem pra lá. Não importa quão rápido Mario se deslocasse, a colisão nunca seria ignorada. O curioso é que supostamente há um artigo publicado que explica um algoritmo que teria sido usado na engine de Super Mario 64, e ele já sugere o método contínuo. Especulamos que ele não foi implementado exatamente como é dito no artigo, o que gera o comportamento que vimos. Mas talvez esse comportamento ocorra por algum erro na fase de tratamento da colisão que acabe posicionando Mario do outro lado da parede por sua velocidade ser negativa. Fica o questionamento.

The Legend of Zelda: Ângulos Agudos

Ocarina of time começou seu desenvolvimento na mesma engine de Super Mario 64, mas segundo Miyamoto a engine foi muito alterada. Se olharmos no mesmo artigo que descreve o algoritmo de colisões de Super Mario 64, eles descrevem um método que faz com que o personagem conserve seu movimento rente a uma parede quando ele colide com ela, como se ele estivesse deslizando rente a ela.

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Quando isso acontece entre 2 paredes que formam um ângulo agudo, fica difícil determinar a posição que o personagem deve assumir após a colisão, porque cada uma das paredes vai tentar empurrar o personagem em uma direção perpendicular a elas, preservando a velocidade que ele tinha em outras direções.

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É interessante notar que há vários jeitos de ultrapassar paredes em Zelda, mas a grande maioria dele envolve paredes com ângulos agudos e alguma estratégia para ganhar velocidade suficiente para ser passado através delas (que nem vimos no exemplo de Mario).

Neste caso em específico, também é possível que o jogo só trate a colisão em relação a uma parede, ignorando a outra, o que causa o efeito de que link é jogado apenas através da parede da direita. Em geral jogos possuem um buffer de tamanho físico que determinas quantas colisões simultâneas podem ser detectadas. Se o número de colisões ultrapassar esse limite, elas são ignoradas. Talvez não seja o caso em Zelda pois a estrutura de dados que guarda informação de colisões permite que mais de um polígono seja listado como alvo de uma colisão.

Skyrim e Buffer de Foda-se

Tendo explicado o fato de que os jogos processam colisões contra um número finito de objetos, adivinha quem está verificando só a colisão contra o prato?

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Curiosamente este problema não ocorre quando se tenta colocar o prato contra uma parede côncava. Especulamos que isso se deve ao fato de que os objetos não são mais co-planares. O espaço que fica entre o prato e a parede pode ser suficiente para que o jogo passe a detectar a colisão entre o personagem e a parede.

Spooky’s Jump Scare Mansion: PARA TUDO Edition

Pra quem não conhece: é um jogo indie de horror baseado um pouco em SCP, onde você está preso em uma mansão onde por mil salas você vai ser perseguido por monstros que começam fofinhos e inocentes e terminam como bestas sanguinárias e incansáveis.

O jogo fica tenso rápido, e um dos aspectos que colabora pra isso é o seguinte: lembra que comentamos que em Super Mario 64 quando você se move rente a uma parede, ele só não deixa você entrar na parede, mas desliza você rente dela, preservando parte do seu movimento? Aqui os designers escolheram outra estratégia: o ângulo pelo qual você consegue passar deslizando por uma parede é beeeem menos tolerante:

Na primeira parte, o personagem bate no canto da quina da parede. Ele não deixa você deslizar por ela, ele PARA completamente o movimento. Você tem que ir pra trás e dar a volta naquela esquina, ou virar bastante a câmera até a ponta do cubo deixar de bater na parede. Agora: imagina você ter que gerenciar isso enquanto tem um bicho maluco querendo seu cérebro.

Logo após, o personagem tenta andar pra direita enquanto está encostado em uma parede. Ele não consegue deslizar, então começa a andar na diagonal (pra trás e pra direita). O movimento “serrilhado” resultante acontece porque quando o personagem está colado na parede, ele está tentando ir pra direita e pra trás. Pra direita ele não pode se mover pois está colidindo, mas pra trás pode. Então ele vai pra trás, e aumenta a distância dele com a parede. Quando ele vai pra direita de novo, ele bate de novo, e interrompe o movimento. Isso se repete rapidamente, mas é tudo derivado do aspecto de que o movimento é interrompido.

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É um caso onde a resposta a colisões não é fluida ou 100% agradável para o jogador, mas isso colabora muito para manter o clima estressante e aterrorizante do jogo. Às vezes uma escolha de design que não é agradável ao jogador pode funcionar caso colabore para o clima que o jogo está tentando criar.

Série Souls: Hitbox Porn (GONE SEXUAL)

Os jogos da série Souls são conhecidos por terem um combate com hitboxes tão precisas que geram narrativas emergentes de combates que o jogador vai querer documentar para mostrar pros netos, de tão épico que é o esquema:

As hitboxes são animadas, o que significa que elas mudam de tamanho, orientação e posição durante as animações do personagem. No vídeo, dá pra ver que durante a animação de ataque do personagem, ele abaixa um pouco. Esse pouco é suficiente para ele desviar por milímetros do ataque inimigo. É realmente um sistema primoroso.

Quando se trata de colisões com o terreno, os jogos da série são menos cuidadosos. Especialmente porque eles focam muito mais em te dar uma experiência de combate dinâmico, vivo e excitante do que simplesmente simular caminhadas com perfeição. No final das contas o contraste entre o sistema de colisões em combate e o de terreno é HILÁRIO:

Lembram que as hitboxes mudam de tamanho durante as animações? Quando o Fire Demon nesse vídeo toma muito dano, ele faz algumas animações para mostrar ao jogador que ele está ficando desgastado. Elas também alteram o tamanho, orientação e posição de suas hitboxes. Entretanto, o inimigo continua tentando chegar até o jogador através de um espaço onde ele não cabe. Acontece que algumas dessas animações são suficientes para que ele consiga passar pelo menos por um pedaço da parede. No final do vídeo, quando ele ergue o corpo em uma das animações de quando ele toma muito dano, o centro dele ultrapassa o topo da parede, e aí o sistema de tratamento de colisões do jogo entende que ele estava dentro do teto e agora está ultrapassando o “chão”. Na etapa de tratamento da colisão, ele é atirado pro espaço que tem acima do teto.

Smash 4: Colisão Contínua Também Dá Pau

Em jogos com muitos elementos que se movimentam, colisões no método contínuo também têm seus problemas. Nesse caso, o Mr. Saturn está querendo ir para a esquerda, e a plataforma também. Durante as fases de detecção e tratamento de colisão do Mr. Saturn não tem nada impedindo ele de se mover naquela direção, então ele se move pra esquerda e começa a cair. No mesmo instante, a plataforma vai ter sua posição e tratamento alteradas também, e quando ela tenta se mover, o Mr. Saturn que estava caindo não pode mais cair. No próximo ciclo de atualizações, ele vai tentar se mover para a esquerda de novo, e esse conflito vai se repetir.

Colisões contínuas não lidam bem com muitos objetos que se movimentam dinamicamente. Como os objetos se movimentam um de cada vez, cada um com seu ciclo de detecção, tratamento e movimento, dependendo da ordem na qual os objetos são processados os resultados finais podem ser diferentes. Prever isso e tratar antes que aconteça é uma tarefa hercúlea. E calcular as colisões de todos primeiro e depois executar todos os movimentos pode gerar situações onde dois objetos têm uma intersecção. A partir do momento que isso acontece, se torna necessário usar a etapa de tratamento do método discreto e retirar os objetos de dentro da intersecção. Se quisermos levar em conta a velocidade e peso de cada um deles, começamos a entrar em simulação de física, e não mais colisão simples. E isso é outro papo.

Conclusões

Se você acha que entrar dentro de uma parede, ficar preso no teto, ser teletransportado para o outro lado do mapa são coisas exclusivas de jogos independentes, que foram feitos por meia dúzia de malucos, meu amigo: você está enganado. Como a gente viu, até os desenvolvedores de jogos triple A estão sujeitos a isso. 

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Colisões são difíceis de acertar, ninguém está contente com isso.

Eis uma citação do Brad Hines, funcionário da Eidos sobre detecção de colisões (fonte aqui):

Colisão em video-games é uma parte de um grande e complicado conjunto de sistemas. É criado por seres humanos que são capazes de cometer erros, ou apressar trabalho, ou ter coisas mais prioritárias para fazer. O desenvolvimento de jogos geralmente é baseado em um prazo apertado e infelizmente problemas menores podem ser deixados de lado.

É um problema que não tem uma só solução, e nenhuma delas é 100% perfeita. Passa a ser um problema de onde você pode fazer concessões no seu jogo. Tanto Dark Souls quanto Spooky’s House of Jumpscares usam algoritmos de colisão com terreno que não são ideais, mas são concessões que eles fazem porque esses problemas não ficam no caminho de como eles querem que você jogue. Esse tipo de escolha de design é arriscada, mas às vezes vale mais a pena ignorar um problema menor do que ficar martelando em cima de um ponto que não é tão importante pro seu jogo.

Claro que é importante conhecer as opções e escolher a que fizer mais sentido, mas todo mundo está sujeito a uns problemas com isso. Fica com o vídeo da Bianca Velloso pra te garantir que a treta é séria até em 2016:

 

V*Bert – Post Mortem

Please try entering https://graph.facebook.com/1346298725396085/photos?fields=source,link,name,images,album&limit=12 into your URL bar and seeing if the page loads.

Temos build disponíveis para download no GameJolt aqui, onde você pode jogar o jogo exatamente como ele estava na festa, em versões pra windows, linux e mac. Detalhes: o jogo realmente não tem som, vamos explicar isso já já. Recomendamos essa playlist aqui, que tocou na festa, para dar o clima: https://soundcloud.com/arruaca/dona-ana-vorlat-ato-vi-carrot-green-no-edalo-pagao. E se você pretende jogar no browser, recomendamos firefox!

Eram oito da noite quando chegamos no local da festa, o estacionamento de uma concessionária encostada em uma avenida movimentada. Os carros tinham sido retirados e estacionados nos fundos. A equipe de organização estava saindo para tomar banho e se arrumar depois de passarem a tarde toda arrumando o labirinto – uma estrutura feita de panos semitransparentes enrolados em armações metálicas – por onde se entrava na festa.

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Diagrama do labirinto de tela na entrada da Vorlat

“Nós não podemos deixaras pessoas entrarem daqui pra lá nem daqui pra cá” disseram gesticulando com as mãos para o espaço coberto da concessionária, aquele onde atendem os clientes. “Se vocês precisarem de cabos de força e extensões falem com aquele camarada ali e tá aqui o projetor”.

Demos uma volta no local, arrastamos uma mesa com os pés bambos pra sustentar o equipamento, forramos com uma garrafa plástica amassada. Fizemos todas as conexões necessárias entre projetor, notebook e tomada. Apertamos o botão.

Projetado na parede, em letras garrafais, nosso filhote: V*BERT

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A imagem de maior resolução de todo esse blog. Contemplem.
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Uma das fases mais desorientantes do V*Bert.

Demorou mas chegou! Já postamos na página de Facebook do Mean Look sobre o nosso primeiro projeto e agora trazemos pra vocês seu post mortem.

Briefing e Premissas

O V*Bert foi desenvolvido sob encomenda e em parceria com o pessoal da Vorlat – uma festa brilhante que rola periodicamente na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. A festa contrata e expõe o trabalho de diversos performers (se encaixando nessa denominação diversos atores, artistas, designers, arquitetos, &c.), e nós seriamos um deles expondo o V*Bert. O objetivo era ter um espaço da festa onde as pessoas pudessem jogar e se divertir.

Nós tivemos liberdade criativa praticamente absoluta para desenvolver o jogo mas, como todo projeto, coletamos algumas premissas importantes – tanto na pré-produção quanto ao longo de todo o desenvolvimento, é claro – que impactaram em diversas das nossas decisões de game design:

  • A festa Vorlat já tinha uma linguagem visual própria desde suas primeiras edições, e sua sexta edição não foi diferente. O Dédalo Pagão, uma espécie de labirinto, era o tema da vez, com muito vermelho e cinza e um apelo visual extremamente afim com o Construtivismo;
  • A festa tem uma proposta importantíssima de ser extremamente democrática, sem nenhum tipo de protagonismo;
  • Como em qualquer festa haveria música alta, então o jogo precisaria ser mudo;
  • As pessoas deveriam poder aprender a jogar o jogo quase instantaneamente – o jogo, portanto, deveria ser simples e intuitivo;
  • O tempo de uma ‘partida’ deveria ser curto pra que o jogo não exigisse muito comprometimento;
  • O tempo de desenvolvimento seria bem curto – tínhamos apenas um mês e meio até a festa. Nada de projetos ambiciosos.

A partir dessas premissas, o jogo foi tomando forma.

Pré-Produção e Produção

Devido à natureza do ambiente – uma festa com uma proposta bastante lisérgica – e o nosso tempo de desenvolvimento – apenas um mês e meio – optamos por pegar um jogo simples e consagrado, modernizá-lo e explorar as suas possibilidades artísticas e mecânicas dentro da proposta da festa de maneira incremental (desenvolvemos uma feature por vez e fomos vendo o que colava com o jogo e o que ficava ruim).

O resultado foi a escolha do clássico do ATARI, Q*Bert. No original, você controla uma criatura laranja com uma tromba e Síndrome de Tourrete e deve pintar todos os espaços de um cenário cúbico – pisar neles faz com eles mudem de cor – escapando dos inimigos.

O jogo roda em tempo real, com os inimigos caminhando independente das ações do jogador, e cada um tem comportamento diferente. Em fases mais avançadas, também, o número de vezes que você precisa pisar em um espaço para que ele atinja a cor desejada aumenta.

Somando o conceito do Q*Bert às propostas da festa, começamos a escolher nossas principais referências:

  • Q*Bert – é claro;
  • FEZ – o jogo de Phil Fish, para a rotação da câmera e os gráficos em falso 2D;
  • Vertigo – o filme de Hitchcock, serviu de inspiração para o nosso dolly zoom, que vamos falar mais pra frente;
  • Imagens e técnicas gráficas psicodélicas – tie-dye, caleidoscópios, fractais, &c.

A partir dessas referências, partimos para a produção.

Produção

A produção do V*Bert foi feita de forma incremental – com diversos ciclos de desenvolvimento e teste. Fomos acrescentando mecânicas e efeitos aos poucos, vendo o que se encaixava bem no jogo e o que ficava ruim e, por último, polindo as coisas que descobríamos interessantes.

Tivemos bastante espaço para experimentação, uma vez que partimos de um modelo de mecânicas de jogo já bastante consagrado. Nossos resultados foram nos levando pé ante pé cada vez mais próximos do que veio a ser o nosso produto final.

  • Como não podíamos usar som e as pessoas da festa possivelmente estariam sob efeito de drogas pesadas (vodka, gente), nós optamos por fazer um jogo com uma sobrecarga visual bem impactante;
  • Flertamos com fazer um jogo que dependesse de ritmo, usando a batida da festa como compasso para a passagem do tempo, mas logo descartamos a idéia;
  • Ao invés disso escolhemos fazer o jogo em turnos – os personagens se moveriam apenas quando o jogador se movesse;
  • Aproveitamos a ideia de um jogo de ritmo apenas usando um tapete de DDR no lugar de um controle. Isso incentivaria as pessoas a pisarem no ritmo da música (ou não), e não as puniria caso elas não conseguissem ou estivessem alteradas demais para realiza-lo;
  • O jogo misturaria 2D com 3D, sendo feito com uma distância focal grande – deixando o jogo com a aparência de um falso isométrico. Mais tarde, acrescentamos um dolly zoom, técnica de câmera usada muito por Hitchcock, notoriamente no filme Vertigo, para dar ainda mais impacto visual distorcendo o cenário em ângulos absrudos;
  • Exploramos – e deu certo – fazer com que o cenário girasse conforme o jogador se movesse para espaços em quadrantes diferentes. Isso nos deu novas possibilidades de level design para explorar;
  • A criação dos inimigos foi bastante simples. Com exceção de um inimigo – que foi instantaneamente apelidado de Illuminati – todos os demais foram inspiração direta do jogo original.

Recepção

Do momento em que a festa abriu os portões até o momento em que a atração principal discotecou, o jogo foi disputado pelo público, chegando a ter uma mini-fila informal do pessoal esperando sua vez de tentar.

Cara, tem umas cinco horas que não vejo a tela de título. Quando alguém termina de jogar, já entrou outro.
– Daniel para Diogo

A projeção fascinava, mesmo em um ambiente distante da pista. Com 7 fases diferentes sorteadas através de uma lógica que evitava repetir seleções, era bastante frequente você ser surpreendido a menos que estivesse assistindo alguém jogar por um bom tempo. Houveram alguns frequentadores cativos da instalação que jogaram várias vezes durante o evento, sempre permitindo que quem não havia tentado tomasse a preferência. Em sua maioria as pessoas experimentavam uma ou duas vezes, e assistiam por um bom período.

A reação dos jogadores, em parte coletada por nós mesmos ao vivo e em parte nos contada pelo pessoal da Vorlat nos dias seguintes da festa, foi bem diversa. Houveram pessoas que disseram que o visual estava “uma viagem”, “muito psicodélico” e “um teto”. Outros se surpreenderam quando souberam que o V*Bert era um jogo e não uma projeção de vídeo, comum nas edições anteriores.  Outros relataram que demoraram um pouco para entender como os inimigos funcionavam, mas sanaram suas dúvidas observando outras pessoas jogarem por um tempo. Haviam interações no ambiente das pessoas se ensinando ou explicando umas para as outras como o jogo funcionava, o tornando um objeto social. A grande maioria achou bem divertido, e curtiu o complemento visual e interativo que o jogo trouxe para a festa.

Alguns comportamentos emergentes nos chamaram a atenção:

  • Jogando enquanto inventa: muitos jogaram pulando, ou em equipe, ou enquanto dançavam. O controle ser um tapete de dança permitiu que as pessoas usassem as mãos para brincar com os outros, segurar seus drinks ou inventar possibilidades de aproveitar o jogo em um ambiente de festa.
  • Esquema de controle: como no jogo original, o personagem principal anda “na diagonal” dos cubos. Ou seja, apertar pra cima no controle faz com que ele ande para o cubo superior direito em relação a posição da câmera. Com isso em mente, instalamos o tapete de dança inclinado a fim de refletir como os controles funcionavam. A primeira pessoa que visitou a instalação “arrumou” o tapete para ele ficar reto. Logo em seguida, percebendo como os controles funcionavam, alguém restaurou o tapete à posição original.
  • High scores: ao fim de uma seção de jogo, você podia colocar suas iniciais na tela de high score. Por se tratar de uma festa sem protagonismos, decidimos sempre permitir isso, independente do quão bem a pessoa foi. Surpreendentemente, ao final da festa todos os high scores eram anônimos (_ _ _ ou A A A). Atribuímos isso em parte ao controle em diagonal que dificultava um pouco o entendimento de como registrar o high score, e em outra parte a consistência das pessoas de não se importarem com “ser o fodão” em um ambiente que estimulava não-hierarquias.

Sobre a festa

Queriamos mandar um mega obrigado pra todo mundo que jogou, se divertiu e pra organização da Vorlat que nos recebeu super bem, nos manteve hidratados e concedeu um camarim onde pudemos conhecer os outros performers (QUE PESSOAL GENTE BOA, PQP). A festa toda foi linda, e a instalação foi super cuidada por todo mundo. O tapete de dança sobreviveu sem nenhuma manchinha, o computador e o projetor não foram sequer tocados, só coisa boa. E o som estava incrível.

Se ficou a curiosidade, o link da Vorlat no facebook está aqui, e saiu uma entrevista muito boa sobre a origem da festa no loft55. Abaixo vamos postar algumas imagens da festa diretamente do álbum deles no facebook (clique no link para ver o álbum todo) e um pouco do tema visual para vocês terem uma idéia:

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Onde mais o Mean Look está?

Pequena nota sobre onde/como seguir o Mean Look:

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Majora’s Mask é melhor que Ocarina Of Time

Joguei Majora’s Mask duas vezes. Odiei ele em 2001. Em 2012 ele virou meu jogo favorito de todos os tempos. O motivo? Tem a ver com o quanto um formato consegue beneficiar a história que você quer contar:

A Origem é um ótimo filme, mas seria difícil funcionar bem como uma série de TV sem ter que ficar relembrando o espectador de tudo que aconteceu nos episódios anteriores. É um roteiro complexo, difícil acompanhar sem a imersão que o cinema proporciona.

O Código Da Vinci é um bom livro, que teve uma boa adaptação para filme.  Porém fica claro que o tempo para explorar os quebra-cabeças no cinema é muito mais reduzido, porque em um filme quem dita o ritmo não é o espectador.

Pra mim, Majora’s Mask é a magnum opus do Aonuma. Se me pedissem para apontar um jogo que explora de maneira brilhante as ferramentas que um jogo oferece como maneira de contar uma história, eu diria MM sem pestanejar. Se Avatar usou tudo que o cinema 3D possibilita, esse jogo usa tudo que a mídia do jogo eletrônico pode usar pra contar sua história da maneira mais fascinante possível.

É um jogo recheadíssimo de simbolismo, reforçado de maneira sutil por várias de suas mecânicas, mas que requer uma sensibilidade e uma disposição para escutar o que o jogo está tentando transmitir que eu não tinha na primeira vez que eu joguei.

Antes de começarmos

The Legend of Zelda: Majora’s Mask é sequência direta de outro jogo da série The Legend of Zelda. Esse outro jogo foi Ocarina of Time.

Sim, o mesmo que tem notas praticamente perfeitas em quase todos os sites de análise de jogos eletrônicos, que foi cultuado por muitos mesmo em gerações de consoles posteriores como o melhor jogo já feito. A partir disso dá pra entender toda a expectativa que tinha sido criada sobre Majora’s Mask, né? Ele tinha tudo pra ser o sophomore slump dos Zeldas 3D.

É importante, portanto, que a gente fale um pouco sobre o final do Ocarina of Time, e como os eventos deste impactam no que decorrerá em Majora’s Mask.

Em Ocarina of Time o protagonista, Link, após passar por provações enquanto criança, fica preso por 7 anos em uma dimensão alternativa e volta para Hyrule já no corpo de um adulto. Ele se depara com um mundo tomado pelo caos e a restauração da ordem depende dele. É forçado a se emancipar.

Depois viajar pelo tempo entre sua infância e idade adulta diversas vezes para salvar a Hyrule do futuro de seu predicamento, a princesa Zelda o envia de volta no tempo para que ele possa viver sua infância perdida. Só que nesse processo de volta no tempo, ele não é mais um herói. Todo o caos que assolou Hyrule ainda não aconteceu. Ele viveu as responsabilidades de um adulto e cumpriu seu destino como Herói do Tempo, mas volta a um momento antes de seus feitos em um corpo de criança.

Ele foi uma lenda, mas agora é só mais um pirralho. E agora começamos a nossa jornada por Majora’s Mask.

O Início de Majora’s Mask

A primeira hora de Majora’s Mask introduz de maneira primorosa o jogador uma estrutura que vai se repetir o longo de todo o jogo, e por isso é importantíssimo que falemos dela.

Como dissemos antes, no começo do jogo Link é uma criança de 10 anos que já viajou no tempo e viveu sua vida adulta restaurando Hyrule. Já foi um herói mas, tendo voltado no tempo, todos os seus feitos estão à sua frente na linha do tempo e ainda não aconteceram. Seu heroísmo não é mais necessário, pois o plano de Ganondorf não se concretizará no futuro.

É importante entender que no começo de Majora’s Mask Link está desvinculado da sua identidade construída ao longo de Ocarina of Time. Ninguém com exceção de um único personagem sabe da jornada que ele teve em um futuro que não acontecerá nessa linha do tempo. E ele vai em busca dele. Atenção ao vídeo (não precisa assistir inteiro, só o comecinho):

Os primeiros 40 segundos são o suficiente pra ver as mensagens, mas a abertura toda é linda!

Se a ficha não caiu, é a Navi. O sonzinho dela toca logo depois que o texto para de passar. Em seguida na cena de abertura, Link encontra Skull Kid, o “vilão” da história cuja motivação você ainda não conhece, mas que hmm… bullies? Atormenta? Perturba? Enfim, toca o terror pra cima do Link. Ele está vestindo o artefato mágico do jogo, a Majora’s Mask – uma máscara amaldiçoada que amplifica o pior de sua personalidade e lhe dá poderes mágicos -, que ele usa para transformar Link em um Deku Scrub. Link enxerga sua nova forma e corre cobrindo o rosto. Depois enxerga seu reflexo na água, já transformado, e grita. Ele ainda não sabe o que o define, mas sabe que ele não é um Deku Scrub.

Após passar por alguns obstáculos, Link atravessa um corredor onde o espaço vira de ponta cabeça (ao som de uma música muito importante no jogo; vamos falar dela mais tarde). Ao final do corredor ele encontra com uma figura importante, o personagem que vai lhe explicar mais sobre sua missão: O vendedor de máscaras. Ele é um colecionador, o dono original da Majora’s Mask, e alerta link sobre os poderes dela, pedindo que Link a recupere para evitar um destino terrível.

Link então adentra Clock Town, cidade central e de Termina – a dimensão paralela de Hyrule onde a aventura se passa – e hub do jogo, iniciando sua busca pelo Skull Kid para resgatar Navi.

Impedido de deixar Clock Town pelos guardas nas saídas da cidade, Link começa sua jornada investigativa realizando missões em troca de informação. Eventualmente ele descobre que Skull Kid está no topo da torre do relógio de Clock Town, que a torre abrirá as portas superiores – que estão fora de seu alcance – três dias depois, à meia-noite, e que ele precisa chegar lá. Fazendo algumas missões e com a ajuda de um mercador Deku, ele consegue alcançar a entrada da torre do relógio. Lá ele se depara com algo mais terrível e urgente ainda do que resgatar sua amiga: o destino derradeiro de Termina – a queda da Lua.

Navi está desaparecida, o mundo vai acabar e não há nada que Link, preso ao corpo de um Deku, possa fazer para impedir. Porém, ele recupera sua ocarina – sim, a Ocarina of Time, artefato que titula o jogo anterior. A ocarina que lembra a ele que ele já salvou Hyrule em uma linha do tempo alternativa, e talvez possa fazer algo por Termina. Ele toca a Canção do Tempo, a mesma que permitiu que ele viajasse entre sua idade adulta e infância no jogo anterior, e fazendo isso ele retorna três dias no tempo e começa o ciclo novamente.

Termina foi revertida a como estava no exato momento em que Link chegou. A lua não caiu, Skull Kid ainda aguarda no topo da Clock Tower e os habitantes de Clock Town permanecem alienados do destino de seu mundo.

Link retorna para o subsolo da Clock Tower, lugar onde encontrou o vendedor de máscaras (e único lugar no jogo imune à passagem do tempo), e ele o ensina uma música capaz de curá-lo de seu predicamento: a Song of Healing, ou “Canção da Cura”. Ele então passa pelo processo que o próprio jogo chama de healing, onde ele volta a sua forma original, mas transforma sua maldição numa máscara que permite que ele volte a assumir a forma do Deku Scrub.

Recapitulando – A Estrutura do Jogo

Está acompanhando?

  • O jogo consiste de um ciclo de três dias que se repete até que o jogador consiga finalmente enfrentar o Skull Kid;
  • Durante esses três dias, todos os NPC’s vão refazer as mesmas coisas que sempre fazem, nos mesmos horários. A não ser que o jogador interfira na jornada de algum deles;
  • Das mecânicas centrais do jogo, está o processo de healing ou “cura” – com ou sem o uso da Song of Healing – no qual o jogador resgata uma máscara.

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Vamos continuar 🙂

As Máscaras e a Cura

Obter novas máscaras é parte central de Majora’s Mask. Elas conferem inúmeros poderes a Link, e interagem de maneiras diversas com o mundo à sua volta, mudando até mesmo a maneira como alguns NPCs reagem a você. Para conseguir essas máscaras é preciso ajudar pessoas que estão, externa e internamente, em conflito: o herói de um vilarejo que não resistiu ao frio intenso; um artista famoso que não pôde realizar seu último show; a dona de um rancho que está sendo roubada e não consegue se defender.

As vezes o negócio é bem sutil. Por exemplo esse cara:

Esse soldado está no meio de um círculo de pedras em uma área repleta de inimigos explosivos. Detalhe: ele está invisível. Só é possível vê-lo usando a Lens of Truth, um item que permite enxergar objetos ocultos nos cenários. É uma mecânica recorrente no jogo, não é exclusiva dessa cena, então ao mesmo tempo que é fácil ignorá-lo, é bem possível descobri-lo. Ele diz que está lá sentado a muito tempo pedindo socorro mas ninguém dá bola pra ele porque ele não é muito interessante. Se link atende o pedido de ajuda dele – dando a ele uma poção de cura, remetendo ao processo de healing pelo qual Link passa para obter a Deku Mask -, ele se sente melhor e em seu processo de healing, te dá uma máscara. Essa máscara, a Stone Mask, permite que você se torne “tão interessante como uma pedra” e, como o soldado afligido por sua ‘invisibilidade’, consiga passar desapercebido por diversos inimigos e personagens.

Seguindo nosso argumento de que no jogo, mais do que salvar o mundo, Link está em uma grande jornada para recuperar sua identidade perdida após os eventos do Ocarina of Time, ao ajudar essas pessoas a lidarem com esses conflitos, descobre um pedaço de si mesmo. Após o amadurecimento forçado e confuso do Ocarina of Time, de ter sua identidade e papel no mundo imposto pela trama do seu destino como o Herói do Tempo, agora Link deve amadurecer e descobrir quem ele é a despeito do que é esperado dele. Esse pedaço de si mesmo que link descobre nas máscaras é como as múltiplas máscaras que nós usamos em nossas vidas – criança, adulto, filho, profissional, amante, herói -, e ele pode usá-lo em forma de uma máscara mágica para progredir no jogo.

As máscaras sempre são obtidas ajudando outras pessoas. Link obtém seu arsenal a partir do outro. Ele constrói seu conjunto de máscaras a partir de como ele percebe os personagens e os ajuda. Algumas máscaras tem menos relação com a pessoa da qual ela é obtida, mas em geral o jogo faz um bom trabalho de manter o vínculo entre o personagem e máscara que ele dá bastante explícito.

Termina e o Ciclo de 3 Dias

Termina pode parecer pequeno; talvez seja menor que Hyrule, o mundo onde se passa Ocarina of Time. Mas o worldbuilding de Majora’s Mask é menos sobre tamanho e exploração de expansões de terreno, e mais sobre a descoberta de pessoas.

Em Majora’s Mask o herói está preso em um ciclo de 3 dias. O mundo é destruido por Skull Kid ao final da 3ª noite mas Link pode voltar no tempo até a manhã do primeiro dia usando a Song of Time e viver esse período novamente.

Da perspectiva de Termina, porém, todo o progresso obtido pelo protagonista durante este período é perdido quando ele volta no tempo. Você arruma um problema do mundo, chega ao final dos 3 dias, volta no tempo, e o problema do mundo está de volta. É realmente agoniante. Porém, você mantém todos os itens, e todas as máscaras que ganhou ajudando as pessoas. Você tem mais um pedacinho de quem você pode ser.

O primeiro ciclo de 3 dias é particularmente marcante, porque é neles que você é apresentado a todos os recursos de buildup do jogo. Desde o primeiro dia que Link chega em Clock Town, o hub de Termina, aparece na tela um aviso que pelas cores e disposição do texto já deixa bem clara a gravidade do assunto: 

Ainda tem bastante tempo, certo? A música que sucede o aviso é bem acolhedora, característica das cidades principais dos jogos da série:

Durante esse primeiro ciclo, Link percorre a cidade tentando realizar as tarefas sugeridas pelo vendedor de máscaras que levarão ao seu processo de cura, para que ele possa voltar a ser humano, e ganhar seus poderes de voltar no tempo até o primeiro dos 3 dias. Conforme o tempo vai passando, mais avisos da passagem do tempo vão aparecendo, lembrando a você de que um perigo iminente está se aproximando.

No terceiro dia, a música de Clock Town se distorce:

Pra melhorar, se você olhar pra cima você se depara com essa imagem, que deixa bem claro o desastre que vai acontecer quando o tempo se esgotar:

moon
O tempo está acelerado na imagem, mas sim, é uma lua com uma cara assustadora que está vagarosamente se aproximando de Termina.

A tensão é sutil, mas insidiosa; a ameaça da lua caindo sempre iminente. Há detalhes nessa aclimatação tensa do jogo que pouquíssima gente sabe. Por exemplo, o primeiro dos 3 dias passa mais rápido que os outros. Ou seja: o dia que você se sente mais tranquilo porque é o com a música mais meiga, com a lua lá longe, e com bastante tempo pra você completar uma missão é o que menos dura. O jogo faz questão de te botar na tensão do 2º dia em diante o mais rápido possível. Isso torna o clichê de estar preso na mesma sequência de eventos algo novo e brilhante. Tenho certeza que tem muita gente que já faz coleção de onde esse loop temporal aparece:

sisyphus
Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra enorme montanha acima. Quando ele completa a tarefa, a pedra rola de volta para baixo da montanha e ele é obrigado a repetir a tarefa.


everydaythesamedream
Every day the same dream, um jogo em flash que explora o mesmo conceito. Clique na imagem para jogar!

Fazer as mesmas coisas de novo e de novo é muito cansativo. Fazer um jogo legal sobre empurrar uma pedra montanha acima parece muito complicado. Mas e se a gente der algo novo pro jogador explorar a cada subida de montanha? E se o que o jogador tivesse que rolar outra coisa que não uma pedra montanha acima? E se tivessem obstáculos? E se a gente enriquecesse o ambiente onde a tarefa repetitiva é realizada e desse a possibilidade do jogador explorar rachaduras na montanha ou usar animais pra facilitar o trabalho dele? E se o jogo parecesse… menos com Sísifo… e mais com Katamari Damacy?

Majora’s Mask tem um elemento que faz esse enriquecimento do mundo onde ele se passa que complementa muito bem o fato de você ter que repetir os mesmos 3 dias várias vezes.

Os NPCs 

Os personagens que não são controlados pelo jogador são muito bem desenvolvidos neste jogo. Como Link adquire as máscaras através da interferência em conflitos de outras pessoas, é necessária uma quantidade grande de personagens com conflitos interessantes para serem resolvidos. Em cada iteração de 3 dias, Link pode acompanhar a rotina, os anseios e o que define cada personagem de Termina.

Cada personagem tem uma rotina bem estabelecida, que vai acontecendo conforme os 3 dias vão se passando dentro do tempo do jogo. Pra deixar claro: os 3 dias demoram aproximadamente uma hora em tempo real. No primeiro dia, o carteiro acorda cedo, e faz uma ronda pela cidade para entregar as cartas. À tarde ele volta para o escritório, onde você pode interagir com ele. Alguns personagens tem atividades que mudam de um dia pro outro também, e várias dessas atividades acontecem ao mesmo tempo, o que significa que acompanhar um deles em geral significa deixar de acompanhar o outro. O jogo te incentiva a fazer uma aposta, e te deixa seguro que você vai poder voltar no tempo e ver as outras alternativas caso algo dê errado.

bombernotebook
Seu calendário que mostra etapas da rotina dos personagens que você conhece. Este não está completo.

Esse volume de personagens e riqueza de suas rotinas faz com que Termina pareça um mundo mais vivo. Com pessoas que tem  motivos e preocupações assim como você. Isso faz com que cada um dos personagens seja importante. É difícil você encarar algum personagem como “ah, é só o carteiro, ele não deve ser importante na história” porque o jogo te ensina muito cedo que até o carteiro tem um papel nos eventos que se desenrolam ao longo dos três dias. 

spotthemain
Adivinha quem é o personagem principal?

O contraste entre os personagens importantes pra história e os que estão lá só para cumprir um trabalho é minimizado, e ao mesmo tempo a recompensa de conhecer um novo pedaço da história e ganhar uma máscara é boa o suficiente pra manter sua curiosidade ao decorrer do jogo. Talvez muita gente vá discordar de mim nesse ponto, já vi várias pessoas comentarem que essa necessidade de explorar todos os cantinhos é o que matou Majora’s Mask pra elas. Pra zerar o jogo da forma mais básica possível são necessárias apenas 6 máscaras.

Não é um jogo para todos; vai ver jogos que dão trabalho de terminar não são a sua praia. Claro que terminar o jogo fazendo o mínimo possível dá uma visão muito pequena do que ele tem a oferecer. É um risco grande a correr, mas que jogos atuais como Dark Souls correm confiando em uma mecânica base forte o suficiente para manter o jogador entretido e em uma narrativa boa o suficiente para mantê-lo curioso e engajado.

“AH MAS DIOGO MAJORA’S MASK NÃO TEM UMA LUTA TÃO FODA QUANTO DARK SOULS”. Não, não tem, mas Majora’s Mask é um jogo do ano 2000, apenas 2 anos depois do lançamento de Ocarina of Time. Na época, o que o jogo oferecia era o clímax do que um adventure 3D podia oferecer. Ele também não tem que ser Dark Souls pra ser um bom jogo, seu bobinho com DDA.

A Lua

Depois de coletar as máscaras e completar as quests necessárias, você está habilitado a tentar derrotar o Skull Kid: o responsável pela lua estar prestes a cair sobre Termina. E como você já bem sabe a essas alturas do jogo, para somar ao clima dramático, você só pode ir para o último mapa nos últimos instantes do 3º dia, com aquela música super bizarra e distorcida que vimos antes. Para fazê-lo, você vai até o topo da torre de Clock Town, e invoca 4 gigantes, cada um representando um espírito guardião correspondente a cada chefão que você derrotou, e eles impedem que a lua caia sobre Termina. Então você é levado para o último mapa: a própria lua.

É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.
É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.

Debaixo dessa árvore estão 4 crianças vestindo máscaras equivalentes aos 4 chefões que você derrota durante o jogo. Aí você fala com elas e, no auge da sua busca pela reconstrução da identidade de Link, elas fazem as seguintes perguntas:

Sobre os personagens de Termina:

Your friends… What kind of… people are they? I wonder… Do these people… think of you… as a friend?

Sobre o processo de cura:

What makes you happy? I wonder…what makes you happy…does it make…others happy, too?

Sobre a impermanência dos seus bons atos:

The right thing…what is it? I wonder…if you do the right thing…does it make…everybody…happy?

Sobre a sua identidade:

Your true face… What kind of… face is it? I wonder… The face under the mask… Is that… your true face?

crazymasksalesman
BOOM!

Meus amigos. Se esse não é o fechamento perfeito para todas as coisas que o jogo oferece durante as dezenas de 3 dias que você percorre, eu não sei qual é. Você derrota Skull Kid e Majora’s Mask em sua última forma, e então descobre que Skull Kid estava solitário. Achava que havia sido deixado de lado pelos 4 gigantes que na verdade eram velhos amigos dele, e em um impulso vingativo acabou querendo parar tudo isso. É uma simplificação do final, mas acho que vale.

NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH
NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH

O que mais me impressiona nesse jogo é exatamente o fato de que esses detalhes, essa narrativa que floresce conforme você interage com mais e mais pessoas de Termina e o quão evidente fica a individualidade delas, é algo que seria extremamente difícil de fazer em outro meio que não em um videogame.

Onde MM ganha?

Talvez eu diga que ele seja um dos melhores jogos que eu já joguei por estar em um período mais aberto as mensagens que o jogo tinha para me passar. Como o Daniel já disse, as expectativas que você cria antes de jogar um jogo afetam muito o que você vai absorver dele. O meu eu-de-13-anos esperava uma sequência de Ocarina of Time. Com mais pancadaria, mais lutas contra o Ganon em cima de um castelo destruído. O meu eu-de-24-anos não sabia direito quem eu era. Eu estava aberto. Disposto.

Talvez as interpretações que eu trouxe aqui sejam frutos de uma projeção dos meus problemas para as metáforas do jogo. De fato há outras interpretações do que acontece em Majora’s Mask. Uma delas, inclusive, é de que os 3 dias são um período de luto, e que o Link morreu na cena de introdução, e todos os personagens são ilusões da cabeça dele em um coma pré-morte. Pessoalmente eu acho essa teoria punhetação de Massaveyismo. Prefiro a minha. Hahahah!

O que é inegável é que Ocarina of Time foi muito inovador em termos mecânicos, mas me conta qual o drama fora do eixo link-zelda-ganondorf que mais te cativou? Majora’s Mask tem centenas. É impossível desqualificar Ocarina of Time – é um jogo brilhante, e foi pioneiro em diversas coisas -, mas a profundidade do mundo sobre o qual MM se passa ganha. Ganha em personagens carismáticos com seus próprios dramas individuais, na ambientação de desastre iminente o tempo todo, e em aproveitar todo o ferramental que os jogos eletrônicos como mídia tem a fornecer para contar uma história com uma estrutura complexa. Esses fatores são capazes de despertar interpretações que batem muito próximo do nível pessoal de cada jogador, tornando a experiência de jogar Majora’s Mask a mais visceral de qualquer Zelda.

E se você discorda ou não gostou da minha opinião…

rotomnavi
HEY LISTEN!

Vai ser tóxico assim no inferno

Se eu tivesse que adivinhar qual a proporção de pessoas que já foram tóxicas em um jogo online eu diria 99.999…%. Não porque toda a comunidade de jogadores é sempre tóxica, mas porque todo mundo tem um mau dia:

Nome do Jogador Partida 1 Partida 2 Partida 3 Partida 4 Partida 5 Partida 6 Partida 7 Partida 8 Partida 9 Partida 10
Alice   TÓXICO                
Bob               TÓXICO    
Carlos TÓXICO TÓXICO                
Daniel         TÓXICO          
Eduardo     TÓXICO           TÓXICO  
                     
Percepção que temos da partida TÓXICO TÓXICO TÓXICO   TÓXICO     TÓXICO TÓXICO  

Todo mundo eventualmente passa por um mau momento: perdeu várias vezes, brigou com chefe/amigos/família/cônjuge, e acabou descarregando a bad no chat do jogo. O problema é que quando a comunidade de jogadores cresce significativamente e os times passam a ser integrados por 10, 16 ou até 32 jogadores, a chance de um deles estar de mau humor é muito alta. Lembrando como probabilidades interagem: em um grupo de 23 pessoas, há 50% de chance de 2 delas fazerem aniversário no mesmo dia.

Ao decorrer de várias partidas de League of Legends que o time do Mean Look jogou, formamos uma crença que é reforçada a cada partida. Conforme ela foi sendo confirmada, surgiu A Teoria Fundamental da Solo Queue:

Em um jogo onde o time tem 5 jogadores, se você montar um time de 4 amigos e deixar o 5º espaço ser preenchido por alguém aleatório, a chance dessa pessoa aleatória ser tóxica é uns 50%. Se você montar um time de 5 amigos, a chance de alguém ser tóxico ainda é uns 50%.

Não é que tenhamos amigos que são bostões e tóxicos. Temos amigos que tem um emprego, que dividem o quarto com irmãos, que estão com uma infiltração no teto do banheiro porque o filho da puta do vizinho não faz nada a respeito já tem um mês. Tomara que ele morra, aquele infeliz. Opa. A idéia toda é de que ninguém está livre disso. E isso é OK, não acho que esse tipo de ofensa seja punível com banimento dos jogos onlines (até porque teríamos jogos bem pouco populosos em alguns casos).

O ponto é: se ser tóxico é algo que acontece com determinada frequência com todo mundo, existem várias nuances de toxicidade que um jogador pode exercer, e podemos determinar limiares dentro disso para determinar o que acontece com essas pessoas.

toxxplayers

A zona intermediária não é passível nem de louvor nem de banimento, mas não significa que nada possa ser feito nesse nível. Minha proposta é olharmos para um mecanismo comum a vários jogos online que pode ser usado para identificar qual círculo do purgatório aquela pessoa deve ser enviada.

Matchmaking

Em geral, jogos online que incentivam a competitividade como CS:GO, League of Legends, Rocket League, etc, têm um processo no qual tentam montar uma partida com jogadores que tem um nível parecido de habilidade. A idéia é que um desnível muito grande entre as habilidades dos jogadores que estão se enfrentando ia deixar o jogo pouco divertido para um dos lados, ou então completamente não-determinístico.

  Oponente muito experiente Oponente iniciante
Jogador muito experiente Partida interessante, cheia de viradas, surpresas e jogadas boas de fazer e assistir. Jogador ganha de goleada.
Jogador iniciante Jogador toma uma surra. TODO MUNDO APERTA TUDO QUE É BOTÃO, ACIDENTALMENTE ACERTA UM SHIN HADOUKEN E FICA RINDO POR HORAS SEM FAZER IDÉIA DE COMO FEZ.

Como isso funciona? Esses jogos em geral tem alguma adaptação de um sistema de rating como o Elo, utilizado para quantificar a habilidade relativa de jogadores de xadrez. Esses sistemas atribuem um número a cada jogador, que indica o nível de habilidade deles, e conforme eles vão jogando, esse número vai sendo calibrado para representar o nível daquele jogador de maneira cada vez mais fiel. Uma vez em posse desse número, o que o sistema de matchmaking faz é procurar grupos de pessoas que melhor atendam um critério. Esse processo é chamado de aproximação do mínimo de uma função, onde se está buscando ter um conjunto de jogadores que tenha, por exemplo, a menor diferença entre suas pontuações*. O conjunto de jogadores escolhidos não precisa ser o melhor possível, ele pode ser o melhor o suficiente para que o tempo de espera para encontrar a melhor partida hipotética não se torne insuportável.

* = Outros critérios podem ser adotados também, mas essa é uma simplificação do processo. Para quem tem interesse nos detalhes dessa ciência sórdida, tem muito, muito, muito, muito, muito material teórico sobre como essa divisão é feita, e algum material mais especializado sobre matchmaking para sistemas onde latência de rede (lag) é uma variável a ser considerada, modelos que questionam habilidade como uma variável, etc.

niveldehabilidade

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade

A parte importante aqui é que o sistema tenta obter um conjunto com a menor diferença entre a pontuação dos jogadores. Já existe um pedaço do sistema que tenta encontrar esse conjunto usando uma função que determina a diferença de score entre os jogadores. Recorrendo à matemática do segundo grau, a distância entre dois pontos em um espaço linear que descreve o Elo (ou score de habilidade dos jogadores):

d(A, B) = |EloA – EloB|

OK, estamos calculando distâncias entre os scores em uma reta. E se adicionássemos mais um eixo nesse espaço? E se adicionássemos toxicidade como um dos critérios do matchmaking? Suponhamos que além do seu ranking de habilidade, os jogadores possuíssem um número que determina o quão frequentemente eles praticam comportamento tóxico. Poderíamos modificar a função que determina a diferença de scores para calcular efetivamente a distância entre dois planos em um plano onde X representa o nível de habilidade do jogador e Y seu grau de toxicidade. A distância em um espaço bidimensional é barbada: pitágoras.

a² = b² + c²

(d(A, B))² = (EloA – EloB)² + (ToxA – ToxB

d(A, B) = sqrt((EloA – EloB) + (ToxA – ToxB))

Isso poderia alterar a melhor combinação para um determinado jogador:

eloxtox

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade e toxicidade

Podemos até acrescentar pesos diferentes para os critérios de Toxicidade e Habilidade como desejarmos. O importante é que isso poderia ser introduzido como parte do sistema já vigente, sem grandes modificações. Claro que estou generalizando e teorizando sobre sistemas aos quais não temos acesso, e isso dependeria do jogo onde isso seria aplicado mas, em linhas gerais, um modelo assim seria compatível com o caso genérico de matchmaking.

Isso faria com que quanto mais tóxico um jogador é, maior a chance dele ser colocado em uma partida com outros jogadores tóxicos. É uma tática de stealth banning já utilizada por sites como Hacker News, Reddit e Craigslist. O Matchmaking passa a criar experiências mais e mais agradáveis para pessoas que se preocupam em dar a experiencia mais agradável ao seus parceiros de equipe e adversários. Ser gente-fina passa a ser um comportamento desejável, passível de recompensa. Enquanto isso torna o jogo mais divertido para a metade menos tóxica dos jogadores, isso pode gerar um comportamento impassível de recuperação para a metade mais tóxica. Essas pessoas deixam de entrar no jogo ao invés de corrigirem suas atitudes.  Como arrumar?

Nielsen, teu povo te ama

Às vezes temos a sensação de que efetuamos nosso papel brilhantemente, mas o resto da equipe atrapalhou, causando a perda de uma partida. Mesmo quando os outros jogadores também estavam tentando cooperar tanto quanto nós. É um tipo de viés cognitivo. Para que fique clara a tendência de comportamento que o indivíduo tem no jogo, o ideal seria informar o jogador do feedback que ele vem recebendo no decorrer das suas partidas. Pode ser totalmente anônimo, e com um intervalo de alguns dias entre o feedback ser emitido e mostrado. Até para evitar que haja qualquer tipo de retaliação por uma crítica (que diga-se de passagem seria algo mega-tóxico).

Imagina que interessante, se os dados de denúncias e honrarias que você recebe de outros jogadores fossem condensados em um dashboard onde você mesmo pudesse descobrir coisas sobre seu estilo de jogo:

  • Toda vez que eu jogo em um papel de suporte, eu sou mais tóxico do que minha média.
  • Eu sou tóxico em jogos onde eu estou indo bem e meu time não.
  • 30% das vezes que eu fui tóxico, alguém estava me xingando no chat e eu fiquei respondendo.

Isso dá ferramentas para o próprio jogador enxergar como os outros o tem percebido (removendo o viés cognitivo) e para ele mesmo descobrir maneiras de como melhorar sua atitude. Não remove a necessidade de uma punição em casos pesados, mas deixa tudo mais claro. A própria Riot, empresa que desenvolve League of Legends, comenta sobre como dar transparência sobre os motivos pelos quais uma pessoa recebeu uma punição baixou muito os índices de reincidência de atitudes tóxicas. Confere aqui.

dashboard

O próprio Match History de League of Legends já melhorou muito, mas poderia trazer dados mais relacionados entre si.

Outra coisa a considerar é fazer com que o score de toxicidade do jogador caia suavemente conforme ele não recebe nenhuma denúncia. Isso também deixaria uma chance para que as pessoas não ficassem PRESAS na área bem da direita daquele gráfico lá em cima.

Tenho certeza que não é tão simples

Claro que esse tipo de sugestão envolve um trabalho de pesquisa que eu sequer tenho condições de analisar se é plausível ou não. Procurando material para esse post descobri que tem muitas empresas com bastante esforço sendo feito em cima disso. Existem peculiaridades de como essa implementação seria feita para jogos que permitem partidas com times pre-feitos, por exemplo, e também é muito difícil isolar as variáveis do que consideramos comportamento tóxico de maneira que essa triagem possa ser feita de forma automatizada. As mesmas dificuldades são apontadas para calcular o ranking de habilidade de um jogador em jogos de times. E são discutidas em papers da Microsoft, e também nesse outro paper maneiríssimo do nosso colega Nicholas Passy.

Uma coisa que ajuda muito para que esse tipo de coisa possa ser estudada/sugerida pela comunidade são jogos que expõem uma API para desenvolvedores. A Valve (DOTA2, CS:GO,  TF2, etc.) e a Riot Games (League of Legends) possuem esses serviços, mas não permitem acesso a informação de denúncias de toxicidade sobre um jogador, talvez por uma questão de privacidade. Se esses dados não fossem associados a uma conta, mas a um identificador único que fosse conhecido apenas pelo dono da conta, isso seria bastante factível e daria informações suficientes para que desenvolvedores pudessem gerar bons insights a partir delas. Com uma comunidade de fãs tão grandes, a máxima “if you build it they will come” se aplica muito forte aqui. Têm milhares de desenvolvedores que já têm idéias de como cruzar esses dados de maneiras interessantes, basta fornecer maneiras para que isso aconteça.

Por hora, não esqueçam que todo mundo tem um mau dia de vez em quando 😉

rotom_chill

CHIIIIIILL DOWN, CARAS

GameFreak Sempre Aperta B

Ou “Por Que Pokémon Podia (e Devia) Ser Melhor”

Gostaríamos de começar esse texto com um pequeno caveat: Nós adoramos Pokémon. Sério. Jogamos desde a época em que EVs eram invisíveis e Pokémons Psíquicos não tomavam dano de Pokémons Fantasma (e milhões de crianças se revoltaram com o anime). O jogo encantou nossa geração e sempre que lançam um novo, fazemos questão de jogar.

Agora que tiramos isso do caminho, podemos começar: Mesmo com todos os seus méritos, Pokémon é um jogo ruim. Ok. Não é um jogo ruim. Vamos frasear de uma maneira mais coerente.

Pokémon deveria ser um jogo muito melhor.

“Time que tá ganhando não se mexe.” você justifica. “Dá dinheiro do jeito que tá!” Não ligo. Sou usuário e desenvolvedor, não empresário. Meu dever é fazer ficar melhor. As cifras são consequência.

Do ponto de vista de desenvolvimento de jogos, é impressionante como a GameFreak é parecida com o Ash no que diz respeito a ela ter algum problema muito sério com evolução. Da mesma maneira que mesmo depois de mais de 849 episódios e 18 filmes o Ash continua com o mesmo Pikachu e tem um histórico coerente de libertar, libertarlibertar todos os seus pokémons evoluídos, a GameFreak parece padecer do mesmo mal.

magik

Isso é como Pokémon XY se parece.

Depois de 6 gerações de jogos (9, se contarmos os Remakes), ao invés de buscar mudanças construtivas e melhorias em seus jogos, a GameFreak segue uma fórmula enfadonha e repetitiva: adicionar mais pokémons. E parece que essa fonte está secando – desculpa, Klefki, você tem um design escroto.

NINGUÉM FALA DO ROTOM. O ROTOM É ÓTIMO.

rotom

VOOOSH

Além disso, cada geração herda os problemas da anterior. Eles certamente parecem se esforçar para melhorar o balanceamento do jogo – acrescentar 50 personagens novos e não quebrar o jogo inteiro não é uma tarefa fácil – mas exceto isso, o jogo fica cada vez mais carregado de probleminhas residuais.

soil

SIM, CARALHO.

Péssimos vícios de interface de usuário, artificial lengthening (breeding e hatching não precisavam ser tão demorados e repetitivos), informação complexa totalmente inacessível (sério, quando foi a primeira vez que você ouviu falar de IVs, EVs e como manipulá-los?) e, por último, e o assunto que estaremos desenvolvendo aqui: Um péssimo, péssimo level design.

Prepare-se Para Encrenca!

Quem não adorava a Equipe Rocket do anime? Eles eram fracos, trapaceiros, carismáticos e todo mundo adorava ver eles quebrando a cara.

Você sente essa mesma afeição pela Equipe Rocket dos jogos? Ou melhor, pela Team ~Rival~ da vez?

Enquanto no anime eles faziam o papel de alivio cômico, no jogo a proposta é que a Team Rival seja um desafiante forte, que interrompa a trama principal repetitiva – capture pokémons, fique forte, derrote o ginásio, repita mil vezes – com um desafio extra. A Team Rival, seja na primeira ou na sexta geração, tem o papel de ser uma força de anarquia. E eles não são.

O objetivo de um antagonista em uma história é apresentar um desafio para o jogador. Como Pokémon é sobre desafios – derrotar a Elite 4 -, nós já temos um antagonista forte, mas ele não é um vilão. O objetivo do vilão, papel que a Team Rival tenta preencher, é apresentar um conflito urgente e altruísta – diferente do egoísmo da jornada do mestre pokémon. É reforçar a vitória do bem – o herói – contra o mal – a Team Rival – e conferir um sentimento de legitimidade à jornada do jogador. Ele não está derrotando os ginásios só por motivos egoístas; ele quer ficar forte para poder defender os ideais nos quais ele acredita.

Porém, a marca da personalidade dessas equipes em todos os jogos se resume a usar pokémons “malvadinhos”, algo insinuado mais pelo seu typing (dark ou poison é quase obrigação) e design do que pelas suas estratégias. Como suas estratégias são exatamente as mesmas, eles se tornam um obstáculo ordinário, nada diferentes das multidões de Bug Catchers e Ace Trainers.

Eles carecem de personalidade e identidade. São um péssimo coadjuvante pois tentam ser vilões e são péssimos vilões pois se comportam como coadjuvantes. Sua vilania não se traduz em estratégias de combate traiçoeiras – salvo pela frequência óbvia do uso de veneno, que só se deve ao typing – ou por ações de roteiro interessantes. Ao invés da organização terrorista imoral que os outros personagens descrevem, acabam não passando de bullies de recreio.

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Quando um bom vilão ganha, você fica feliz. Quando ele apanha, também.

Ao invés de cumprir com o objetivo proposto, a Team Rival acaba se tornando apenas uma “muleta” narrativa. Sua única função é apontar qual a direção na qual o jogador deve seguir quando ele não sabe bem o que fazer. Eles não cumprem o seu objetivo de narrativa embutida, que é ser uma força emergente e atuante no mundo pokémon.

E eles são tão fracos! Da mesma maneira que não diferem de coadjuvantes em sua personalidade, eles também não oferecem nenhuma dificuldade extra ao jogador ou exigem uma nova maneira de jogar o jogo. Dando continuidade às mesmas estrategias que usava contra os desafiantes na estrada, o jogador consegue derrotar sem dificuldade qualquer um dos capangas da Team Rival.

Ou seja: o objetivo de narrativa emergente também não é cumprido.

squirtle

Então, como nós achamos que isso devia ser feito?

Encrenca em Dobro!

Um dos paradigmas de como se contar uma boa história pode ser resumido na frase “Show, don’t tell” (“Mostre, não conte”). Em jogos eletrônicos, onde o jogador encarna o personagem, a atenção a essa frase deve ser redobrada.

Tornar as atitudes e intenções da Team Rival mais malignas de maneira expositiva – fazendo com que fossem mais cruéis e trapaceiros durante a narrativa – não teria grande efeito no seu impacto caso a maneira como ela é tratada em seu gameplay permanecesse intocada. Além de tratar apenas um sintoma, isso poderia facilmente descarrilhar em um spectacle creep. Algo que deveria ser mais explorado – não só com a Team Rival da vez, mas usando-a como ótimo exemplo – é o fato de que Pokémon é um jogo estratégico.

E se toda a vez que o jogador encontrasse membros da Team Rival, eles tivessem sempre uma carta na manga? Uma trapaça, um golpe baixo, algo que lhe pegasse desprevenido e forçasse o jogador a se adaptar na hora?

Dessa maneira, ao invés de contarmos ao jogador como a Team Rival é malvada, tornando a história mais chocante, nós podemos mostrá-loAlterando o comportamento – a inteligência artificial – da Team Rival no momento em que ela se encontra em conflito direto com o jogador – durante a batalha pokémon -, faria com que o jogador sentisse na pele toda a sua arguta e vilania dentro do contexto do jogo.

Eles não seriam só vilões traiçoeiros. Seriam vilões que estão sendo traiçoeiros com ele. Além disso, seria uma ótima oportunidade para ensinar o jogador a como enfrentar esse jogo sujo. E até mesmo como usá-lo.

Alias, isso é level design.

Fizemos alguns exemplos usando o Pokémon Showdown. Quer ver só?

Wobuffet com Counter

Wobuffet tem habilidades que evitam que seu adversário possa trocar de pokémon, forcem-no a usar o mesmo golpe várias vezes seguidas e – a cereja no bolo – dois ataques que devolvem o dano recebido por Wobuffet em dobro ao seu oponente: Counter e Mirror Coat. Um Wobuffet com bons atributos defensivos pode colocar em cheque um time muito forte. É uma estratégia muito irritante, algo que reforçaria a personalidade da Team Rival. Como derrotar? Ele é vulnerável a Status que dêem dano residual como poison, burn, &c.

Noibat com Switcheroo

Lagging Tail é um item que faz com que você aja por último em batalha, independente de quão rápido você é. Péssimo, né? (Ou ao menos terrívelmente circunstancial). Mas há alguns golpes, como Switcheroo ou Trick que podem trocar o item do seu pokémon com o do seu adversário, deixando-o prejudicado até o final da batalha, visto que não é possível modificar itens equipados durante um combate.

Dual screeners

Light Screen e Reflect reduzem o dano recebido e se mantém ativas mesmo depois de trocar de pokémon. Uma vez que alguém consegue preparar o campo com essas duas habilidades, seu time fica muito resistente, mas é uma estratégia que demora até ser concluída, o que a torna evitável se você agir rapidamente. 

 

Viram?

E esse problema persiste já fazem seis gerações. SEIS GERAÇÕES.

Nós entendemos que a proposta de Pokémon não é ser um jogo difícil. Mas pokémon é um jogo de estratégia! Até pouco tempo atrás, vários sistemas que já existiam desde as primeiras gerações eram apenas informações escondidas do jogador, e o jogo não explicava, introduzia ou sequer dava pistas de qualquer um deles.

Não defendemos que todos os integrantes do Team Rival devessem abusar desse tipo de tática. Isso poderia aumentar a dificuldade do jogo a um nível intolerável. Porém, quem utilizasse esses recursos poderia recompensar o jogador com o item ou golpes que foram aplicados naquela batalha, permitindo de fato que o jogador explorasse o que acaba de ver e se sentisse mais competente ao invés de apenas mais forte.

Ao mesmo tempo, é possível gastar menos tempo discutindo as intenções malignas do Team Rival. Se eles batalham como vilões, eles são vilões. Sua persona reflete a anima.

O mesmo princípio deveria ser aplicado a líderes de ginásio e até aos desafiantes na estrada (mas não todos, para não desvalorizar a ocorrência de táticas ricas durante o jogo). Tipo-inseto poderia diminuir sua velocidade a níveis insuportáveis ou usar um Shedinja. Tipo-água poderia abusar de Rain Dance e pokémons que se beneficiem de efeitos climáticos.

shedinja

Eu tenho 1 HP, mas só tomo dano do que é super-efetivo contra mim.Você não sabe o que é super-efetivo contra mim? Que pena.

Isso provoca os jogadores a serem mais criativos e a estudarem o jogo um pouquinho mais. Eles têm que pensar rápido para superarem jogadas que os peguem de surpresa. Criatividade nesse sentido, inclusive, seria algo ótimo para o cenário competitivo que têm repetido os mesmos times e estratégias seguidamente. (zzZZzzz…).

Mesmo com todos os defeitos que tem, Pokémon é um jogo riquíssimo. Ele tem um cenário competitivo divertido e uma comunidade incrível. Boa parte dos sistemas do jogo foram garimpados por essa comunidade, e isso é parte do que fez a franquia se sustentar ao longo dos anos.

Não queremos tirar o mérito da GameFreak! Quando Pokémon foi criado, a indústria ainda não tinha uma idéia muito clara sobre o que era game design e as coisas que fazem um jogo ser um bom jogo, e ainda assim foi febre no mundo inteiro. Arrisco dizer que Pokémon foi responsável por 90% das vendas de Game Boy aqui no Brasil. Mas desde então o mercado evoluiu muito – mais importante, os jogos evoluiram muito, aprendendo com outras áreas de conhecimento e refinando os conceitos do que é um bom jogo.

Nas últimas versões é perceptível o esforço da GameFreak de dar uma repaginada em alguns conceitos antigos – expondo os EVs pela primeira vez desde o começo da franquia, por exemplo. Porque não ir um pouquinho mais longe?

rotom_eye

Shuhari e por quê parar de seguir pessoas de sucesso

Em um post super intrigante no Medium, o Gustavo Tanaka fez um ponto sobre por quê deixar de acompanhar as jornadas e história de pessoas de sucesso:

https://medium.com/@gutanaka/por-que-parei-de-seguir-as-pessoas-de-sucesso-124e837aa2f7

Imediatamente me lembrei de um conceito de artes marciais que fala muito sobre como precisamos muitas vezes passar por um período onde conhecemos a jornada dos outros, as regras tradicionais para se obter sucesso, para pouco a pouco superá-las em estágios:

Shuhari (守破離) é um conceito de artes marciais japonesas que descreve os estágios pelo qual alguém passa ao adquirir maestria:

Shu: Em um primeiro momento se domina a forma tradicional, por repetição, até que ela vire um reflexo quase mecânico
Ha: Já familiar com os fundamentos, adicionamos nossa própria interpretação, ainda que isso quebre com a estrutura da forma tradicional
Ri: Transcende-se a forma, a criatividade sobre o conteúdo dominado permite usar o conhecimento de novas maneiras. Os princípios que fundamentam a forma são naturais, e não há esforço envolvido para aplicá-los seja de acordo com ou quebrando a forma tradicional.

https://en.wikipedia.org/wiki/Shuhari

Não ficar preso na mesma etapa pra sempre é tão importante quanto não pular nenhuma.