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Star Fox Zero considerações pela sua amargura

O esquema de controles de Star Fox Zero foi amplamente criticado após seu lançamento. Em especial, vários reviewers mencionaram o fato de que controlar a nave a partir de duas câmeras diferentes – uma em 3ª pessoa na tela da TV e outra em 1ª pessoa no gamepad – era confuso, exigia dividir a atenção e gerava imprecisões enormes quando se tentava mirar em inimigos a partir da câmera que aparecia na TV.

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Mesmo cenário, duas perspectivas diferentes. Uma na TV, outra no controle. Clique para ver a imagem grande.

Seu controle não está com problema

O desalinhamento da mira não tem nada a ver com os controles do jogo. Não interessa se a mira é controlada com o gamepad, mouse, trackball, ou com o poder da mente. O tiro leva tempo até chegar no seu destino. Então mesmo que mostremos uma mira sobre o objeto que seria atingido naquela trajetória, se o alvo se mover, dá tudo errado:

Em jogos de nave – nos divertidos, ao menos – os alvos tendem a não permanecer no lugar por muito tempo. Então mesmo acertando um sistema onde o qual o tiro sempre vai bater exatamente onde você está mirando, o tempo que o tiro leva pra chegar até lá ainda permite que as coisas mudem de lugar e você acabe errando. Em jogos de tiro ou nave você está sempre estimando. É parte do desafio. Em Star Fox Zero especificamente, essa diferença é exacerbada por uma questão de perspectiva e porque você pode usar o gamepad pra mirar em objetos que estão fora da tela da TV. Fizemos um cenário 3d controlado para explicar melhor:

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Arwing apontando para seus piores inimigos: Andross, homem-cubo, mulher-esfera e o temível doutor-toróide.

O cenário tem obstáculos com formas, tamanhos e posições diferentes, e duas câmeras: uma de dentro do cockpit e outra de fora da nave, nos moldes do que tem no jogo. A mira aparece sempre a uma distância fixa da nave (que nem no jogo) e o ponto vermelho projetado sobre os objetos indica onde o tiro bateria se nada se movesse. Vamos ver como a mira o ponto de impacto se alinham em cada uma das câmeras:

Como a câmera que é vista no gamepad é alinhada com o cockpit da nave, o tiro sempre sai retão, a partir da perspectiva do jogador, e não tem erro. Vamos ver como fica na camera de fora da nave, equivalente a imagem que se vê na TV em Star Fox Zero:

Aqui fica claro que quanto mais acentuado o ângulo no qual a nave está mirando, e quanto mais distantes os objetos estão da posição da mira, mais “fora-do-lugar” a mira parece estar. Mas novamente, como comentamos, estimar o trajeto, velocidade e posição dos seus alvos é parte da dificuldade do jogo. Isso se mantém fiel aos jogos anteriores da série, que também tinham esse problema de alinhamento da mira pelo fato da câmera do jogo não estar necessariamente alinhada com a nave:

Uééé, o 64 também tá com a mira desalinhada?
Uééé cadê a mira da versão do SNES?

Atenção dividida: Dando Barrel Rolls na vida real

Em múltiplos segmentos do jogo, especialmente em lutas contra os chefões de cada fase, o jogador tem que mirar em objetos que não estão mais aparecendo na tela da TV. Isso faz com que ele tenha que olhar para a tela do gamepad, onde ele pode usar a mira que está alinhada com o cockpit da nave, e virar sua metralha de lasers na direção que ele precisa pra acertar o alvo. Aí enquanto ele está atirando, um elefante cibernético voador se mete na frente da trajetória da nave dele, e enquanto ele está olhando pra telinha do controle, mirando calmamente, ele toma um tranco que não vai deixar a seguradora de Star Fox feliz.

O jogo te obriga a dividir atenção entre as duas câmeras, e ter que gerenciar as duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo com controles responsivos, a necessidade de trocar constantemente entre as perspectivas confunde bastante o jogador. Quando alguém está prestes a ficar confortável com uma das câmeras, é necessário trocar para a outra. Se a troca de atenção fosse menos frequente, não sentiriamos tanto que “os controles são esquisitos”.

Entretanto se o jogo assumisse o controle da nave enquanto você está atirando, ou se nos segmentos onde a mira é necessária houvessem menos obstáculos no cenário, por exemplo, não haveria necessidade alguma da segunda tela do Wii U, e como o pessoal da própria Nintendo já falou, Star Fox Zero foi um jogo que eles queriam que aproveitasse todas as capacidades do Wii U.

Outra possível solução seria diminuir o ritmo do jogo, focando no aspecto de estimar bem os tiros e dando tempo para o jogador trocar de perspectiva sem o medo de bater a nave contra uma torre. Mas aí não seria Star Fox, não é mesmo? O ritmo frenético, os inimigos aparecendo e dando piruetas no maior estilo de Galaga, tudo isso ficaria apagado, sem graça. Talvez outra idéia fosse acrescentar algum tipo de indicador na tela do gamepad que mostraria algum ícone quando houvesse perigo iminente que não está visível naquela câmera:

starfoxcockpit
Ué, já tem? Essa imagem não é editada? Uéé. O jogo já faz isso? Poxa que boa idéia.

Dificuldade cumulativa

Não é difícil pilotar a Arwing usando motion-controls. Não é difícil mirar nos inimigos mesmo quando é necessário estimar a trajetória dos tiros. Não é difícil mirar em inimigos fora da tela. Mas fazer tudo ao mesmo tempo é uma proeza digna de profissionais. Prototipar e testar cada mecânica do jogo isoladamente é ótimo para garantir que elas vão funcionar, mas quando elas se juntam, a dificuldade de cada tarefa que tem que ser feita simultaneamente não se soma: se multiplica.

Há outros jogos que abusam da idéia de você ter que realizar várias tarefas, mas em geral o trabalho é dividido entre mais de um jogador, como é o caso de Guns of Icarus:

Enquanto um jogador pilota a nave, desvia de obstáculos e procura uma posição privilegiada pra chover bala nos inimigos, outro está consertando as partes da nave que foram danificadas e outro está tentando atirar nos inimigos. Cada um com um papel diferente, uma câmera diferente, e uma perspectiva que não conta com toda a informação. O desafio nesse jogo passa a ser a comunicação: um dos jogadores tem que deixar os outros cientes do que ele está vendo, e que ações têm que ser tomadas imediatamente. 

Outro jogo com uma proposta semelhante é Spaceteam: um jogo mobile onde cada membro de um time tem um pedaço do painel de controle de uma nave em seu celular. Instruções aparecem na tela, e os jogadores têm que se coordenar entre si para descobrir quem tem o pedaço do painel capaz de realizar aquela instrução.

O problema desses jogos é que eles não são Star Fox. O desafio de Star Fox Zero não é comunicação e muito menos sobre trabalho em equipe. Raposas voam sozinhas. Star Fox Zero exige precisão, habilidade de navegação, estimativa de trajetórias e divisão de atenção, habilidades de um animal-cyborg parte do esquadrão mais eficiente da galáxia. Os controles funcionam. O jogo exige bastante (tá longe de um Ikaruga da vida) e se você não está acostumado pode ser complicado, mas é bem divertido. Se você ainda não gostou, tudo bem, talvez não seja o jogo pra você. Mas se você ainda acha que os controles são ruins, ou que as câmeras são mal-feitas, e se recusa a continuar jogando por isso, só há duas possibilidades: ou você é ruim, ou é jornalista da Polygon.

Design Ruim é Game Design Bom

Se você se interessa por design de jogos mas tem um pano de fundo profissional e acadêmico de design, engenharia ou áreas tangentes, você provavelmente aprendeu, em alguma medida, princípios de bom design. Usabilidade, intuitividade, ergonomia, tudo isso entra em questão no projeto de um bom objeto de design, seja ele um software, uma poltrona ou um carro. É claro, jogos não escapam disso – mas de uma maneira bastante interessante.

Então se você estudou design – independente da faculdade -, se segura porque vou questionar um monte de coisas que talvez tenham te dito.

Esses princípios, que são fatores higiênicos quando tratando de design de produtos, software e serviços, são quebrados quando se trata do design de jogos. Mais complexo ainda, game design às vezes quebra as próprias regras, porque jogos diferentes tem propósitos diferentes com os sistemas que adota.

Evidente que isso ocorre porque a função de um jogo difere da função, vamos supor, de uma chaleira – ou seja, ainda estamos atendendo a um princípio do bom design: “Forma segue função”. Esse princípio, alias, despido de sua carga funcionalista e avessa aos adornos (afinal, não estamos mais em 1900 e já superamos a síndrome de diferentão do Loos) serve pra tudo, e várias vezes conflita com outras boas práticas de design – mas até que me provem o contrário, nunca tanto quanto em game design.

Afinal, diferente do bom design de praticamente qualquer serviço ou produto, ser invisível não é um dos objetivos de um jogo.

Design Invisível e o Cházinho de Foda-se

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Quando você está projetando uma chaleira, imagino que seja seu objetivo que ela seja a melhor do mundo em fazer chá. Pra isso, ela deve ser extremamente inutitiva de aprender a usar e que ela traga o menor número de problemas possível. Uma boa chaleira comunica – através do seu design – onde colocar o chá, onde colocar a água, onde segurar ela pra não se queimar, não derrama água pra servir, e tudo isso demandando esforço físico e intelectual mínimo. Uma chaleira – uma chaleira cujo único objetivo seja fazer chá, é claro – com um bom design é fácil de usar e não te apresenta um desafio. Certo?

O propósito de um jogo – e até isso que vou falar agora tem exceções – não é facilitar a sua vida. É te divertir te apresentando um desafio. Essa diversão, esse prazer, citando Donald Norman, vai envolver aspectos de ordem visceral – o jogo é bonito, “gostosinho” de jogar, apela para os sentidos -, de ordem comportamental – através do domínio subconsciente dos controles, memória muscular – e de ordem intelectual – o jogo te força a refletir, te apresenta desafios de aprendizado e raciocínio, te dá sensação de evolução.

Resumindo, se um utensílio de cozinha te apresenta um desafio ele é um produto ruim. Enquanto isso, te apresentar um bom desafio é o mínimo que um jogo precisa pra ser um bom jogo.

A questão do design de jogos passa a ser não sobre mitigar ou anular desafios, mas onde e quais serão os desafios do jogo e quais são os sentimentos que eles devem provocar no jogador. Via de regra, isso significa que tudo que não for o desafio central do jogo deve ser tirado do caminho, e é aí que os “Princípios do Bom Design” entram em peso,  mas qual é o desafio central muda de jogo para jogo e isso resulta em soluções diferentes e várias vezes contraintuitivas.

Papers, Please: Jogos que te divertem te dando trabalho

O objetivo da área de design chamada de design de interface, UI (ou até UX – user experience – dependendo de quão dependente de interface é o seu serviço/produto) é fazer com que o usuário use o seu produto com facilidade. Isso envolve desde facilidade em controlar o software, quanto clareza de leitura, boa hierarquização de informação, facilidade e velocidade de acessar os dados necessários, entre outras coisas.

Também está envolvido na interface, tratando de uma definição mais ampla, todo o ciclo de input e output de informação que ocorre entre o usuário e a máquina. Ou seja, se os controles do jogo são bons – se eles tem um bom tempo de resposta, se eles são intuitivos, &c.

Vale lembrar que a agência que os desenvolvedores tem sobre isso começa a termina com como eles vão usar o hardware disponível, e que se o hardware for ruim – se seu teclado te dá dor no pulso, por exemplo – isso não é culpa deles. Se os controles do jogo – que botão faz o quê – são ruins, porém, isso é culpa deles sim.

De um ponto de vista do bom design, logo, quanto mais intuitivos e fácil o seu jogo é de usar, com as informações que você precisa expostas de forma clara na tela, com teclas de atalho calibradas pra facilitar que você acesse a informação com eficiência, botões próximos, isso tudo, melhor é a interface, certo?

Nem sempre.

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Papers, Please é uma joia indie onde você encarna um fiscal de imigração na fronteira do país fictício Arstotzka, e deve manter afastados indivíduos indesejáveis como terroristas, traficantes e imigrantes ilegais. O tempo do jogo é dividido em dias, e no final de cada dias o número de imigrantes que o seu personagem aceitou ou recusou corretamente determina o dinheiro que você recebe – usado para alimentar, aquecer e medicar sua esposa, filho, sogra, tio e sobrinha.

Uma vez que descubra algo irregular na documentação apresentada, o jogador tem a oportunidade de interrogar o proponente e fazer com que ele passe por diversos testes – dentre eles, digitais, raio-x, questionar sobre mudanças de nome ou identidade de gênero, entre outras coisas.

A interface é complicada, claustrofóbica e você deve navegar por absolutamente tudo usando apenas o cursor do mouse.

Não, não tem nenhuma tecla de atalho. Nenhuma. Você tem que fazer tudo isso só com seu cursor.

O jogo também não é nada claro, com quase metade da tela do jogo sendo ocupada por informação completamente inútil, e com as informações que você precisa distribuída por diversos manuais com várias páginas, que você tem que manipular em cima da sua mesa minúscula já entupida com chaves, carimbos e outros utensílios, podendo um ficar embaixo do outro te confundindo ainda mais.

“Mas que design de bosta”, você diz.

Mas e se eu te dissesse que o jogo quer que você tenha problemas.

Tudo isso é assim por um motivo. O jogo quer que você faça um trabalho enfadonho e lento, que você se confunda na mesa do seu cubículo, que você fique nervoso com como é difícil executar uma tarefa simples, tudo isso pra te colocar no clima.  O objetivo do jogo, afinal, é te divertir com uma situação; com uma experiência. O que em outras circunstâncias seria chato pra caramba, no jogo se torna uma experiência de alteridade incrível.

Conforme o jogo progride, o governo de Arstrotzka começa a acrescentar novas regras – “Agora aceitamos imigrantes de 10 países, cada um com um selo de autenticidade diferente no passaporte que você tem que comparar com os do livrinho.” – e processos – “Agora você pode pedir digitais e cruzar com o nosso sistema pra ver se a pessoa está dizendo a verdade” – , que acrescentam mais funções e mais manuais na sua mesinha. Somado ao fato que o jogo te mostra ao final de cada dia o estado da sua família inevitavelmente degradando faz com que você inevitavelmente comece a ferrar os imigrantes só por má vontade, recusando entrada no primeiro sinal de irregularidade na documentação, sem usar nenhuma das ferramentas que o jogo fornece.

Sem a dificuldade de controlar as ferramentas do jogo com eficiência, Papers, Please não teria tanto potencial de imersão e narrativa.

QWOP-likes: Jogos que não querem ser jogados

Novamente falando da dificuldade de controles, mas dessa vez com um exemplo mais estapafúrdio. Vocês já ouviram falar de QWOP? Se não, cliquem no link ali atrás e joguem alguns segundos. 

Não é um jogo enervante? E ao mesmo tempo engraçado? Pois é. Novamente, volto a um ponto importante: num jogo, como e onde você coloca o desafio importa muito. No caso todo o gameplay gira em torno da dificuldade de controlar o personagem, gerando momentos que em outros jogos te frustrariam, mas que nestes jogos são engraçados pra caramba. Isso, inclusive, deu origem a diversos jogos onde a graça de jogar é exatamente fazer besteira e dar risada.

Bons exemplos são o Octodad e Surgeon Simulator (acima). São jogos onde o desafio – e de onde vem a diversão – é exatamente lidar com os controles ruins.

Disgaea 2: Jogos quebrando as próprias regras

Vamos nos afastar um pouco do design de interfaces e chegar um pouco mais perto do “game design tradicional” novamente.

Creio que depois de tudo que falamos aqui, sobre como um sistema bem projetado tem que cumprir o seu propósito, acho que todos vamos concordar que ao menos as regras de um jogo devem funcionar perfeitamente. Se elas permitem que você as explore de forma a ‘quebrar’ os sistemas e deixar o jogo fácil demais – o famoso exploit ou, para algumas comunidades, cheese – é porque algo nas regras está falho e quebrado, certo?

Se depois de tudo que eu falei ao longo do post a sua resposta ainda foi “Sim”, volta pro começo e lê de novo que tu não entendeu nada.

Vamos dar uma olhadinha em Disgaea 2

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Disgaea é uma franquia que começou no Playstation 2, e desde então lançou vários jogos. É um SRPG (Strategy Roleplaying Game) onde os personagens principais são, em sua maioria, demônios. Demônios fofinhos (às vezes) e traiçoeiros (sempre).

Aí é que entra a sacada: Disgaea, através de sistemas intencionalmente quebrados, te dá a oportunidade de “trapacear”.

São vários exemplos, mas vou me focar em um sistema do jogo chamado Dark Court. Ele funciona da seguinte maneira:

  • O carteiro (um NPC) te entrega uma carta de intimação (Subpoena) acusando um dos seus personagens de algum crime – são vários crimes, desde “Ter um atributo FORÇA muito alto” a “Ter reincarnado vezes demais” – e dizendo que você deve comparecer a um tribunal de demônios para condenar aquele personagem;
  • Você então deve entrar em uma fase especial e encontrar o portal que te leva ao tribunal em questão. A intimação que você recebe vem com o nome do personagem indiciado, e é com ele que você deve atravessar o portal para o tribunal;
  • O personagem é julgado pelo tribunal mas, como para demônios ser condenado é bom, a sua condenação (Felony) conta como uma condecoração. Ser condenado dá ao personagem uma felony, que aumenta a quantidade de experiência que esse personagem ganha em combate, entre outros efeitos. Você pode acumular felonies em um dado personagem e fazer com que ele suba de nível muito mais rápido.

Entenderam? Vejam o vídeo a seguir, no qual o personagem que recebeu a intimação, Laharl, entra na côrte.

“Ok, mas como eu faço pra quebrar esse sistema?”

Esse sistema, como a maioria dos sistemas que existem em jogos, interage com os demais sistemas. A primeira “falha”, portanto, é que o portal pode ser ativado por qualquer personagem. A despeito da intimação que você recebe ser nominal e destinada a um determinado personagem, você pode entrar no tribunal com qualquer um dos personagens do seu esquadrão. O primeiro personagem a pisar no painel do portal é teletransportado para a Dark Court. Isso quebra o jogo?

O personagem que entra no portal primeiro é teletransportado para a côrte e condenado. Sim, isso mesmo: um personagem pode roubar a condenação do outro.

Somos todos demônios afinal, não?

Ainda mais engraçada e inesperada é a interação desse sistema com o sistema de Lift (“levantar”). A maioria dos personagens em Disgaea pode levantar um outro personagem acima da cabeça. Isso permite que eles ataquem em conjunto caso sejam aliados, e também que o personagem levantando arremesse seu companheiro para que ele possa alcançar lugares distantes que levariam mais de um turno para alcançar.

Acontece que coordenando diversos comandos de Lift, o jogador pode fazer com que sua equipe faça uma torre de personagens. Nesse caso, comandar um arremesso faz com que o personagem debaixo da torre jogue todos os que estão acima da sua cabeça para longe.

Mas então o que acontece quando uma torre de personagens é jogada diretamente em cima do portal?

TODOS OS PERSONAGENS QUE ENTRAREM NO PORTAL SÃO CONDENADOS E GANHAM A CONDECORAÇÃO.

“Mas espera aí! Se eu fazer essas coisas é permitido pelas regras do jogo, eu não estou trapaceando!”

EXATAMENTE! O que antes seria considerado uma falha no game design é, ao invés disso, abraçado pelo jogo. Você é recompensado por encontrar as fronteiras onde as regras quebram. Isso está em consonância perfeita com o tema de ser um demônio e usar a trapaça como sua arma.

Ou seja, por conta de uma decisão de game design inteligente, o que deveria intuitivamente ser considerado design ruim vira ótimo game design.

Princípios são Princípios

O objetivo de um jogo, mais do que divertir, é proporcionar uma experiência engajante. Ele certamente vai te divertir enquanto isso – através dos prazeres descritos pelo Donald Norman que citamos lá atrás; visceral, intelectual e comportamental – mas isso é a consequência de um bom design.

Aqui me falta o léxico em português então devo recorrer ao inglês – thrilling. A tradução seca, creio, seria emocionante, mas gosto de agregar a ela os sentidos de engajante, comovente e de algo que invoca reverência e humildade.

Os “Princípios do Bom Design” são fantásticos, mas eles são apenas isso: princípios; pontos de partida para você entender como fazer bons projetos. Levá-los a ferro e fogo pode te fazer chegar a produtos que funcionam, mas várias vezes vão te engessar pra fazer produtos que realmente tenham um bom design. Talvez eles devessem ser chamados de “Princípios do Design Mínimo”?

Conhecendo os “princípios”, só nos resta desafiá-los e seguir em frente para descobrirmos as respostas para uma pergunta muito mais interessante:

Quais são os horizontes de um bom design?

Forças Imparáveis e Obstáculos Intransponíveis

Se Platão defende que a narrativa é a imitação da realidade e videogames são um mídia através da qual podemos retratá-las, temos de ter ferramentas para imitar fenômenos naturais. Entretanto este não é um post sobre física avançada. Vamos falar de sólidos.

Te garanto que o problema de detectar quando um objeto colidiu com outro e como proceder a partir daí é central a maior parte dos seus jogos favoritos . Parece bobo, mas o número de coisas que pode dar errado planejando como lidar com isso é assustador.

Mas não se assuste. Para ajudar a tratar todo esse terror, nós vamos contar com a ajuda do nosso mais novo mascote: digam olá para o Coliditto.

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“O abraço frio da morte te espera.”

Impenetrabilidade em Jogos

Dois parágrafos e já vamos falar de metafísica: Impenetrabilidade é uma propriedade da matéria que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no mesmo instante. Essa propriedade é o que faz com que coisas que tentem fazê-lo colidam entre si. Ainda que pareça um detalhe técnico, é um conceito tão natural para nós que quando um jogo faz isso muito mal, a quebra de expectativa em relação à realidade que conhecemos é tão grande que temos dificuldade de manter a imersão.

Quantas estrelas merece essa princesa?

Para simular impenetrabilidade de maneira simples, em geral jogos delimitam uma área ao redor do corpo sólido que chamaremos de colisor. Sem entrar em detalhes, o processo funciona de maneira simples, em duas fases:

  1. Detecção de colisões: o jogo verifica se dois objetos compartilham pelo menos um ponto de intersecção. Se sim, eles estão colidindo, se não, não estão.
  2. Tratamento de colisões: aqui rola o vulgo “Ok, bateu. E agora?”. O jogo precisa decidir o que fazer com os objetos que estão colidindo. Podemos, por exemplo voltar um dos objetos até o último instante onde eles não estavam mais colidindo, ou arrastar um dos objetos pra fora do outro até que eles não estejam mais colidindo (em geral a bola, porque acho difícil a parede ceder passagem).

Tudo o Que Pode Dar Errado Quando Você Bate em Alguma Coisa e Por quê

O processo é simples, mas muito pode dar errado. Tenho certeza que todos já têm exemplos em mente de vezes em que viram algum problema com colisões em jogos. A seguir vamos explorar alguns exemplos e especular o que pode levar eles a acontecerem. Vale notar que a bibliografia sobre como essas coisas são realmente implementadas não é muito disponível, e uma grande parte das possibilidades que vamos discutir aqui são especulativas, mas não deixam de ser um exercício interessante para entendermos como as coisas funcionam.

Super Mario 64: GOTTA GO FAST

A primeira vez que eu vi isso, meu palpite de como isso poderia acontecer foi em relação a fase de detecção de colisões. A cada instante, que em geral representa 1/30 de um segundo ou 1/60 de um segundo em jogos modernos, o jogo vai tentar movimentar Mario um pouquinho, e verificar se ele colide com algo. Há duas grandes maneiras de pensar como isso funcionaria. A primeira é chamada de colisão em espaço discreto:

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Neste caso, botamos Mario diretamente na posição pra qual ele tem que ir naquela fração de tempo, e então passamos pra etapa de detecção de colisões. Se ele estiver colidindo com a parede, o tratamento da colisão vai se encarregar de jogar o personagem pra fora dela. Parece tosco (e na real é um pouco), mas se algumas propriedades forem respeitadas, o modelo funciona. Se a distância máxima que o personagem puder percorrer em um frame for menor ou igual ao diâmetro do seu colisor, podemos garantir que não tem como ele ultrapassar aquela parede nunca. Ou seja: se o tamanho do colisor e a velocidade máxima do personagem forem fatores compatíveis, tá tudo suave.

A engine de Super Mario 64 tem colisores do tamanho certo limita a velocidade máxima de Mario, então em tese eles estariam seguros. Mas esse limite de velocidade só vale para velocidade POSITIVA. O vídeo acima usa um bug do jogo usando pulos que faz com que Mario se desloque extremamente rápido para trás. O que acontece? Poof. Vai direto através da parede.

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A segunda grande maneira de abordar as colisões arrumaria esse problema. Ela se chama detecção em espaço contínuo: antes de mover o personagem, o jogo verifica se há alguma colisão possível entre a posição atual do personagem e a posição pra qual ele quer ir. Se houver uma colisão, ele passa a informação de em que ponto isso aconteceu para a fase de tratamento.

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No tratamento ele pega a posição onde houve a colisão, e então move o personagem pra lá. Não importa quão rápido Mario se deslocasse, a colisão nunca seria ignorada. O curioso é que supostamente há um artigo publicado que explica um algoritmo que teria sido usado na engine de Super Mario 64, e ele já sugere o método contínuo. Especulamos que ele não foi implementado exatamente como é dito no artigo, o que gera o comportamento que vimos. Mas talvez esse comportamento ocorra por algum erro na fase de tratamento da colisão que acabe posicionando Mario do outro lado da parede por sua velocidade ser negativa. Fica o questionamento.

The Legend of Zelda: Ângulos Agudos

Ocarina of time começou seu desenvolvimento na mesma engine de Super Mario 64, mas segundo Miyamoto a engine foi muito alterada. Se olharmos no mesmo artigo que descreve o algoritmo de colisões de Super Mario 64, eles descrevem um método que faz com que o personagem conserve seu movimento rente a uma parede quando ele colide com ela, como se ele estivesse deslizando rente a ela.

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Quando isso acontece entre 2 paredes que formam um ângulo agudo, fica difícil determinar a posição que o personagem deve assumir após a colisão, porque cada uma das paredes vai tentar empurrar o personagem em uma direção perpendicular a elas, preservando a velocidade que ele tinha em outras direções.

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É interessante notar que há vários jeitos de ultrapassar paredes em Zelda, mas a grande maioria dele envolve paredes com ângulos agudos e alguma estratégia para ganhar velocidade suficiente para ser passado através delas (que nem vimos no exemplo de Mario).

Neste caso em específico, também é possível que o jogo só trate a colisão em relação a uma parede, ignorando a outra, o que causa o efeito de que link é jogado apenas através da parede da direita. Em geral jogos possuem um buffer de tamanho físico que determinas quantas colisões simultâneas podem ser detectadas. Se o número de colisões ultrapassar esse limite, elas são ignoradas. Talvez não seja o caso em Zelda pois a estrutura de dados que guarda informação de colisões permite que mais de um polígono seja listado como alvo de uma colisão.

Skyrim e Buffer de Foda-se

Tendo explicado o fato de que os jogos processam colisões contra um número finito de objetos, adivinha quem está verificando só a colisão contra o prato?

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Curiosamente este problema não ocorre quando se tenta colocar o prato contra uma parede côncava. Especulamos que isso se deve ao fato de que os objetos não são mais co-planares. O espaço que fica entre o prato e a parede pode ser suficiente para que o jogo passe a detectar a colisão entre o personagem e a parede.

Spooky’s Jump Scare Mansion: PARA TUDO Edition

Pra quem não conhece: é um jogo indie de horror baseado um pouco em SCP, onde você está preso em uma mansão onde por mil salas você vai ser perseguido por monstros que começam fofinhos e inocentes e terminam como bestas sanguinárias e incansáveis.

O jogo fica tenso rápido, e um dos aspectos que colabora pra isso é o seguinte: lembra que comentamos que em Super Mario 64 quando você se move rente a uma parede, ele só não deixa você entrar na parede, mas desliza você rente dela, preservando parte do seu movimento? Aqui os designers escolheram outra estratégia: o ângulo pelo qual você consegue passar deslizando por uma parede é beeeem menos tolerante:

Na primeira parte, o personagem bate no canto da quina da parede. Ele não deixa você deslizar por ela, ele PARA completamente o movimento. Você tem que ir pra trás e dar a volta naquela esquina, ou virar bastante a câmera até a ponta do cubo deixar de bater na parede. Agora: imagina você ter que gerenciar isso enquanto tem um bicho maluco querendo seu cérebro.

Logo após, o personagem tenta andar pra direita enquanto está encostado em uma parede. Ele não consegue deslizar, então começa a andar na diagonal (pra trás e pra direita). O movimento “serrilhado” resultante acontece porque quando o personagem está colado na parede, ele está tentando ir pra direita e pra trás. Pra direita ele não pode se mover pois está colidindo, mas pra trás pode. Então ele vai pra trás, e aumenta a distância dele com a parede. Quando ele vai pra direita de novo, ele bate de novo, e interrompe o movimento. Isso se repete rapidamente, mas é tudo derivado do aspecto de que o movimento é interrompido.

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É um caso onde a resposta a colisões não é fluida ou 100% agradável para o jogador, mas isso colabora muito para manter o clima estressante e aterrorizante do jogo. Às vezes uma escolha de design que não é agradável ao jogador pode funcionar caso colabore para o clima que o jogo está tentando criar.

Série Souls: Hitbox Porn (GONE SEXUAL)

Os jogos da série Souls são conhecidos por terem um combate com hitboxes tão precisas que geram narrativas emergentes de combates que o jogador vai querer documentar para mostrar pros netos, de tão épico que é o esquema:

As hitboxes são animadas, o que significa que elas mudam de tamanho, orientação e posição durante as animações do personagem. No vídeo, dá pra ver que durante a animação de ataque do personagem, ele abaixa um pouco. Esse pouco é suficiente para ele desviar por milímetros do ataque inimigo. É realmente um sistema primoroso.

Quando se trata de colisões com o terreno, os jogos da série são menos cuidadosos. Especialmente porque eles focam muito mais em te dar uma experiência de combate dinâmico, vivo e excitante do que simplesmente simular caminhadas com perfeição. No final das contas o contraste entre o sistema de colisões em combate e o de terreno é HILÁRIO:

Lembram que as hitboxes mudam de tamanho durante as animações? Quando o Fire Demon nesse vídeo toma muito dano, ele faz algumas animações para mostrar ao jogador que ele está ficando desgastado. Elas também alteram o tamanho, orientação e posição de suas hitboxes. Entretanto, o inimigo continua tentando chegar até o jogador através de um espaço onde ele não cabe. Acontece que algumas dessas animações são suficientes para que ele consiga passar pelo menos por um pedaço da parede. No final do vídeo, quando ele ergue o corpo em uma das animações de quando ele toma muito dano, o centro dele ultrapassa o topo da parede, e aí o sistema de tratamento de colisões do jogo entende que ele estava dentro do teto e agora está ultrapassando o “chão”. Na etapa de tratamento da colisão, ele é atirado pro espaço que tem acima do teto.

Smash 4: Colisão Contínua Também Dá Pau

Em jogos com muitos elementos que se movimentam, colisões no método contínuo também têm seus problemas. Nesse caso, o Mr. Saturn está querendo ir para a esquerda, e a plataforma também. Durante as fases de detecção e tratamento de colisão do Mr. Saturn não tem nada impedindo ele de se mover naquela direção, então ele se move pra esquerda e começa a cair. No mesmo instante, a plataforma vai ter sua posição e tratamento alteradas também, e quando ela tenta se mover, o Mr. Saturn que estava caindo não pode mais cair. No próximo ciclo de atualizações, ele vai tentar se mover para a esquerda de novo, e esse conflito vai se repetir.

Colisões contínuas não lidam bem com muitos objetos que se movimentam dinamicamente. Como os objetos se movimentam um de cada vez, cada um com seu ciclo de detecção, tratamento e movimento, dependendo da ordem na qual os objetos são processados os resultados finais podem ser diferentes. Prever isso e tratar antes que aconteça é uma tarefa hercúlea. E calcular as colisões de todos primeiro e depois executar todos os movimentos pode gerar situações onde dois objetos têm uma intersecção. A partir do momento que isso acontece, se torna necessário usar a etapa de tratamento do método discreto e retirar os objetos de dentro da intersecção. Se quisermos levar em conta a velocidade e peso de cada um deles, começamos a entrar em simulação de física, e não mais colisão simples. E isso é outro papo.

Conclusões

Se você acha que entrar dentro de uma parede, ficar preso no teto, ser teletransportado para o outro lado do mapa são coisas exclusivas de jogos independentes, que foram feitos por meia dúzia de malucos, meu amigo: você está enganado. Como a gente viu, até os desenvolvedores de jogos triple A estão sujeitos a isso. 

1
Colisões são difíceis de acertar, ninguém está contente com isso.

Eis uma citação do Brad Hines, funcionário da Eidos sobre detecção de colisões (fonte aqui):

Colisão em video-games é uma parte de um grande e complicado conjunto de sistemas. É criado por seres humanos que são capazes de cometer erros, ou apressar trabalho, ou ter coisas mais prioritárias para fazer. O desenvolvimento de jogos geralmente é baseado em um prazo apertado e infelizmente problemas menores podem ser deixados de lado.

É um problema que não tem uma só solução, e nenhuma delas é 100% perfeita. Passa a ser um problema de onde você pode fazer concessões no seu jogo. Tanto Dark Souls quanto Spooky’s House of Jumpscares usam algoritmos de colisão com terreno que não são ideais, mas são concessões que eles fazem porque esses problemas não ficam no caminho de como eles querem que você jogue. Esse tipo de escolha de design é arriscada, mas às vezes vale mais a pena ignorar um problema menor do que ficar martelando em cima de um ponto que não é tão importante pro seu jogo.

Claro que é importante conhecer as opções e escolher a que fizer mais sentido, mas todo mundo está sujeito a uns problemas com isso. Fica com o vídeo da Bianca Velloso pra te garantir que a treta é séria até em 2016:

 

A Falha Crítica dos RPGs de Mesa – Parte #01

Se você ainda não leu, talvez seja uma boa ideia dar uma olhadinha no nosso primeiro post sobre RPG. Alguns dos conceitos explorados nesse post são explicados mais a fundo lá!

Vocês pensaram que íamos falar mal de RPG, mas não! Vamos tratar de um assunto mais técnico hoje. Vamos falar de game design! Yay!

Mais especificamente, vamos falar sobre o design de RPGs de mesa.

O Paradigma da Maestria

Como já exploramos em exaustão em outro post, as tentativas de adaptar a dinâmica do RPG de mesa para os jogos eletrônicos teve grande peso no estabelecimento do “contar histórias” como um dos principais elementos do jogo eletrônico como mídia. Até hoje, desenvolvedores tentam desenvolver mecânicas que consigam simular em tempo real a improvisação narrativa que acontece em um grupo de RPG de mesa.

Mas os jogos eletrônicos, pela maneira como eles são feitos, são muito melhores do que os RPGs de mesa em simular uma outra coisa em tempo real…

Vamos pegar como exemplo um jogo que use mecânicas de RPG mas que aconteça em tempo real: Dark Souls.

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Em Dark Souls, a quantidade de dano que o personagem consegue causar aos inimigos, quantos ataques ele pode sofrer sem morrer, sua resistência a venenos, capacidade de usar magias, enfim: todas as abstrações das capacidades físicas e intelectuais do personagem são representadas por um sistema de atributos. Porém, se o personagem vai ou não acertar um ataque, se esquivar, conseguir realizar um pulo, tudo isso é decidido pela habilidade mecânica do jogador que está jogando.

É seguro, portanto, assumir que – tal como na vida, com esportes e outras atividades – quanto mais você joga o jogo, melhor você fica nele, e maiores as suas chances de ser bem sucedido em realizar as ações que você, jogador, escolheu. A maestria do personagem é simulada usando os sistemas e a maestria do jogador.

Essa é a maneira que os jogos eletrônicos encontram de aproximar o jogador do universo do jogo. De simular situações fantasiosas sem ferir a suspensão da incredulidade. É esse caráter de simulação da realidade fictícia que reforça a diegese do jogo, e ajuda com a suspensão da incredulidade. O fato de não ser real não quer dizer que não possa ser verdadeiro.

Podemos concluir que a experiência narrativa dos jogos é extremamente fundamentada na maneira como os sistemas gerenciam a maestria do jogador. Escolho aqui a palavra ‘maestria’ porque ela engloba não só o a habilidade do jogador – o seu domínio mecânico e velocidade de reação -, como também a sua estratégia – sua capacidade de tomar decisões corretas através da análise das situações do jogo e do conhecimento sobre suas regras e sistemas. Quando o jogo é bem desenvolvido, seu uso da maestria contribui para a suspensão da incredulidade ao invés de incorrer em metajogo e minmaxing.

Portanto, para fins desse post, vamos considerar que: Maestria = Estratégia + Habilidade

Quando falamos de jogos cujas regras não fazem com que ele ocorra em tempo real, porém, o quadro muda. Não existe necessidade de domínio mecânico; de habilidade. Nesses jogos, portanto, a maestria se resume à estratégia, e a simulação/necessidade da habilidade se perde.

Em jogos sem pretensões de diegese narrativa – por exemplo, xadrez – isso não é um problema. Mas RPGs de mesa não estão isentos disso…

A Habilidade de ser Sortudo

O RPG de mesa tem como parte integral e mais importante do jogo a narrativa. Ele tem como foco a criação dessa narrativa a partir da interação entre jogadores – através de seus personagens -, narrador/mestre – através dos NPCs e do universo de campanha -, e o Sistema. Para que isso possa acontecer, voltamos a mencionar o aspecto simulacionista do RPG, que preza pela diegese do universo e da verossimilhança da história.

Isso significa que mesmo que o RPG de mesa não exija habilidade dos jogadores, ele precisa de uma maneira de simular a habilidade das personagens.

No RPG de mesa, ao invés de essa simulação ocorrer com o controle de uma entidade digital controlada por botões, os jogadores (e narrador) controlam personagens que existem no imaginário coletivo do grupo, e devem descrever as suas ações. Decidir se você foi ou não bem sucedido na ação que você descreveu depende de um teste de habilidade – que é influenciado pelos atributos da ficha do seu personagem. Esse teste quase sempre envolve rolar um ou mais dados para superar uma dificuldade – um valor arbitrário determinado pelo mestre.

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“No livro tá escrito que você se fodeu.”

Afim de simular a variabilidade de situações que podem emergir da interação das COISAS DA VIDA – que é exatamente o que os jogos em tempo real fazem com suas mecânicas -, os RPGs abstraem os momentos de incerteza na forma de um evento incerto genérico – uma rolagem de dados.

Ou seja: a incerteza da interação entre a habilidade do personagem e os desafios que ele enfrenta é simulada através de um componente baseado em sorte.

Por esse motivo é tão importante que a modelagem de testes de um sistema de RPG esteja extremamente bem balanceada, afim de simular a habilidade das personagens e, ainda mais, o crescimento dessas habilidades conforme os personagens aprendem e se desenvolvem dentro da narrativa. Ou seja, conforme o personagem sobe de nível e aumente suas habilidades (perícias ou atributos) suas chances tem que ser melhores.

Mas isso nem sempre acontece! Vamos observar a seguir as soluções propostas por alguns sistemas famosos.

D&D: “Os Trapalhões”

Se você já sabe como funcionam os testes em D&D, pode pular até a imagem.

Em D&D os testes funcionam da seguinte maneira:

Primeiro o Mestre estipula uma dificuldade para o teste, que vai de 1 ao infinito . O jogador rola um d20, soma os bônus apropriados – determinados por seus atributos e perícias – e subtrai eventuais penalidades impostas pelas circunstâncias do teste.

Se o resultado dessa operação superar o valor estipulado de dificuldade, o personagem é bem sucedido no teste e consegue executar a ação. O grau de sucesso – influenciando no quão o jogador foi bem sucedido – da ação aumenta conforme a diferença entre o resultado do teste e o valor da dificuldade.

Porém, caso o jogador role um 20 natural ele tem um sucesso crítico e foi extremamente bem sucedido na ação pretendida e costuma resultar em bonificações adicionais – dobrar o dano que ele causa num ataque, fazer com que o personagem realize a ação de forma excepcionalmente rápida ou bela, &c. Da mesma forma, um 1 natural ele tem uma falha crítica. Isso significa que ele falhou miseravelmente na tarefa e deve encarar as consequências. 

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Vamos dar atenção a duas coisas específicas:

  • A probabilidade de sucesso tem crescimento totalmente linear, crescendo de 5 em 5% a cada novo ponto de habilidade. A distribuição dos Graus de Sucesso também é totalmente linear, resultando no fato de que o personagem tem a mesma chance de realizar somente o necessário e de obter um sucesso glorioso;
  • A probabilidade da rolagem resultar em uma falha ou sucesso crítico é de 5% não importando o nível da habilidade do personagem. Um personagem com habilidade que lhe confere um bônus de 30 para a rolagem e um incompetente com penalidade de 5 tem exatamente a mesma chance de falhar miseravelmente em algo.

“Ah, mas tirar 1 é muito difícil”, não é não. 5% de chance é coisa pra caralho e eu vou provar.

Em 1986 um engenheiro da Motorola chamado Bill Smith desenvolveu um conjunto de práticas e ferramentas para melhorar os processos da empresa de forma a fazer com que a taxa de insucesso caisse para 99,99%. Esse conjunto eventualmente se transformou no famoso Six Sigma – é, aquele que virou uma certificação profissional pra gerentes de projeto. “Mas pra que tanto preciosismo com as casas decimais?” você pergunta.

O número de vôos tripulados que acontecem por dia era de mais ou menos 93.000 em 2008. Imagina se 5% deles passassem por problemas? 4650 vôos. E se só 1% caísse? 930 acidentes aéreos por dia. 0,1%? 93 vôos caindo todo dia ao redor do mundo.

Agora se pergunte: Quantos dados você rola em uma sessão de RPG? Quantos deles são ações importantes? E se for aquela rolagem da qual toda a aventura depende? 5% não parece mais um número tão pequeno pra uma falha crítica, né?

Por esse motivo D&D é um sistema com tanto potencial para situações dignas de “Os Trapalhões”, com coisas absurdas acontecendo frequentemente.

Storyteller: O “Não faço ideia do que estou fazendo”

Novamente, caso você já saiba como funcionam os testes em Storyteller, pode pular para a imagem. Estamos modelando a descrição com base no Old World of Darkness, e não do New, mas as curvas não são tão diferentes.

No sistema Storyteller os testes de habilidade são realizados seguindo a seguinte regra: o Narrador determina qual é a dificuldade do teste – que vai de 1 a 10, a dificuldade média sendo 6  e o par de Atributo-Perícia que a ação descrita pelo jogador exige. O jogador soma o seu valor do Atributo em questão ao valor da Perícia em questão, e rola um número de d10 igual à soma dos valores do par Atributo-Perícia.

O jogador conta um sucesso para cada dado que role um resultado igual ou superior à dificuldade estipulada. Ele também subtrai um sucesso dessa conta para cada número 1 rolado, e cada 0 (que significa 10) dá ao jogador um dado extra para aquele teste, que pode lhe dar um novo sucesso (este dado não subtrai sucessos com 1 ou acrescenta dados com 0).

Tirar ao menos 1 sucesso na rolagem significa que o jogador foi bem sucedido. O grau de sucesso é medido de acordo com o número de sucessos da contagem final, com sucessos adicionais deixando a ação mais impressionante/eficiente/&c.

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Na minha opinião já é uma grande evolução do sistema de D&D, com a curva começando a se assemelhar a uma curva normal, o que significa que sucessos ou falhas extremos tendem a não acontecer com tanta frequência. Outra melhoria é o fato de que conforme o personagem fica melhor no que está fazendo, menores são as suas chances de ter uma falha crítica e maiores são as suas chances de ter um sucesso crítico.

O problema do sistema Storyteller é um pouco mais delicado, e tem a ver com a maneira como o grau de sucesso é distribuído.

É esperado de uma pessoa que começou a aprender algo – por exemplo, tiro-ao-alvo – que ela falhe consistentemente até começar a melhorar. Ela então começa a ficar melhor no que faz, mas ainda obtendo resultados inconsistentes. O que define o profissional, porém, é a sua capacidade de obter sucessos consistentemente na sua área de expertise.

Comparem a curva do personagem que tem 1d10 com a de um personagem excepcional com 10d10. Viram?

O personagem com 10d10 tem um número incrível para Storyteller, obtém muito mais sucessos que o de 1d10, é claro, mas o grau dos sucessos é extremamente inconsistente. Ele tende ao ponto de sela de ter 4 sucessos, mas com apenas 20% de chance.

O resultado é que um personagem profissional obtém sucessos com muito mais frequência, mas o resultado de suas ações fica gradativamente mais inconsistente.

Então como seria uma modelagem de sistema ideal?

Devolvemos a pergunta: Ideal para quem?

É possível determinar critérios que uma modelagem de sistemas ideal deveria seguir, mas eles sempre vão variar de pessoa pra pessoa, de grupo de jogo pra grupo de jogo. É a praticidade e velocidade em que o teste pode ser executado que é mais importante? Ou é o quanto é mais próximo da realidade? Qual é a medida correta?

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Nós do Mean Look temos critérios do que seria um modelo de testes de RPG ideal pra nós. Até pensamos em uma solução possível e queremos muito mostrar ela pra vocês.

Mas isso envolve um bocado mais de explicação, que vamos dar em um outro post, com direito a uma discussão mais bacana e completa. Fiquem ligados e obrigado por nos acompanharem.

Fontes:
A Treatise on Different Dice-rolling Mechanics in RPGs – http://rpg-design.wikidot.com/evaluation
Troll Dice Roller and Probability Calculator – http://topps.diku.dk/torbenm/troll.msp

V*Bert – Post Mortem

Please try entering https://graph.facebook.com/1346298725396085/photos?fields=source,link,name,images,album&limit=12 into your URL bar and seeing if the page loads.

Temos build disponíveis para download no GameJolt aqui, onde você pode jogar o jogo exatamente como ele estava na festa, em versões pra windows, linux e mac. Detalhes: o jogo realmente não tem som, vamos explicar isso já já. Recomendamos essa playlist aqui, que tocou na festa, para dar o clima: https://soundcloud.com/arruaca/dona-ana-vorlat-ato-vi-carrot-green-no-edalo-pagao. E se você pretende jogar no browser, recomendamos firefox!

Eram oito da noite quando chegamos no local da festa, o estacionamento de uma concessionária encostada em uma avenida movimentada. Os carros tinham sido retirados e estacionados nos fundos. A equipe de organização estava saindo para tomar banho e se arrumar depois de passarem a tarde toda arrumando o labirinto – uma estrutura feita de panos semitransparentes enrolados em armações metálicas – por onde se entrava na festa.

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Diagrama do labirinto de tela na entrada da Vorlat

“Nós não podemos deixaras pessoas entrarem daqui pra lá nem daqui pra cá” disseram gesticulando com as mãos para o espaço coberto da concessionária, aquele onde atendem os clientes. “Se vocês precisarem de cabos de força e extensões falem com aquele camarada ali e tá aqui o projetor”.

Demos uma volta no local, arrastamos uma mesa com os pés bambos pra sustentar o equipamento, forramos com uma garrafa plástica amassada. Fizemos todas as conexões necessárias entre projetor, notebook e tomada. Apertamos o botão.

Projetado na parede, em letras garrafais, nosso filhote: V*BERT

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A imagem de maior resolução de todo esse blog. Contemplem.
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Uma das fases mais desorientantes do V*Bert.

Demorou mas chegou! Já postamos na página de Facebook do Mean Look sobre o nosso primeiro projeto e agora trazemos pra vocês seu post mortem.

Briefing e Premissas

O V*Bert foi desenvolvido sob encomenda e em parceria com o pessoal da Vorlat – uma festa brilhante que rola periodicamente na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. A festa contrata e expõe o trabalho de diversos performers (se encaixando nessa denominação diversos atores, artistas, designers, arquitetos, &c.), e nós seriamos um deles expondo o V*Bert. O objetivo era ter um espaço da festa onde as pessoas pudessem jogar e se divertir.

Nós tivemos liberdade criativa praticamente absoluta para desenvolver o jogo mas, como todo projeto, coletamos algumas premissas importantes – tanto na pré-produção quanto ao longo de todo o desenvolvimento, é claro – que impactaram em diversas das nossas decisões de game design:

  • A festa Vorlat já tinha uma linguagem visual própria desde suas primeiras edições, e sua sexta edição não foi diferente. O Dédalo Pagão, uma espécie de labirinto, era o tema da vez, com muito vermelho e cinza e um apelo visual extremamente afim com o Construtivismo;
  • A festa tem uma proposta importantíssima de ser extremamente democrática, sem nenhum tipo de protagonismo;
  • Como em qualquer festa haveria música alta, então o jogo precisaria ser mudo;
  • As pessoas deveriam poder aprender a jogar o jogo quase instantaneamente – o jogo, portanto, deveria ser simples e intuitivo;
  • O tempo de uma ‘partida’ deveria ser curto pra que o jogo não exigisse muito comprometimento;
  • O tempo de desenvolvimento seria bem curto – tínhamos apenas um mês e meio até a festa. Nada de projetos ambiciosos.

A partir dessas premissas, o jogo foi tomando forma.

Pré-Produção e Produção

Devido à natureza do ambiente – uma festa com uma proposta bastante lisérgica – e o nosso tempo de desenvolvimento – apenas um mês e meio – optamos por pegar um jogo simples e consagrado, modernizá-lo e explorar as suas possibilidades artísticas e mecânicas dentro da proposta da festa de maneira incremental (desenvolvemos uma feature por vez e fomos vendo o que colava com o jogo e o que ficava ruim).

O resultado foi a escolha do clássico do ATARI, Q*Bert. No original, você controla uma criatura laranja com uma tromba e Síndrome de Tourrete e deve pintar todos os espaços de um cenário cúbico – pisar neles faz com eles mudem de cor – escapando dos inimigos.

O jogo roda em tempo real, com os inimigos caminhando independente das ações do jogador, e cada um tem comportamento diferente. Em fases mais avançadas, também, o número de vezes que você precisa pisar em um espaço para que ele atinja a cor desejada aumenta.

Somando o conceito do Q*Bert às propostas da festa, começamos a escolher nossas principais referências:

  • Q*Bert – é claro;
  • FEZ – o jogo de Phil Fish, para a rotação da câmera e os gráficos em falso 2D;
  • Vertigo – o filme de Hitchcock, serviu de inspiração para o nosso dolly zoom, que vamos falar mais pra frente;
  • Imagens e técnicas gráficas psicodélicas – tie-dye, caleidoscópios, fractais, &c.

A partir dessas referências, partimos para a produção.

Produção

A produção do V*Bert foi feita de forma incremental – com diversos ciclos de desenvolvimento e teste. Fomos acrescentando mecânicas e efeitos aos poucos, vendo o que se encaixava bem no jogo e o que ficava ruim e, por último, polindo as coisas que descobríamos interessantes.

Tivemos bastante espaço para experimentação, uma vez que partimos de um modelo de mecânicas de jogo já bastante consagrado. Nossos resultados foram nos levando pé ante pé cada vez mais próximos do que veio a ser o nosso produto final.

  • Como não podíamos usar som e as pessoas da festa possivelmente estariam sob efeito de drogas pesadas (vodka, gente), nós optamos por fazer um jogo com uma sobrecarga visual bem impactante;
  • Flertamos com fazer um jogo que dependesse de ritmo, usando a batida da festa como compasso para a passagem do tempo, mas logo descartamos a idéia;
  • Ao invés disso escolhemos fazer o jogo em turnos – os personagens se moveriam apenas quando o jogador se movesse;
  • Aproveitamos a ideia de um jogo de ritmo apenas usando um tapete de DDR no lugar de um controle. Isso incentivaria as pessoas a pisarem no ritmo da música (ou não), e não as puniria caso elas não conseguissem ou estivessem alteradas demais para realiza-lo;
  • O jogo misturaria 2D com 3D, sendo feito com uma distância focal grande – deixando o jogo com a aparência de um falso isométrico. Mais tarde, acrescentamos um dolly zoom, técnica de câmera usada muito por Hitchcock, notoriamente no filme Vertigo, para dar ainda mais impacto visual distorcendo o cenário em ângulos absrudos;
  • Exploramos – e deu certo – fazer com que o cenário girasse conforme o jogador se movesse para espaços em quadrantes diferentes. Isso nos deu novas possibilidades de level design para explorar;
  • A criação dos inimigos foi bastante simples. Com exceção de um inimigo – que foi instantaneamente apelidado de Illuminati – todos os demais foram inspiração direta do jogo original.

Recepção

Do momento em que a festa abriu os portões até o momento em que a atração principal discotecou, o jogo foi disputado pelo público, chegando a ter uma mini-fila informal do pessoal esperando sua vez de tentar.

Cara, tem umas cinco horas que não vejo a tela de título. Quando alguém termina de jogar, já entrou outro.
– Daniel para Diogo

A projeção fascinava, mesmo em um ambiente distante da pista. Com 7 fases diferentes sorteadas através de uma lógica que evitava repetir seleções, era bastante frequente você ser surpreendido a menos que estivesse assistindo alguém jogar por um bom tempo. Houveram alguns frequentadores cativos da instalação que jogaram várias vezes durante o evento, sempre permitindo que quem não havia tentado tomasse a preferência. Em sua maioria as pessoas experimentavam uma ou duas vezes, e assistiam por um bom período.

A reação dos jogadores, em parte coletada por nós mesmos ao vivo e em parte nos contada pelo pessoal da Vorlat nos dias seguintes da festa, foi bem diversa. Houveram pessoas que disseram que o visual estava “uma viagem”, “muito psicodélico” e “um teto”. Outros se surpreenderam quando souberam que o V*Bert era um jogo e não uma projeção de vídeo, comum nas edições anteriores.  Outros relataram que demoraram um pouco para entender como os inimigos funcionavam, mas sanaram suas dúvidas observando outras pessoas jogarem por um tempo. Haviam interações no ambiente das pessoas se ensinando ou explicando umas para as outras como o jogo funcionava, o tornando um objeto social. A grande maioria achou bem divertido, e curtiu o complemento visual e interativo que o jogo trouxe para a festa.

Alguns comportamentos emergentes nos chamaram a atenção:

  • Jogando enquanto inventa: muitos jogaram pulando, ou em equipe, ou enquanto dançavam. O controle ser um tapete de dança permitiu que as pessoas usassem as mãos para brincar com os outros, segurar seus drinks ou inventar possibilidades de aproveitar o jogo em um ambiente de festa.
  • Esquema de controle: como no jogo original, o personagem principal anda “na diagonal” dos cubos. Ou seja, apertar pra cima no controle faz com que ele ande para o cubo superior direito em relação a posição da câmera. Com isso em mente, instalamos o tapete de dança inclinado a fim de refletir como os controles funcionavam. A primeira pessoa que visitou a instalação “arrumou” o tapete para ele ficar reto. Logo em seguida, percebendo como os controles funcionavam, alguém restaurou o tapete à posição original.
  • High scores: ao fim de uma seção de jogo, você podia colocar suas iniciais na tela de high score. Por se tratar de uma festa sem protagonismos, decidimos sempre permitir isso, independente do quão bem a pessoa foi. Surpreendentemente, ao final da festa todos os high scores eram anônimos (_ _ _ ou A A A). Atribuímos isso em parte ao controle em diagonal que dificultava um pouco o entendimento de como registrar o high score, e em outra parte a consistência das pessoas de não se importarem com “ser o fodão” em um ambiente que estimulava não-hierarquias.

Sobre a festa

Queriamos mandar um mega obrigado pra todo mundo que jogou, se divertiu e pra organização da Vorlat que nos recebeu super bem, nos manteve hidratados e concedeu um camarim onde pudemos conhecer os outros performers (QUE PESSOAL GENTE BOA, PQP). A festa toda foi linda, e a instalação foi super cuidada por todo mundo. O tapete de dança sobreviveu sem nenhuma manchinha, o computador e o projetor não foram sequer tocados, só coisa boa. E o som estava incrível.

Se ficou a curiosidade, o link da Vorlat no facebook está aqui, e saiu uma entrevista muito boa sobre a origem da festa no loft55. Abaixo vamos postar algumas imagens da festa diretamente do álbum deles no facebook (clique no link para ver o álbum todo) e um pouco do tema visual para vocês terem uma idéia:

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Majora’s Mask é melhor que Ocarina Of Time

Joguei Majora’s Mask duas vezes. Odiei ele em 2001. Em 2012 ele virou meu jogo favorito de todos os tempos. O motivo? Tem a ver com o quanto um formato consegue beneficiar a história que você quer contar:

A Origem é um ótimo filme, mas seria difícil funcionar bem como uma série de TV sem ter que ficar relembrando o espectador de tudo que aconteceu nos episódios anteriores. É um roteiro complexo, difícil acompanhar sem a imersão que o cinema proporciona.

O Código Da Vinci é um bom livro, que teve uma boa adaptação para filme.  Porém fica claro que o tempo para explorar os quebra-cabeças no cinema é muito mais reduzido, porque em um filme quem dita o ritmo não é o espectador.

Pra mim, Majora’s Mask é a magnum opus do Aonuma. Se me pedissem para apontar um jogo que explora de maneira brilhante as ferramentas que um jogo oferece como maneira de contar uma história, eu diria MM sem pestanejar. Se Avatar usou tudo que o cinema 3D possibilita, esse jogo usa tudo que a mídia do jogo eletrônico pode usar pra contar sua história da maneira mais fascinante possível.

É um jogo recheadíssimo de simbolismo, reforçado de maneira sutil por várias de suas mecânicas, mas que requer uma sensibilidade e uma disposição para escutar o que o jogo está tentando transmitir que eu não tinha na primeira vez que eu joguei.

Antes de começarmos

The Legend of Zelda: Majora’s Mask é sequência direta de outro jogo da série The Legend of Zelda. Esse outro jogo foi Ocarina of Time.

Sim, o mesmo que tem notas praticamente perfeitas em quase todos os sites de análise de jogos eletrônicos, que foi cultuado por muitos mesmo em gerações de consoles posteriores como o melhor jogo já feito. A partir disso dá pra entender toda a expectativa que tinha sido criada sobre Majora’s Mask, né? Ele tinha tudo pra ser o sophomore slump dos Zeldas 3D.

É importante, portanto, que a gente fale um pouco sobre o final do Ocarina of Time, e como os eventos deste impactam no que decorrerá em Majora’s Mask.

Em Ocarina of Time o protagonista, Link, após passar por provações enquanto criança, fica preso por 7 anos em uma dimensão alternativa e volta para Hyrule já no corpo de um adulto. Ele se depara com um mundo tomado pelo caos e a restauração da ordem depende dele. É forçado a se emancipar.

Depois viajar pelo tempo entre sua infância e idade adulta diversas vezes para salvar a Hyrule do futuro de seu predicamento, a princesa Zelda o envia de volta no tempo para que ele possa viver sua infância perdida. Só que nesse processo de volta no tempo, ele não é mais um herói. Todo o caos que assolou Hyrule ainda não aconteceu. Ele viveu as responsabilidades de um adulto e cumpriu seu destino como Herói do Tempo, mas volta a um momento antes de seus feitos em um corpo de criança.

Ele foi uma lenda, mas agora é só mais um pirralho. E agora começamos a nossa jornada por Majora’s Mask.

O Início de Majora’s Mask

A primeira hora de Majora’s Mask introduz de maneira primorosa o jogador uma estrutura que vai se repetir o longo de todo o jogo, e por isso é importantíssimo que falemos dela.

Como dissemos antes, no começo do jogo Link é uma criança de 10 anos que já viajou no tempo e viveu sua vida adulta restaurando Hyrule. Já foi um herói mas, tendo voltado no tempo, todos os seus feitos estão à sua frente na linha do tempo e ainda não aconteceram. Seu heroísmo não é mais necessário, pois o plano de Ganondorf não se concretizará no futuro.

É importante entender que no começo de Majora’s Mask Link está desvinculado da sua identidade construída ao longo de Ocarina of Time. Ninguém com exceção de um único personagem sabe da jornada que ele teve em um futuro que não acontecerá nessa linha do tempo. E ele vai em busca dele. Atenção ao vídeo (não precisa assistir inteiro, só o comecinho):

Os primeiros 40 segundos são o suficiente pra ver as mensagens, mas a abertura toda é linda!

Se a ficha não caiu, é a Navi. O sonzinho dela toca logo depois que o texto para de passar. Em seguida na cena de abertura, Link encontra Skull Kid, o “vilão” da história cuja motivação você ainda não conhece, mas que hmm… bullies? Atormenta? Perturba? Enfim, toca o terror pra cima do Link. Ele está vestindo o artefato mágico do jogo, a Majora’s Mask – uma máscara amaldiçoada que amplifica o pior de sua personalidade e lhe dá poderes mágicos -, que ele usa para transformar Link em um Deku Scrub. Link enxerga sua nova forma e corre cobrindo o rosto. Depois enxerga seu reflexo na água, já transformado, e grita. Ele ainda não sabe o que o define, mas sabe que ele não é um Deku Scrub.

Após passar por alguns obstáculos, Link atravessa um corredor onde o espaço vira de ponta cabeça (ao som de uma música muito importante no jogo; vamos falar dela mais tarde). Ao final do corredor ele encontra com uma figura importante, o personagem que vai lhe explicar mais sobre sua missão: O vendedor de máscaras. Ele é um colecionador, o dono original da Majora’s Mask, e alerta link sobre os poderes dela, pedindo que Link a recupere para evitar um destino terrível.

Link então adentra Clock Town, cidade central e de Termina – a dimensão paralela de Hyrule onde a aventura se passa – e hub do jogo, iniciando sua busca pelo Skull Kid para resgatar Navi.

Impedido de deixar Clock Town pelos guardas nas saídas da cidade, Link começa sua jornada investigativa realizando missões em troca de informação. Eventualmente ele descobre que Skull Kid está no topo da torre do relógio de Clock Town, que a torre abrirá as portas superiores – que estão fora de seu alcance – três dias depois, à meia-noite, e que ele precisa chegar lá. Fazendo algumas missões e com a ajuda de um mercador Deku, ele consegue alcançar a entrada da torre do relógio. Lá ele se depara com algo mais terrível e urgente ainda do que resgatar sua amiga: o destino derradeiro de Termina – a queda da Lua.

Navi está desaparecida, o mundo vai acabar e não há nada que Link, preso ao corpo de um Deku, possa fazer para impedir. Porém, ele recupera sua ocarina – sim, a Ocarina of Time, artefato que titula o jogo anterior. A ocarina que lembra a ele que ele já salvou Hyrule em uma linha do tempo alternativa, e talvez possa fazer algo por Termina. Ele toca a Canção do Tempo, a mesma que permitiu que ele viajasse entre sua idade adulta e infância no jogo anterior, e fazendo isso ele retorna três dias no tempo e começa o ciclo novamente.

Termina foi revertida a como estava no exato momento em que Link chegou. A lua não caiu, Skull Kid ainda aguarda no topo da Clock Tower e os habitantes de Clock Town permanecem alienados do destino de seu mundo.

Link retorna para o subsolo da Clock Tower, lugar onde encontrou o vendedor de máscaras (e único lugar no jogo imune à passagem do tempo), e ele o ensina uma música capaz de curá-lo de seu predicamento: a Song of Healing, ou “Canção da Cura”. Ele então passa pelo processo que o próprio jogo chama de healing, onde ele volta a sua forma original, mas transforma sua maldição numa máscara que permite que ele volte a assumir a forma do Deku Scrub.

Recapitulando – A Estrutura do Jogo

Está acompanhando?

  • O jogo consiste de um ciclo de três dias que se repete até que o jogador consiga finalmente enfrentar o Skull Kid;
  • Durante esses três dias, todos os NPC’s vão refazer as mesmas coisas que sempre fazem, nos mesmos horários. A não ser que o jogador interfira na jornada de algum deles;
  • Das mecânicas centrais do jogo, está o processo de healing ou “cura” – com ou sem o uso da Song of Healing – no qual o jogador resgata uma máscara.

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Vamos continuar 🙂

As Máscaras e a Cura

Obter novas máscaras é parte central de Majora’s Mask. Elas conferem inúmeros poderes a Link, e interagem de maneiras diversas com o mundo à sua volta, mudando até mesmo a maneira como alguns NPCs reagem a você. Para conseguir essas máscaras é preciso ajudar pessoas que estão, externa e internamente, em conflito: o herói de um vilarejo que não resistiu ao frio intenso; um artista famoso que não pôde realizar seu último show; a dona de um rancho que está sendo roubada e não consegue se defender.

As vezes o negócio é bem sutil. Por exemplo esse cara:

Esse soldado está no meio de um círculo de pedras em uma área repleta de inimigos explosivos. Detalhe: ele está invisível. Só é possível vê-lo usando a Lens of Truth, um item que permite enxergar objetos ocultos nos cenários. É uma mecânica recorrente no jogo, não é exclusiva dessa cena, então ao mesmo tempo que é fácil ignorá-lo, é bem possível descobri-lo. Ele diz que está lá sentado a muito tempo pedindo socorro mas ninguém dá bola pra ele porque ele não é muito interessante. Se link atende o pedido de ajuda dele – dando a ele uma poção de cura, remetendo ao processo de healing pelo qual Link passa para obter a Deku Mask -, ele se sente melhor e em seu processo de healing, te dá uma máscara. Essa máscara, a Stone Mask, permite que você se torne “tão interessante como uma pedra” e, como o soldado afligido por sua ‘invisibilidade’, consiga passar desapercebido por diversos inimigos e personagens.

Seguindo nosso argumento de que no jogo, mais do que salvar o mundo, Link está em uma grande jornada para recuperar sua identidade perdida após os eventos do Ocarina of Time, ao ajudar essas pessoas a lidarem com esses conflitos, descobre um pedaço de si mesmo. Após o amadurecimento forçado e confuso do Ocarina of Time, de ter sua identidade e papel no mundo imposto pela trama do seu destino como o Herói do Tempo, agora Link deve amadurecer e descobrir quem ele é a despeito do que é esperado dele. Esse pedaço de si mesmo que link descobre nas máscaras é como as múltiplas máscaras que nós usamos em nossas vidas – criança, adulto, filho, profissional, amante, herói -, e ele pode usá-lo em forma de uma máscara mágica para progredir no jogo.

As máscaras sempre são obtidas ajudando outras pessoas. Link obtém seu arsenal a partir do outro. Ele constrói seu conjunto de máscaras a partir de como ele percebe os personagens e os ajuda. Algumas máscaras tem menos relação com a pessoa da qual ela é obtida, mas em geral o jogo faz um bom trabalho de manter o vínculo entre o personagem e máscara que ele dá bastante explícito.

Termina e o Ciclo de 3 Dias

Termina pode parecer pequeno; talvez seja menor que Hyrule, o mundo onde se passa Ocarina of Time. Mas o worldbuilding de Majora’s Mask é menos sobre tamanho e exploração de expansões de terreno, e mais sobre a descoberta de pessoas.

Em Majora’s Mask o herói está preso em um ciclo de 3 dias. O mundo é destruido por Skull Kid ao final da 3ª noite mas Link pode voltar no tempo até a manhã do primeiro dia usando a Song of Time e viver esse período novamente.

Da perspectiva de Termina, porém, todo o progresso obtido pelo protagonista durante este período é perdido quando ele volta no tempo. Você arruma um problema do mundo, chega ao final dos 3 dias, volta no tempo, e o problema do mundo está de volta. É realmente agoniante. Porém, você mantém todos os itens, e todas as máscaras que ganhou ajudando as pessoas. Você tem mais um pedacinho de quem você pode ser.

O primeiro ciclo de 3 dias é particularmente marcante, porque é neles que você é apresentado a todos os recursos de buildup do jogo. Desde o primeiro dia que Link chega em Clock Town, o hub de Termina, aparece na tela um aviso que pelas cores e disposição do texto já deixa bem clara a gravidade do assunto: 

Ainda tem bastante tempo, certo? A música que sucede o aviso é bem acolhedora, característica das cidades principais dos jogos da série:

Durante esse primeiro ciclo, Link percorre a cidade tentando realizar as tarefas sugeridas pelo vendedor de máscaras que levarão ao seu processo de cura, para que ele possa voltar a ser humano, e ganhar seus poderes de voltar no tempo até o primeiro dos 3 dias. Conforme o tempo vai passando, mais avisos da passagem do tempo vão aparecendo, lembrando a você de que um perigo iminente está se aproximando.

No terceiro dia, a música de Clock Town se distorce:

Pra melhorar, se você olhar pra cima você se depara com essa imagem, que deixa bem claro o desastre que vai acontecer quando o tempo se esgotar:

moon
O tempo está acelerado na imagem, mas sim, é uma lua com uma cara assustadora que está vagarosamente se aproximando de Termina.

A tensão é sutil, mas insidiosa; a ameaça da lua caindo sempre iminente. Há detalhes nessa aclimatação tensa do jogo que pouquíssima gente sabe. Por exemplo, o primeiro dos 3 dias passa mais rápido que os outros. Ou seja: o dia que você se sente mais tranquilo porque é o com a música mais meiga, com a lua lá longe, e com bastante tempo pra você completar uma missão é o que menos dura. O jogo faz questão de te botar na tensão do 2º dia em diante o mais rápido possível. Isso torna o clichê de estar preso na mesma sequência de eventos algo novo e brilhante. Tenho certeza que tem muita gente que já faz coleção de onde esse loop temporal aparece:

sisyphus
Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra enorme montanha acima. Quando ele completa a tarefa, a pedra rola de volta para baixo da montanha e ele é obrigado a repetir a tarefa.


everydaythesamedream
Every day the same dream, um jogo em flash que explora o mesmo conceito. Clique na imagem para jogar!

Fazer as mesmas coisas de novo e de novo é muito cansativo. Fazer um jogo legal sobre empurrar uma pedra montanha acima parece muito complicado. Mas e se a gente der algo novo pro jogador explorar a cada subida de montanha? E se o que o jogador tivesse que rolar outra coisa que não uma pedra montanha acima? E se tivessem obstáculos? E se a gente enriquecesse o ambiente onde a tarefa repetitiva é realizada e desse a possibilidade do jogador explorar rachaduras na montanha ou usar animais pra facilitar o trabalho dele? E se o jogo parecesse… menos com Sísifo… e mais com Katamari Damacy?

Majora’s Mask tem um elemento que faz esse enriquecimento do mundo onde ele se passa que complementa muito bem o fato de você ter que repetir os mesmos 3 dias várias vezes.

Os NPCs 

Os personagens que não são controlados pelo jogador são muito bem desenvolvidos neste jogo. Como Link adquire as máscaras através da interferência em conflitos de outras pessoas, é necessária uma quantidade grande de personagens com conflitos interessantes para serem resolvidos. Em cada iteração de 3 dias, Link pode acompanhar a rotina, os anseios e o que define cada personagem de Termina.

Cada personagem tem uma rotina bem estabelecida, que vai acontecendo conforme os 3 dias vão se passando dentro do tempo do jogo. Pra deixar claro: os 3 dias demoram aproximadamente uma hora em tempo real. No primeiro dia, o carteiro acorda cedo, e faz uma ronda pela cidade para entregar as cartas. À tarde ele volta para o escritório, onde você pode interagir com ele. Alguns personagens tem atividades que mudam de um dia pro outro também, e várias dessas atividades acontecem ao mesmo tempo, o que significa que acompanhar um deles em geral significa deixar de acompanhar o outro. O jogo te incentiva a fazer uma aposta, e te deixa seguro que você vai poder voltar no tempo e ver as outras alternativas caso algo dê errado.

bombernotebook
Seu calendário que mostra etapas da rotina dos personagens que você conhece. Este não está completo.

Esse volume de personagens e riqueza de suas rotinas faz com que Termina pareça um mundo mais vivo. Com pessoas que tem  motivos e preocupações assim como você. Isso faz com que cada um dos personagens seja importante. É difícil você encarar algum personagem como “ah, é só o carteiro, ele não deve ser importante na história” porque o jogo te ensina muito cedo que até o carteiro tem um papel nos eventos que se desenrolam ao longo dos três dias. 

spotthemain
Adivinha quem é o personagem principal?

O contraste entre os personagens importantes pra história e os que estão lá só para cumprir um trabalho é minimizado, e ao mesmo tempo a recompensa de conhecer um novo pedaço da história e ganhar uma máscara é boa o suficiente pra manter sua curiosidade ao decorrer do jogo. Talvez muita gente vá discordar de mim nesse ponto, já vi várias pessoas comentarem que essa necessidade de explorar todos os cantinhos é o que matou Majora’s Mask pra elas. Pra zerar o jogo da forma mais básica possível são necessárias apenas 6 máscaras.

Não é um jogo para todos; vai ver jogos que dão trabalho de terminar não são a sua praia. Claro que terminar o jogo fazendo o mínimo possível dá uma visão muito pequena do que ele tem a oferecer. É um risco grande a correr, mas que jogos atuais como Dark Souls correm confiando em uma mecânica base forte o suficiente para manter o jogador entretido e em uma narrativa boa o suficiente para mantê-lo curioso e engajado.

“AH MAS DIOGO MAJORA’S MASK NÃO TEM UMA LUTA TÃO FODA QUANTO DARK SOULS”. Não, não tem, mas Majora’s Mask é um jogo do ano 2000, apenas 2 anos depois do lançamento de Ocarina of Time. Na época, o que o jogo oferecia era o clímax do que um adventure 3D podia oferecer. Ele também não tem que ser Dark Souls pra ser um bom jogo, seu bobinho com DDA.

A Lua

Depois de coletar as máscaras e completar as quests necessárias, você está habilitado a tentar derrotar o Skull Kid: o responsável pela lua estar prestes a cair sobre Termina. E como você já bem sabe a essas alturas do jogo, para somar ao clima dramático, você só pode ir para o último mapa nos últimos instantes do 3º dia, com aquela música super bizarra e distorcida que vimos antes. Para fazê-lo, você vai até o topo da torre de Clock Town, e invoca 4 gigantes, cada um representando um espírito guardião correspondente a cada chefão que você derrotou, e eles impedem que a lua caia sobre Termina. Então você é levado para o último mapa: a própria lua.

É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.
É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.

Debaixo dessa árvore estão 4 crianças vestindo máscaras equivalentes aos 4 chefões que você derrota durante o jogo. Aí você fala com elas e, no auge da sua busca pela reconstrução da identidade de Link, elas fazem as seguintes perguntas:

Sobre os personagens de Termina:

Your friends… What kind of… people are they? I wonder… Do these people… think of you… as a friend?

Sobre o processo de cura:

What makes you happy? I wonder…what makes you happy…does it make…others happy, too?

Sobre a impermanência dos seus bons atos:

The right thing…what is it? I wonder…if you do the right thing…does it make…everybody…happy?

Sobre a sua identidade:

Your true face… What kind of… face is it? I wonder… The face under the mask… Is that… your true face?

crazymasksalesman
BOOM!

Meus amigos. Se esse não é o fechamento perfeito para todas as coisas que o jogo oferece durante as dezenas de 3 dias que você percorre, eu não sei qual é. Você derrota Skull Kid e Majora’s Mask em sua última forma, e então descobre que Skull Kid estava solitário. Achava que havia sido deixado de lado pelos 4 gigantes que na verdade eram velhos amigos dele, e em um impulso vingativo acabou querendo parar tudo isso. É uma simplificação do final, mas acho que vale.

NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH
NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH

O que mais me impressiona nesse jogo é exatamente o fato de que esses detalhes, essa narrativa que floresce conforme você interage com mais e mais pessoas de Termina e o quão evidente fica a individualidade delas, é algo que seria extremamente difícil de fazer em outro meio que não em um videogame.

Onde MM ganha?

Talvez eu diga que ele seja um dos melhores jogos que eu já joguei por estar em um período mais aberto as mensagens que o jogo tinha para me passar. Como o Daniel já disse, as expectativas que você cria antes de jogar um jogo afetam muito o que você vai absorver dele. O meu eu-de-13-anos esperava uma sequência de Ocarina of Time. Com mais pancadaria, mais lutas contra o Ganon em cima de um castelo destruído. O meu eu-de-24-anos não sabia direito quem eu era. Eu estava aberto. Disposto.

Talvez as interpretações que eu trouxe aqui sejam frutos de uma projeção dos meus problemas para as metáforas do jogo. De fato há outras interpretações do que acontece em Majora’s Mask. Uma delas, inclusive, é de que os 3 dias são um período de luto, e que o Link morreu na cena de introdução, e todos os personagens são ilusões da cabeça dele em um coma pré-morte. Pessoalmente eu acho essa teoria punhetação de Massaveyismo. Prefiro a minha. Hahahah!

O que é inegável é que Ocarina of Time foi muito inovador em termos mecânicos, mas me conta qual o drama fora do eixo link-zelda-ganondorf que mais te cativou? Majora’s Mask tem centenas. É impossível desqualificar Ocarina of Time – é um jogo brilhante, e foi pioneiro em diversas coisas -, mas a profundidade do mundo sobre o qual MM se passa ganha. Ganha em personagens carismáticos com seus próprios dramas individuais, na ambientação de desastre iminente o tempo todo, e em aproveitar todo o ferramental que os jogos eletrônicos como mídia tem a fornecer para contar uma história com uma estrutura complexa. Esses fatores são capazes de despertar interpretações que batem muito próximo do nível pessoal de cada jogador, tornando a experiência de jogar Majora’s Mask a mais visceral de qualquer Zelda.

E se você discorda ou não gostou da minha opinião…

rotomnavi
HEY LISTEN!

Vai ser tóxico assim no inferno

Se eu tivesse que adivinhar qual a proporção de pessoas que já foram tóxicas em um jogo online eu diria 99.999…%. Não porque toda a comunidade de jogadores é sempre tóxica, mas porque todo mundo tem um mau dia:

Nome do Jogador Partida 1 Partida 2 Partida 3 Partida 4 Partida 5 Partida 6 Partida 7 Partida 8 Partida 9 Partida 10
Alice   TÓXICO                
Bob               TÓXICO    
Carlos TÓXICO TÓXICO                
Daniel         TÓXICO          
Eduardo     TÓXICO           TÓXICO  
                     
Percepção que temos da partida TÓXICO TÓXICO TÓXICO   TÓXICO     TÓXICO TÓXICO  

Todo mundo eventualmente passa por um mau momento: perdeu várias vezes, brigou com chefe/amigos/família/cônjuge, e acabou descarregando a bad no chat do jogo. O problema é que quando a comunidade de jogadores cresce significativamente e os times passam a ser integrados por 10, 16 ou até 32 jogadores, a chance de um deles estar de mau humor é muito alta. Lembrando como probabilidades interagem: em um grupo de 23 pessoas, há 50% de chance de 2 delas fazerem aniversário no mesmo dia.

Ao decorrer de várias partidas de League of Legends que o time do Mean Look jogou, formamos uma crença que é reforçada a cada partida. Conforme ela foi sendo confirmada, surgiu A Teoria Fundamental da Solo Queue:

Em um jogo onde o time tem 5 jogadores, se você montar um time de 4 amigos e deixar o 5º espaço ser preenchido por alguém aleatório, a chance dessa pessoa aleatória ser tóxica é uns 50%. Se você montar um time de 5 amigos, a chance de alguém ser tóxico ainda é uns 50%.

Não é que tenhamos amigos que são bostões e tóxicos. Temos amigos que tem um emprego, que dividem o quarto com irmãos, que estão com uma infiltração no teto do banheiro porque o filho da puta do vizinho não faz nada a respeito já tem um mês. Tomara que ele morra, aquele infeliz. Opa. A idéia toda é de que ninguém está livre disso. E isso é OK, não acho que esse tipo de ofensa seja punível com banimento dos jogos onlines (até porque teríamos jogos bem pouco populosos em alguns casos).

O ponto é: se ser tóxico é algo que acontece com determinada frequência com todo mundo, existem várias nuances de toxicidade que um jogador pode exercer, e podemos determinar limiares dentro disso para determinar o que acontece com essas pessoas.

toxxplayers

A zona intermediária não é passível nem de louvor nem de banimento, mas não significa que nada possa ser feito nesse nível. Minha proposta é olharmos para um mecanismo comum a vários jogos online que pode ser usado para identificar qual círculo do purgatório aquela pessoa deve ser enviada.

Matchmaking

Em geral, jogos online que incentivam a competitividade como CS:GO, League of Legends, Rocket League, etc, têm um processo no qual tentam montar uma partida com jogadores que tem um nível parecido de habilidade. A idéia é que um desnível muito grande entre as habilidades dos jogadores que estão se enfrentando ia deixar o jogo pouco divertido para um dos lados, ou então completamente não-determinístico.

  Oponente muito experiente Oponente iniciante
Jogador muito experiente Partida interessante, cheia de viradas, surpresas e jogadas boas de fazer e assistir. Jogador ganha de goleada.
Jogador iniciante Jogador toma uma surra. TODO MUNDO APERTA TUDO QUE É BOTÃO, ACIDENTALMENTE ACERTA UM SHIN HADOUKEN E FICA RINDO POR HORAS SEM FAZER IDÉIA DE COMO FEZ.

Como isso funciona? Esses jogos em geral tem alguma adaptação de um sistema de rating como o Elo, utilizado para quantificar a habilidade relativa de jogadores de xadrez. Esses sistemas atribuem um número a cada jogador, que indica o nível de habilidade deles, e conforme eles vão jogando, esse número vai sendo calibrado para representar o nível daquele jogador de maneira cada vez mais fiel. Uma vez em posse desse número, o que o sistema de matchmaking faz é procurar grupos de pessoas que melhor atendam um critério. Esse processo é chamado de aproximação do mínimo de uma função, onde se está buscando ter um conjunto de jogadores que tenha, por exemplo, a menor diferença entre suas pontuações*. O conjunto de jogadores escolhidos não precisa ser o melhor possível, ele pode ser o melhor o suficiente para que o tempo de espera para encontrar a melhor partida hipotética não se torne insuportável.

* = Outros critérios podem ser adotados também, mas essa é uma simplificação do processo. Para quem tem interesse nos detalhes dessa ciência sórdida, tem muito, muito, muito, muito, muito material teórico sobre como essa divisão é feita, e algum material mais especializado sobre matchmaking para sistemas onde latência de rede (lag) é uma variável a ser considerada, modelos que questionam habilidade como uma variável, etc.

niveldehabilidade

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade

A parte importante aqui é que o sistema tenta obter um conjunto com a menor diferença entre a pontuação dos jogadores. Já existe um pedaço do sistema que tenta encontrar esse conjunto usando uma função que determina a diferença de score entre os jogadores. Recorrendo à matemática do segundo grau, a distância entre dois pontos em um espaço linear que descreve o Elo (ou score de habilidade dos jogadores):

d(A, B) = |EloA – EloB|

OK, estamos calculando distâncias entre os scores em uma reta. E se adicionássemos mais um eixo nesse espaço? E se adicionássemos toxicidade como um dos critérios do matchmaking? Suponhamos que além do seu ranking de habilidade, os jogadores possuíssem um número que determina o quão frequentemente eles praticam comportamento tóxico. Poderíamos modificar a função que determina a diferença de scores para calcular efetivamente a distância entre dois planos em um plano onde X representa o nível de habilidade do jogador e Y seu grau de toxicidade. A distância em um espaço bidimensional é barbada: pitágoras.

a² = b² + c²

(d(A, B))² = (EloA – EloB)² + (ToxA – ToxB

d(A, B) = sqrt((EloA – EloB) + (ToxA – ToxB))

Isso poderia alterar a melhor combinação para um determinado jogador:

eloxtox

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade e toxicidade

Podemos até acrescentar pesos diferentes para os critérios de Toxicidade e Habilidade como desejarmos. O importante é que isso poderia ser introduzido como parte do sistema já vigente, sem grandes modificações. Claro que estou generalizando e teorizando sobre sistemas aos quais não temos acesso, e isso dependeria do jogo onde isso seria aplicado mas, em linhas gerais, um modelo assim seria compatível com o caso genérico de matchmaking.

Isso faria com que quanto mais tóxico um jogador é, maior a chance dele ser colocado em uma partida com outros jogadores tóxicos. É uma tática de stealth banning já utilizada por sites como Hacker News, Reddit e Craigslist. O Matchmaking passa a criar experiências mais e mais agradáveis para pessoas que se preocupam em dar a experiencia mais agradável ao seus parceiros de equipe e adversários. Ser gente-fina passa a ser um comportamento desejável, passível de recompensa. Enquanto isso torna o jogo mais divertido para a metade menos tóxica dos jogadores, isso pode gerar um comportamento impassível de recuperação para a metade mais tóxica. Essas pessoas deixam de entrar no jogo ao invés de corrigirem suas atitudes.  Como arrumar?

Nielsen, teu povo te ama

Às vezes temos a sensação de que efetuamos nosso papel brilhantemente, mas o resto da equipe atrapalhou, causando a perda de uma partida. Mesmo quando os outros jogadores também estavam tentando cooperar tanto quanto nós. É um tipo de viés cognitivo. Para que fique clara a tendência de comportamento que o indivíduo tem no jogo, o ideal seria informar o jogador do feedback que ele vem recebendo no decorrer das suas partidas. Pode ser totalmente anônimo, e com um intervalo de alguns dias entre o feedback ser emitido e mostrado. Até para evitar que haja qualquer tipo de retaliação por uma crítica (que diga-se de passagem seria algo mega-tóxico).

Imagina que interessante, se os dados de denúncias e honrarias que você recebe de outros jogadores fossem condensados em um dashboard onde você mesmo pudesse descobrir coisas sobre seu estilo de jogo:

  • Toda vez que eu jogo em um papel de suporte, eu sou mais tóxico do que minha média.
  • Eu sou tóxico em jogos onde eu estou indo bem e meu time não.
  • 30% das vezes que eu fui tóxico, alguém estava me xingando no chat e eu fiquei respondendo.

Isso dá ferramentas para o próprio jogador enxergar como os outros o tem percebido (removendo o viés cognitivo) e para ele mesmo descobrir maneiras de como melhorar sua atitude. Não remove a necessidade de uma punição em casos pesados, mas deixa tudo mais claro. A própria Riot, empresa que desenvolve League of Legends, comenta sobre como dar transparência sobre os motivos pelos quais uma pessoa recebeu uma punição baixou muito os índices de reincidência de atitudes tóxicas. Confere aqui.

dashboard

O próprio Match History de League of Legends já melhorou muito, mas poderia trazer dados mais relacionados entre si.

Outra coisa a considerar é fazer com que o score de toxicidade do jogador caia suavemente conforme ele não recebe nenhuma denúncia. Isso também deixaria uma chance para que as pessoas não ficassem PRESAS na área bem da direita daquele gráfico lá em cima.

Tenho certeza que não é tão simples

Claro que esse tipo de sugestão envolve um trabalho de pesquisa que eu sequer tenho condições de analisar se é plausível ou não. Procurando material para esse post descobri que tem muitas empresas com bastante esforço sendo feito em cima disso. Existem peculiaridades de como essa implementação seria feita para jogos que permitem partidas com times pre-feitos, por exemplo, e também é muito difícil isolar as variáveis do que consideramos comportamento tóxico de maneira que essa triagem possa ser feita de forma automatizada. As mesmas dificuldades são apontadas para calcular o ranking de habilidade de um jogador em jogos de times. E são discutidas em papers da Microsoft, e também nesse outro paper maneiríssimo do nosso colega Nicholas Passy.

Uma coisa que ajuda muito para que esse tipo de coisa possa ser estudada/sugerida pela comunidade são jogos que expõem uma API para desenvolvedores. A Valve (DOTA2, CS:GO,  TF2, etc.) e a Riot Games (League of Legends) possuem esses serviços, mas não permitem acesso a informação de denúncias de toxicidade sobre um jogador, talvez por uma questão de privacidade. Se esses dados não fossem associados a uma conta, mas a um identificador único que fosse conhecido apenas pelo dono da conta, isso seria bastante factível e daria informações suficientes para que desenvolvedores pudessem gerar bons insights a partir delas. Com uma comunidade de fãs tão grandes, a máxima “if you build it they will come” se aplica muito forte aqui. Têm milhares de desenvolvedores que já têm idéias de como cruzar esses dados de maneiras interessantes, basta fornecer maneiras para que isso aconteça.

Por hora, não esqueçam que todo mundo tem um mau dia de vez em quando 😉

rotom_chill

CHIIIIIILL DOWN, CARAS

RPG é só o de Mesa

Estudar game design é uma parada muito louca.

É com essa frase na cabeça que eu quero que vocês se aproximem do meu texto solo inaugural aqui no Mean Look.

Problemas de game design são wicked problems. Não existe uma única resposta certa, embora existam muitas respostas ruins. Os desenvolvedores tem uma história pra contar, uma experiência que querem que os jogadores vivam ou uma emoção que quer que eles sintam, e isso envolve expressão e subjetividade – arte. Por outro lado, alienar os jogadores na desculpa de que é uma peça de expressão é péssimo para os negócios – e preguiçoso, na minha opinião.

Isso faz com que várias coisas pareçam contraintuitivas, com pequenos detalhes que parecem irrisórios pra nossa cultura racionalista façam toda a diferença do mundo. Vou escrever sobre tudo isso em outros posts, mas hoje tenho um desses wicked problems pra vocês:

Jogos de RPG costumam ser lembrados por terem narrativas fortes, mas será que eles são a melhor alternativa pra se contar histórias?

O texto é extenso, mas fiz tudo dentro do meu alcance pra fazer com que ele valha a pena pra vocês.

Ah, e uma novidade aqui no blog. Se vocês verem esse símbolo em algum lugar, você pode passar o mouse sobre ele pra ver definições, observações do autor do post e outras coisas interessantes.

Histórias em Jogos

Jogos com narrativas de peso – ou que pretendem ser de peso – são padrão na indústria hoje, mas isso nem sempre foi assim. Seja por limitações de hardware ou pelo fato de a mídia ser nova, os primeiros jogos não contavam histórias. Quando contavam, ela era só um pano de fundo pro sistema do jogo; às vezes escrita no manual, sem nenhuma relevância real.

E não tem nada de errado com isso. Vários jogos de videogame fantásticos não tem absolutamente nenhuma história.

Com o tempo as histórias foram ficando mais complexas e o desenvolvimento natural apontou para adaptar os RPGs, um jogo famoso por desenvolver histórias profundas, para os videogames.

RPG de Mesa

rpgrealtablePara os que não conhecem, e para os que querem relembrar: RPG é um jogo onde os jogadores assumem o papel de personagens em um universo ficcional. Um dos jogadores assume o papel do Mestre ou Narrador (sistemas diferentes às vezes adotam nomes diferentes, mas esses são os mais comuns) e é responsável por comandar o universo ficcional, seus habitantes (non-player characters, ou personagens não-jogador) e seus eventos. Os eventos do jogo são determinados por um corpo de regras, o sistema, que costumam envolver fichas de personagem, rolagem de dados e muitas, muitas tabelas que você provavelmente nunca vai usar.

Podemos resumir como uma brincadeira de faz de conta mediada por um sistema de regras.

A parte que – discutivelmente – atrai a maioria dos jogadores, é o faz de conta, onde os jogadores e o mestre colaboram para poderem viver o desenrolar de uma história fantástica. Isso foi academicamente denominado um fenômeno de “narrativa compartilhada”. Mas isso trata da parte narratológica. E quanto ao sistema?

A Teoria GNS aponta que jogadores de RPG se aproximam do jogo de maneiras que são uma combinação de três tipos de comportamento: jogabilista (Gamist), narrativista (Narrativist) ou simulacionista (Simulationist). gns

  • O comportamento jogabilista é a preocupação com o aspeto de jogo do RPG, se preocupando em obter exito em situações de jogo. A supervalorização do comportamento jogabilista pode incorrer em metajogo.
  • O comportamento narrativista é a preocupação com o aspecto estória do RPG, com a criação de personagens interessantes, situações de drama envolventes e experiências ímpares. Contar boas histórias. 
  • O comportamento simulacionista, o mais confuso entre estudiosos, se apresenta através da preocupação dos jogadores e do mestre com a coerência interna do universo de jogo, e como as regras refletem os aspectos desse universo.

A dinâmica entre os jogadores de uma mesa, o mestre e o sistema escolhido pode encorajar ou inibir determinados comportamentos.

D&D
(Gráfico com designações totalmente arbitrárias.)

Extrapolando a Teoria GNS, podemos dizer que o sistema escolhido para o jogo pode inibir ou incentivar cada um desses tipos de comportamento; que ele pode ser mais apropriado para uma das três aproximações. Que cada Sistema tem uma inclinação e se posiciona em algum ponto no espectro GNS.O notório Dungeons & Dragons é considerado um sistema de inclinação jogabilista. Já o Storytelling System, utilizado nas publicações da editora White Wolf e agora herdado por sua sucessora Onyx Path, tem pretensões narrativistas. O sistema GURPS é considerado um sistema simulacionista. 

Ter consciência dessa influência nos dá a oportunidade de observar padrões comportamentais que emergem nos jogadores – tanto como indivíduos quanto como um grupo -, identificar quais desses comportamentos estão sendo incentivados pelo sistema adotado e, por fim, observar se não é hora de adaptar o sistema ou a maneira que o jogo é conduzido.

Esse tipo de observação do comportamento do jogador é um dos objetos de estudo do game design, e a teoria GNS citada anteriormente não passa de um modelo específico aceito no microcosmo dos designers de RPG. Existem teorias específicas para jogos eletrônicos, mas não vou falar delas agora.

Por essa intimidade com a narrativa, quando os desenvolvedores de jogos viram a oportunidade de usar os jogos como uma mídia narrativa e contar histórias, era apenas um passo lógico que tentassem adaptar a experiência do RPG de mesa para os jogos digitais. E quando isso aconteceu, o oriente e o ocidente tiveram coisas beeem diferentes a dizer sobre isso.

Embora o contraste no qual estou baseando esse post já não seja tão gritante há bastante tempo devido à globalização da indústria dos jogos eletrônicos, é interessante observar como a teoria GNS de certa forma foi refletida no mundo dos jogos eletrônicos. E como, de fato, até hoje RPG mesmo é só o de mesa.

WRPG e Narrativismo

fallout4
(Fallout 4, 2015)

Os WRPGs são associados com narrativas ramificadas e jogos de mundo aberto. Isso valoriza a criação de uma trajetória dramática para o personagem, colocando decisões críticas da narrativa embutida nas mãos do jogador e apresentando-lhe as consequências dessas ações. Pela natureza do desenvolvimento de jogos e da tecnologia, essas ramificações não são infinitas, e devem ser previstas e desenvolvidas uma a uma pela equipe de desenvolvimento de forma a criar uma ilusão de escolha. A quantidade de ramificações impacta no custo de desenvolvimento, quando não na qualidade e profundidade de cada arco da história e missões além da principal.

Além das decisões narrativas, o game design emprega sistemas complexos de customização de personagem, permitindo que o jogador tenha poder não só sobre suas decisões dramáticas, mas também que ele determine as habilidades e especialidades que seu personagem tem e deixa de ter. As opções do jogador durante momentos de narrativa emergente são submetidas a esse sistema, com certas opções desaparecendo – por exemplo, um jogador que coloca todos os seus pontos em habilidades físicas pode não tem acesso às magias do jogo. Isso garante que diferentes jogadores tenham experiências de jogo ainda mais diferenciadas, e que um mesmo jogador que escolha jogar novamente com uma build diferente tenha uma experiência distinta da primeira. Isso costuma impactar com mais peso nas possibilidades da narrativa emergente. Em alguns jogos, para garantir verossimilhança, esses sistemas operam em confluência, com a build do personagem limitando/influenciando nas alternativas disponíveis nos nodos narrativos onde o jogador deve fazer escolhas.

planescape
(Planescape: Torment, 1999)

Tudo isso é uma tentativa de emular através de sistemas computacionais a dinâmica interpessoal de um RPG de mesa, onde as possibilidades narrativas são limitadas apenas pela imaginação dos jogadores e a manutenção do contrato social. Essas decisões tem um impacto profundo na maneira como outros aspectos do jogo eletrônico devem ser projetados. Os mais notórios são os impactos no level design e no balanceamento do jogo, que precisam prever todas as variações de playstyle que forem possíveis dentro do sistema programado. E aí os desenvolvedores tem que tomar uma série de escolhas muito difíceis. E para explicá-las, tenho que entrar um pouco na teoria de game design.

Uma teoria amplamente aceita no universo do game design diz respeito a um estado de consciência denominado flow.

flow foi amplamente estudado, teorizado e descrito pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Ele é definido como um estado mental onde uma pessoa desempenhando uma tarefa está totalmente imersa em uma sensação de “foco energizado, envolvimento total e gozo”. Sabe quando você começa a fazer algo que gosta – nadar, desenhar, fazer contas – e fica tão envolvido com a tarefa que parece se alienar completamente do mundo à sua volta? Isso é o estado de flow.

A manutenção do estado de flow se deve a duas coisas: aumento gradual nos desafios apresentados pela tarefa, seguido pelo aumento da habilidade até um nível necessário para superar esses desafios, e a repetição desse ciclo diversas vezes. Isso gera o que é chamado o “canal de flow“.flowUm dos objetivos do bom game design, portanto, é fazer com que o jogador entre em estado de flow enquanto joga, para que ele se sinta o mais próximo possível dos eventos fictícios que se desenrolam na telinha.

O objetivo do WRPG é dar ao jogador a liberdade de construir sua própria narrativa e seu próprio personagem. Isso implica que todas as situações do jogo devem ser superáveis por todos os tipos de personagem. Mas se um personagem mago, um guerreiro e um diplomata devem ter, em teoria, chances iguais de superar todos os desafios e chegar ao final do jogo, sem um trabalho intensivo e extensivo de balanceamento o jogo pode acabar sendo fácil demais. Jogos fáceis, como vimos acima, fazem com que o jogador saia da zona de flow e caia na área de tédio. Quando todas as opções parecem certas, a percepção que o jogador tem da importância das suas escolhas diminui.

Isso costuma ser solucionado com um balanceamento cuidadoso, fazendo com que todos os desafios sejam, sim, superáveis, mas com algumas builds sendo mais apropriadas para determinados desafios. É óbvio que num jogo de mundo aberto com diversas missões a serem cumpridas, isso nem sempre é feito.

Por outro lado, fazer um jogo onde diferentes builds tem dificuldade ou facilidade muito claras em determinados momentos do jogo – ou até onde determinadas builds são impedidas de explorar certas possibilidades do jogo – tem dois impactos. O primeiro, ainda de acordo com a teoria do flow é que se os desafios parecerem impossíveis, o jogador vai sair do canal de flow e ficar ansioso.

O segundo impacto é que esse tipo de balanceamento pode resultar na emergência de caminhos ótimos através dos nodos narrativos e direcionar os jogadores a darem demasiada importância ao sistema do jogo enquanto buscam builds ótimas através de minmaxing, distanciando-os da narrativa e incentivando comportamento jogabilista. No momento em que vencer o jogo torna-se mais importante que experienciar o jogo, há quebra de imersão, a suspensão da incredulidade é fragilizada e a narrativa torna-se irrelevante. Jogos com muitos números e sistemas muito complexos e customizáveis também podem resultar nisso.

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Sim, tem uma barrinha na lateral da tab de atributos e sub-atributos. E isso em um jogo com 14 níveis de dificuldade que não deixa você distribuir pontos. (Diablo 3, 2013)

Além disso, histórias muito ramificadas são um pesadelo para jogadores complecionistas deixando-os ansiosos por terem opções demais, e os obrigando jogar o jogo diversas vezes para que ele veja tudo que há pra ser visto. Isso pode ter uma série de efeitos indesejáveis, fazendo com que ele largue o jogo totalmente por se sentir frustrado, ou com que ele fique consultando uma wiki compulsivamente com medo de tomar alguma ação irreversível que faça com que ele perca alguma coisa importante. Sair do jogo para fazer uma consulta quebra a imersão do jogo.

Isso tudo pivota o jogo na direção do jogabilismo, e fere as tentativas de dar ao jogador liberdade narrativa.

JRPG e Narrativismo (também!)

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(Final Fantasy XV, TBA~2016, imagem promocional)

Enquanto WRPGs buscam criar uma experiência imersiva através do empoderamento das escolhas do jogador, JRPGs se preocupam com algo totalmente diferente.

JRPGs buscam encantar os jogadores com histórias fantásticas criadas com esmero, personagens fortes e engajantes e uma fantástica experiência estética. Se apoiando nas melhores tecnologias de processamento gráfico de cada geração e no talento de equipes formadas pelos melhores artistas da indústria, eles fazem uso do espetáculo visual, sonoro e narrativo para contar uma história única e imersiva.

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(Final Fantasy VI, 1994)

Com exceção de alguns poucos jogos que possuem narrativas ramificadas, e mesmo assim nem de longe dando tanta liberdade aos jogadores quanto os exemplos de WRPG supracitados, eles contam uma única história. Uma vez que abrem mão de múltiplas ramificações, JRPGs tem a liberdade de serem mais cuidadosos com cada um dos eventos da narrativa, com a personalidade de seus personagens, com os arcos dramáticos dos mesmos e com toda a experiência visual e sonora que o jogo proporciona.

Eles não tentam superar sua linearidade. Ao invés de se debruçarem na pluralidade de possibilidades dos RPGs de mesa, eles tentam se aproximar do mesmo objetivo – contar histórias fantásticas – através de outro caminho. JRPGs são, portanto, passíveis de crítica pela sua linearidade de roteiro, se afastando em demasia do que é considerado um RPG.

Alguns argumentam que eles não deveriam sequer ser considerados jogos de RPG, mas então o que mais os JRPGs herdaram de seu ancestral analógico?

Os sistemas. Desde o princípio, JRPGs tentam replicar a experiência dos sistemas de RPG, com as batalhas acontecendo em turnos, os atributos dos personagens e inimigos representados por números e alguns até com classes de personagem como D&D.

A interpretação do R em RPG que os JRPGs fazem está diretamente relacionada com a profundidade das personagens que coloca no controle do jogador, e as outras com as quais estes personagens se encontram. Os JRPGs reconheciam e reconhecem que os computadores não conseguirão tão cedo replicar a capacidade de uma mesa de jogadores de improvisar as situações infinitas que podem ocorrer durante um jogo de RPG, ou de reagir caso os jogadores se aventurem fora das fronteiras determinadas pela narrativa embutida. Por isso preferem tentar colocar o jogador em contato com as personagens, como num livro, através do sentimento de empatia ao invés de autoria.

Isso os afasta dos RPGs? Talvez, mas certamente não mais do que os WRPGs. É só uma abordagem diferente, e dependendo do seu perfil de jogador você pode preferir um ou outro. E o mais engraçado é que existem argumentos narrativistas que podem ser usados para defender ambos os gêneros: WRPGs pela sua liberdade e JRPGs pela sua profundidade de enredo.

Outros Gêneros, o futuro e Narrativismo (de novo!)

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(Bioshock, 2007)

Pelo teor do post eu posso ter passado a impressão equivocada de que sou fã cego e enfurecido de JRPGs. Não é o caso. Cada abordagem teve suas vantagens e desvantagens e hoje cada “escola de pensamento” já aprendeu muito com a outra, criando experiências ímpares. O que os JRPGs são hoje se deve aos WRPGs e vice-versa.

Mais do que isso: O monopólio das narrativas profundas foi desfeito. Hoje existem jogos dos mais diversos gêneros que contam histórias tão bem quanto ou até melhor do que vários RPGs eletrônicos. A despeito de controvérsias acadêmicas, é seguro assumir que a barreira entre jogo e mídia narrativa foi desconstruída, e querer remontá-la pode incorrer no empobrecimento da discussão.

Talvez tenha sido sabedoria por parte dos JRPGs se afastar da tentativa de emular o comportamento de pessoas jogando RPG dentro de um computador, uma vez que isso deu origem a histórias brilhantes e personagens ricos sem número. Também proporcionou aos JRPGs a liberdade de criar sistemas que tornavam os jogos mais divertidos ao invés de mais complicados.

Talvez tenha sido sabedoria por parte dos WRPGs tentar construir uma experiência aproximada dos RPGs de mesa desde o princípio, pois isso possibilitou que eles acumulassem conhecimento sobre narrativas ramificadas e suas possibilidades em sistemas de computador. Graças a isso, com o avanço da tecnologia e o crescimento da indústria, os herdeiros dos antigos WRPGs hoje nos proporcionam com jogos com mundos ricos e abertos e uma pluralidade de histórias a serem vividas.

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(Crypt of the Necrodancer, 2015)

Diversas outras aproximações diferentes já foram concebidas, como por exemplo os roguelikes, que recentemente estão tendo suas mecânicas profundamente estudadas e exploradas até por jogos que não são RPGs. Mais uma vez, a busca pelo RPG de mesa abre portas para outros gêneros e, em troca, os RPGs eletrônicos se apropriam de mecânicas de outros gêneros para evoluir.

Porém, na minha opinião, acho que existe uma falta por parte dos que buscam por experiências similares ao RPG de mesa: estão olhando muito pouco para jogos de sandbox cooperativos.

Afinal, o que é o RPG sem as pessoas? Um universo aberto a ser explorado pelos jogadores com suas ações mediadas por um sistema de regras e um contrato social. Se a manutenção do sistema for delegada ao computador e os controles desse sistema forem entregues nas mãos do mestre do jogo, o jogo eletrônico pode se tornar uma plataforma poderosa para o jogo de mesa. O que aconteceria se as desenvolvedoras tentassem criar jogos que delegam todos os aspectos de um RPG de mesa ao computador e deixassem a imprevisibilidade humana para os humanos?

Talvez isso nem pudesse ser chamado de jogo, mas sim uma plataforma de jogo. Talvez nem funcionasse. Se atestado que não, ao menos os RPGs tem muito o que aprender com estes experimentos. Resta alguma desenvolvedora tomar a iniciativa de se impor o desafio e estudá-los.

Talvez já tenham tomado, e estou aqui escrevendo todo esse post em vão. Se for o caso e você, leitor, souber, por favor me conte. Eu poderia estar jogando.rotom

VOOOSH

GameFreak Sempre Aperta B

Ou “Por Que Pokémon Podia (e Devia) Ser Melhor”

Gostaríamos de começar esse texto com um pequeno caveat: Nós adoramos Pokémon. Sério. Jogamos desde a época em que EVs eram invisíveis e Pokémons Psíquicos não tomavam dano de Pokémons Fantasma (e milhões de crianças se revoltaram com o anime). O jogo encantou nossa geração e sempre que lançam um novo, fazemos questão de jogar.

Agora que tiramos isso do caminho, podemos começar: Mesmo com todos os seus méritos, Pokémon é um jogo ruim. Ok. Não é um jogo ruim. Vamos frasear de uma maneira mais coerente.

Pokémon deveria ser um jogo muito melhor.

“Time que tá ganhando não se mexe.” você justifica. “Dá dinheiro do jeito que tá!” Não ligo. Sou usuário e desenvolvedor, não empresário. Meu dever é fazer ficar melhor. As cifras são consequência.

Do ponto de vista de desenvolvimento de jogos, é impressionante como a GameFreak é parecida com o Ash no que diz respeito a ela ter algum problema muito sério com evolução. Da mesma maneira que mesmo depois de mais de 849 episódios e 18 filmes o Ash continua com o mesmo Pikachu e tem um histórico coerente de libertar, libertarlibertar todos os seus pokémons evoluídos, a GameFreak parece padecer do mesmo mal.

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Isso é como Pokémon XY se parece.

Depois de 6 gerações de jogos (9, se contarmos os Remakes), ao invés de buscar mudanças construtivas e melhorias em seus jogos, a GameFreak segue uma fórmula enfadonha e repetitiva: adicionar mais pokémons. E parece que essa fonte está secando – desculpa, Klefki, você tem um design escroto.

NINGUÉM FALA DO ROTOM. O ROTOM É ÓTIMO.

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VOOOSH

Além disso, cada geração herda os problemas da anterior. Eles certamente parecem se esforçar para melhorar o balanceamento do jogo – acrescentar 50 personagens novos e não quebrar o jogo inteiro não é uma tarefa fácil – mas exceto isso, o jogo fica cada vez mais carregado de probleminhas residuais.

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SIM, CARALHO.

Péssimos vícios de interface de usuário, artificial lengthening (breeding e hatching não precisavam ser tão demorados e repetitivos), informação complexa totalmente inacessível (sério, quando foi a primeira vez que você ouviu falar de IVs, EVs e como manipulá-los?) e, por último, e o assunto que estaremos desenvolvendo aqui: Um péssimo, péssimo level design.

Prepare-se Para Encrenca!

Quem não adorava a Equipe Rocket do anime? Eles eram fracos, trapaceiros, carismáticos e todo mundo adorava ver eles quebrando a cara.

Você sente essa mesma afeição pela Equipe Rocket dos jogos? Ou melhor, pela Team ~Rival~ da vez?

Enquanto no anime eles faziam o papel de alivio cômico, no jogo a proposta é que a Team Rival seja um desafiante forte, que interrompa a trama principal repetitiva – capture pokémons, fique forte, derrote o ginásio, repita mil vezes – com um desafio extra. A Team Rival, seja na primeira ou na sexta geração, tem o papel de ser uma força de anarquia. E eles não são.

O objetivo de um antagonista em uma história é apresentar um desafio para o jogador. Como Pokémon é sobre desafios – derrotar a Elite 4 -, nós já temos um antagonista forte, mas ele não é um vilão. O objetivo do vilão, papel que a Team Rival tenta preencher, é apresentar um conflito urgente e altruísta – diferente do egoísmo da jornada do mestre pokémon. É reforçar a vitória do bem – o herói – contra o mal – a Team Rival – e conferir um sentimento de legitimidade à jornada do jogador. Ele não está derrotando os ginásios só por motivos egoístas; ele quer ficar forte para poder defender os ideais nos quais ele acredita.

Porém, a marca da personalidade dessas equipes em todos os jogos se resume a usar pokémons “malvadinhos”, algo insinuado mais pelo seu typing (dark ou poison é quase obrigação) e design do que pelas suas estratégias. Como suas estratégias são exatamente as mesmas, eles se tornam um obstáculo ordinário, nada diferentes das multidões de Bug Catchers e Ace Trainers.

Eles carecem de personalidade e identidade. São um péssimo coadjuvante pois tentam ser vilões e são péssimos vilões pois se comportam como coadjuvantes. Sua vilania não se traduz em estratégias de combate traiçoeiras – salvo pela frequência óbvia do uso de veneno, que só se deve ao typing – ou por ações de roteiro interessantes. Ao invés da organização terrorista imoral que os outros personagens descrevem, acabam não passando de bullies de recreio.

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Quando um bom vilão ganha, você fica feliz. Quando ele apanha, também.

Ao invés de cumprir com o objetivo proposto, a Team Rival acaba se tornando apenas uma “muleta” narrativa. Sua única função é apontar qual a direção na qual o jogador deve seguir quando ele não sabe bem o que fazer. Eles não cumprem o seu objetivo de narrativa embutida, que é ser uma força emergente e atuante no mundo pokémon.

E eles são tão fracos! Da mesma maneira que não diferem de coadjuvantes em sua personalidade, eles também não oferecem nenhuma dificuldade extra ao jogador ou exigem uma nova maneira de jogar o jogo. Dando continuidade às mesmas estrategias que usava contra os desafiantes na estrada, o jogador consegue derrotar sem dificuldade qualquer um dos capangas da Team Rival.

Ou seja: o objetivo de narrativa emergente também não é cumprido.

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Então, como nós achamos que isso devia ser feito?

Encrenca em Dobro!

Um dos paradigmas de como se contar uma boa história pode ser resumido na frase “Show, don’t tell” (“Mostre, não conte”). Em jogos eletrônicos, onde o jogador encarna o personagem, a atenção a essa frase deve ser redobrada.

Tornar as atitudes e intenções da Team Rival mais malignas de maneira expositiva – fazendo com que fossem mais cruéis e trapaceiros durante a narrativa – não teria grande efeito no seu impacto caso a maneira como ela é tratada em seu gameplay permanecesse intocada. Além de tratar apenas um sintoma, isso poderia facilmente descarrilhar em um spectacle creep. Algo que deveria ser mais explorado – não só com a Team Rival da vez, mas usando-a como ótimo exemplo – é o fato de que Pokémon é um jogo estratégico.

E se toda a vez que o jogador encontrasse membros da Team Rival, eles tivessem sempre uma carta na manga? Uma trapaça, um golpe baixo, algo que lhe pegasse desprevenido e forçasse o jogador a se adaptar na hora?

Dessa maneira, ao invés de contarmos ao jogador como a Team Rival é malvada, tornando a história mais chocante, nós podemos mostrá-loAlterando o comportamento – a inteligência artificial – da Team Rival no momento em que ela se encontra em conflito direto com o jogador – durante a batalha pokémon -, faria com que o jogador sentisse na pele toda a sua arguta e vilania dentro do contexto do jogo.

Eles não seriam só vilões traiçoeiros. Seriam vilões que estão sendo traiçoeiros com ele. Além disso, seria uma ótima oportunidade para ensinar o jogador a como enfrentar esse jogo sujo. E até mesmo como usá-lo.

Alias, isso é level design.

Fizemos alguns exemplos usando o Pokémon Showdown. Quer ver só?

Wobuffet com Counter

Wobuffet tem habilidades que evitam que seu adversário possa trocar de pokémon, forcem-no a usar o mesmo golpe várias vezes seguidas e – a cereja no bolo – dois ataques que devolvem o dano recebido por Wobuffet em dobro ao seu oponente: Counter e Mirror Coat. Um Wobuffet com bons atributos defensivos pode colocar em cheque um time muito forte. É uma estratégia muito irritante, algo que reforçaria a personalidade da Team Rival. Como derrotar? Ele é vulnerável a Status que dêem dano residual como poison, burn, &c.

Noibat com Switcheroo

Lagging Tail é um item que faz com que você aja por último em batalha, independente de quão rápido você é. Péssimo, né? (Ou ao menos terrívelmente circunstancial). Mas há alguns golpes, como Switcheroo ou Trick que podem trocar o item do seu pokémon com o do seu adversário, deixando-o prejudicado até o final da batalha, visto que não é possível modificar itens equipados durante um combate.

Dual screeners

Light Screen e Reflect reduzem o dano recebido e se mantém ativas mesmo depois de trocar de pokémon. Uma vez que alguém consegue preparar o campo com essas duas habilidades, seu time fica muito resistente, mas é uma estratégia que demora até ser concluída, o que a torna evitável se você agir rapidamente. 

 

Viram?

E esse problema persiste já fazem seis gerações. SEIS GERAÇÕES.

Nós entendemos que a proposta de Pokémon não é ser um jogo difícil. Mas pokémon é um jogo de estratégia! Até pouco tempo atrás, vários sistemas que já existiam desde as primeiras gerações eram apenas informações escondidas do jogador, e o jogo não explicava, introduzia ou sequer dava pistas de qualquer um deles.

Não defendemos que todos os integrantes do Team Rival devessem abusar desse tipo de tática. Isso poderia aumentar a dificuldade do jogo a um nível intolerável. Porém, quem utilizasse esses recursos poderia recompensar o jogador com o item ou golpes que foram aplicados naquela batalha, permitindo de fato que o jogador explorasse o que acaba de ver e se sentisse mais competente ao invés de apenas mais forte.

Ao mesmo tempo, é possível gastar menos tempo discutindo as intenções malignas do Team Rival. Se eles batalham como vilões, eles são vilões. Sua persona reflete a anima.

O mesmo princípio deveria ser aplicado a líderes de ginásio e até aos desafiantes na estrada (mas não todos, para não desvalorizar a ocorrência de táticas ricas durante o jogo). Tipo-inseto poderia diminuir sua velocidade a níveis insuportáveis ou usar um Shedinja. Tipo-água poderia abusar de Rain Dance e pokémons que se beneficiem de efeitos climáticos.

shedinja

Eu tenho 1 HP, mas só tomo dano do que é super-efetivo contra mim.Você não sabe o que é super-efetivo contra mim? Que pena.

Isso provoca os jogadores a serem mais criativos e a estudarem o jogo um pouquinho mais. Eles têm que pensar rápido para superarem jogadas que os peguem de surpresa. Criatividade nesse sentido, inclusive, seria algo ótimo para o cenário competitivo que têm repetido os mesmos times e estratégias seguidamente. (zzZZzzz…).

Mesmo com todos os defeitos que tem, Pokémon é um jogo riquíssimo. Ele tem um cenário competitivo divertido e uma comunidade incrível. Boa parte dos sistemas do jogo foram garimpados por essa comunidade, e isso é parte do que fez a franquia se sustentar ao longo dos anos.

Não queremos tirar o mérito da GameFreak! Quando Pokémon foi criado, a indústria ainda não tinha uma idéia muito clara sobre o que era game design e as coisas que fazem um jogo ser um bom jogo, e ainda assim foi febre no mundo inteiro. Arrisco dizer que Pokémon foi responsável por 90% das vendas de Game Boy aqui no Brasil. Mas desde então o mercado evoluiu muito – mais importante, os jogos evoluiram muito, aprendendo com outras áreas de conhecimento e refinando os conceitos do que é um bom jogo.

Nas últimas versões é perceptível o esforço da GameFreak de dar uma repaginada em alguns conceitos antigos – expondo os EVs pela primeira vez desde o começo da franquia, por exemplo. Porque não ir um pouquinho mais longe?

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