A Maldição dos Inovões

É o destino derradeiro de todos aqueles que trabalham na indústria dos jogos se encontrar com estas figuras aterrorizantes. Essas criaturas nefastas existem em todos os lugares e podem tomar a forma de qualquer um.

Você pode encontrar ela num almoço de confraternização, numa reunião de antigos alunos do seu colégio, até mesmo receber uma mensagem saudosa dela no Facebook. Não se engane: se um deles ainda não veio até você, um dia virá.

Ela vai se aproximar de você sorrateiramente, com uma conversa casual e agradável. Vai falar do tempo, de política, talvez futebol, ou do último filme dos Vingadores – assuntos inocentes. Quando ele sentir que você está mais confortável, aí é que mora o perigo.

Talvez ele pergunte como vão os negócios, talvez ele pergunte o que você anda fazendo desde o ensino médio, sempre tem uma pergunta adequada para o contexto.  Aí é que está o veneno. Se isso acontecer, acione todos os seus circuitos de “VAI DAR MERDA” e se afaste em velocidade terminal de fuga, porque se você responder, aí meu amigo, você está sozinho.

“Estou trabalhando com jogos”, você responde, ignorante dos motivos da criatura.

“Nossa, eu que maneiro! Eu sempre quis trabalhar com jogos!” ele diz animado, e você sente as presas afiadas se afundando na sua nuca.

Ele continua:

EU TIVE UMA IDEIA DE UM JOGO QUE EU SEMPRE QUIS FAZER. OLHA SÓ…

É, camarada. Você caiu na armadilha de um inovão.

Senta que lá vem história…

Sua Ideia Não é Tão Boa Assim

Tem essa frasezinha que corre bastante no universo de empreendedorismo: “Ideias não valem nada. Qualquer um tem ideias.” Eu não gosto muito dela por dois motivos.

O primeiro, é que essa frase é usada por investidores pra desvalorizar a moeda de troca do empreendedor – sua ideia de produto/serviço – e fazer com que ele aceite acordos que podem vir a condenar seu empreendimento a uma morte súbita e prematura. O segundo é que ela não é totalmente verdadeira; nem todo mundo tem ideias e, mais ainda, nem todas as ideias são boas. Dá pra entender de onde essa conversa está vindo quando se pensa em termos do risco que investidores vão assumir, mas eu acho que em última instância ela só resulta em envenenar o ambiente e desvalorizar profissionais criativos e com a cabeça ligada em inovação.

Dica: O “?” na equação é SUOR.

Mas ela também não é 100% mentira.

Alguém provavelmente já teve uma ideia muito parecida com a sua. Não porque ela é ruim, medíocre ou não é original, mas porque pessoas ao redor do mundo inteiro estão conectadas através da Internet, absorvendo informação, e criatividade não é nada mais do que você conectar conceitos e ideias anteriores que antes estavam isoladas para gerar uma nova ideia. O mundo sendo do tamanho que é, interconectado do jeito que é, e com as pessoas vivendo situações que compartilham a todo tempo na nossa ‘aldeia global’, é natural que alguém exposto à conceitos parecidos com os que você absorveu tenha uma ideia parecida com a sua.

O que separa uma boa ideia de uma ruim quase nunca é o quanto essa ideia foi fruto de inspiração repentina. Essas ideias existem também, mas na maioria das vezes você precisa trabalhar na sua ideia, testar ela, validar através de projeto, planejamento e produção – dependendo da ideia, até da aceitação do público. É aí que muita gente deixa a desejar – achar, por conta de algum senso de orgulho, que teve uma ideia brilhante, sem dedicar tempo e esmero a ela. Desenvolver uma ideia ao ponto que ela pode ser considerada boa dá um trabalhão.

Então, por favor, não seja a pessoa que “joga” ideias nas pessoas que tem a capacidade de executá-las pra você. Não se transforme num inovão.

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Essa pessoa. Não seja essa pessoa.

Não existe esse papo de “ser o cara das ideias”. O seu conhecido que tem a capacidade técnica, você pode ter certeza, tem muitas ideias que são dele e naturalmente ele vai ter muito mais interesse em desenvolvê-las. Ainda por cima, se esse cara trabalha na industria criativa ele provavelmente entende muito melhor que você o processo por trás de fomentar inspiração, absorver conteúdo e gerar novas ideias. Ou seja, as ideias dele provavelmente são mais maduras – se não melhores – do que as suas.

Pior ainda, não proponha ‘parcerias’ onde você tem as ideias e o seu ‘parceiro’ faz todo o trabalho (sim, o mundo tá LOTADO de gente assim). Isso é pura desonestidade e se você precisa que alguém te explique porque, meua migo, cê tá mal demais.

Pensa assim: Você e seu/sua namorad@ estão em casa conversando sobre o que vão cozinhar pro dia dos namorados, quando el@ vira e fala:

“Cara, que tal uma massa caseira com molho pomodoro feito de tomates frescos, alho e enfeitado com folha de manjericão acompanhando aquele medalhão de filet mignon com redução de vinho tinto… delícia né. EU TIVE A IDEIA, VAI LÁ VOCÊ E FAZ AGORA.”

Só não.

MAIS DE OITO MIL IDEIAS POR MINUTO

A boa notícia é que, como diria um querido professor meu, criatividade é músculo. Ou seja, toma whey pra virar monstrão você pode exercitar a sua.

A natureza de expansão da criatividade tem relação com a maneira como o nosso cérebro formula novas ideias. Existem várias teorias sobre isso, mas como nós não somos especialistas, decidi me focar nas três principais. Vamos lá?

VOOOSH

1. Consuma muita cultura.

Se, como dissemos antes, ideias nascem da associação de conceitos já conhecidos mas de maneiras inesperadas, quanto mais conhecimento você tiver, maior vai ser o repertório ao qual o seu cérebro vai ter acesso e maior é o número de associações que você poderá fazer. Assista filmes, veja séries, leia livros de ficção e não-ficção, mergulhe na Wikipedia e nunca visite o TV Tropes 

Consuma, também, todo tipo de cultura. Tudo que você quer criar é tangenciado por outras áreas de conhecimento, e essas outras áreas tangenciadas por ainda mais áreas. Absorver cultura diversa com certeza vai te ajudar a ter uma visão mais completa de tudo e te ajudar a criar mais.

Não é a toa que isso é um dos pilares centrais aqui no Mean Look. Somos um blog sobre jogos, mas exatamente por esse motivo você pode reparar que falamos de coisas que não estão diretamente relacionadas a jogos.

2. Consuma cultura fora da sua zona de conforto.

Vamos supor que um cara quer escrever um livro de fantasia medieval. Você olha a estante dele e vê que ele se cercou de livros de fantasia medieval: Wheel of Time, As Crônicas de Gelo e Fogo, Senhor dos Anéis, Mistborn, Dragonlance, Forgotten Realms, livros de Dungeons & Dragons e mais o que você conseguir imaginar de Sanderson, Robert Jordan, R. R. Martin, R. R. Tolkien. Você pensa: “Olha, esse cara fez o dever de casa! Ele tem tudo pra escrever um bom livro de ficção”.

Não. Essa é a melhor maneira de se assegurar que o seu livro vai ser uma porcaria.

Bons livros dificilmente são escritos por autores que só leem um gênero. Bons livros são escritos por autores que dominam a língua na qual escrevem, que conhecem as estruturas mitológicas, que já leram gêneros diferentes pra absorver, por exemplo, os ótimos diálogos de um drama, como criar suspense como num mistério, como controlar o ritmo da sua narrativa num livro de ação desenfreada.

Bons autores leem, também, ficção literária – Jorge Luís Borges, Ítalo Calvino, Ursula K. Le Guin, &c. – livros de não-ficção – história, poesia, biografias -, os clássicos – A Divina Comédia (Dante), Ilha do Tesouro (R. L. Stevenson), Drácula (Bram Stoker), &c. – tudo.

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Você, seja ilustrador, arquiteto, game designer, escritor, artista!, deve também conhecer coisas que não estão direta e explicitamente ligadas à sua área. Ser curioso faz parte de ter repertório. Então saia da sua zona de conforto. Conhecimento não está só em um lugar, ele está espalhado pelo mundo em pequenos pedacinhos.

“Mas Daniel, eu nunca gostei de um autor que não fosse de fantasia medieval.”

Meu querido, então você leu muito pouco.

3. Converse com as pessoas.

Conte sua ideia pra pessoas. Ou melhor, todas as suas ideias. Estar aberto a conversa e troca de experiências vai te trazer mais cultura. Podem te dar uma dica de livro ou referência que você não tinha que complemente perfeitamente sua ideia. Podem te fazer uma pergunta sobre ela que você nunca tinha feito, que pode fazer você perceber que ela não é tão boa assim, ou então te obrigar a melhorá-la pra que ela atenda a um problema que você não conhecia.

“Mas vão roubar minha ideia!”

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SIM, SIM. MU-HAHAHAHA

Lembrem do que eu disse lá atrás: Sua ideia não é tão boa assim.

E se ela for, se a sua ideia for a porra do Ovo de Colombo, tão foda que uma mera conversa de bar com uma pessoa qualquer vai colocar ela em cheque porque tal pessoa vai fazer ela antes de você, talvez você devesse estar trabalhando nela ao invés de ficar mofando ela na sua cabeça.

Adube suas ideias

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Sabe porque esse cara do elefante tá mil anos luz na frente da maioria das pessoas? Porque ele foi lá e colocou a porra da arma em cima do elefante pra descobrir que é uma ideia de bosta por mil motivos.

Ideias são como plantinhas.

É super bacana quando você tem aquela sementinha de ideia plantada na sua cabeça, mas se você não adubar ela pra tornar o solo fértil pra criatividade, regar ela com trabalho intelectual de pensar sobre as suas implicações, cortar as ervas daninhas que são os problemas que você descobre que podem atrapalhar ela quando faz uma análise mais profunda, ela não vai crescer.

E crescendo, você tem que reavaliar a todo tempo: que ideia é essa que eu estou ajudando a crescer? Quanto mais tempo e trabalho você dedicar à sua ideia, não só dentro da sua cabeça mas ajudando a plasmar ela em realidade, maior vai ser o conhecimento que você tem sobre ela. Ela é uma árvore e você vai ter que dar espaço pra ela crescer sozinha? Ou é uma vinha que precisa de algo pra subir e continuar crescendo?

Ajude a sua sementinha a crescer.

Eta, moleque bom de analogias.

Ou seja, não pare de ter ideias, mas saiba que enquanto você não se der ao trabalho, é só isso que elas vão ser – ideias pequenas, imaturas e franzinas.

Ninguém tem interesse nessas, só quem as teve.

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TIRANDO O ROTOM-GENESECT.
O ROTOM-GENESECT É PICA.

Forças Imparáveis e Obstáculos Intransponíveis

Se Platão defende que a narrativa é a imitação da realidade e videogames são um mídia através da qual podemos retratá-las, temos de ter ferramentas para imitar fenômenos naturais. Entretanto este não é um post sobre física avançada. Vamos falar de sólidos.

Te garanto que o problema de detectar quando um objeto colidiu com outro e como proceder a partir daí é central a maior parte dos seus jogos favoritos . Parece bobo, mas o número de coisas que pode dar errado planejando como lidar com isso é assustador.

Mas não se assuste. Para ajudar a tratar todo esse terror, nós vamos contar com a ajuda do nosso mais novo mascote: digam olá para o Coliditto.

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“O abraço frio da morte te espera.”

Impenetrabilidade em Jogos

Dois parágrafos e já vamos falar de metafísica: Impenetrabilidade é uma propriedade da matéria que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no mesmo instante. Essa propriedade é o que faz com que coisas que tentem fazê-lo colidam entre si. Ainda que pareça um detalhe técnico, é um conceito tão natural para nós que quando um jogo faz isso muito mal, a quebra de expectativa em relação à realidade que conhecemos é tão grande que temos dificuldade de manter a imersão.

Quantas estrelas merece essa princesa?

Para simular impenetrabilidade de maneira simples, em geral jogos delimitam uma área ao redor do corpo sólido que chamaremos de colisor. Sem entrar em detalhes, o processo funciona de maneira simples, em duas fases:

  1. Detecção de colisões: o jogo verifica se dois objetos compartilham pelo menos um ponto de intersecção. Se sim, eles estão colidindo, se não, não estão.
  2. Tratamento de colisões: aqui rola o vulgo “Ok, bateu. E agora?”. O jogo precisa decidir o que fazer com os objetos que estão colidindo. Podemos, por exemplo voltar um dos objetos até o último instante onde eles não estavam mais colidindo, ou arrastar um dos objetos pra fora do outro até que eles não estejam mais colidindo (em geral a bola, porque acho difícil a parede ceder passagem).

Tudo o Que Pode Dar Errado Quando Você Bate em Alguma Coisa e Por quê

O processo é simples, mas muito pode dar errado. Tenho certeza que todos já têm exemplos em mente de vezes em que viram algum problema com colisões em jogos. A seguir vamos explorar alguns exemplos e especular o que pode levar eles a acontecerem. Vale notar que a bibliografia sobre como essas coisas são realmente implementadas não é muito disponível, e uma grande parte das possibilidades que vamos discutir aqui são especulativas, mas não deixam de ser um exercício interessante para entendermos como as coisas funcionam.

Super Mario 64: GOTTA GO FAST

A primeira vez que eu vi isso, meu palpite de como isso poderia acontecer foi em relação a fase de detecção de colisões. A cada instante, que em geral representa 1/30 de um segundo ou 1/60 de um segundo em jogos modernos, o jogo vai tentar movimentar Mario um pouquinho, e verificar se ele colide com algo. Há duas grandes maneiras de pensar como isso funcionaria. A primeira é chamada de colisão em espaço discreto:

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Neste caso, botamos Mario diretamente na posição pra qual ele tem que ir naquela fração de tempo, e então passamos pra etapa de detecção de colisões. Se ele estiver colidindo com a parede, o tratamento da colisão vai se encarregar de jogar o personagem pra fora dela. Parece tosco (e na real é um pouco), mas se algumas propriedades forem respeitadas, o modelo funciona. Se a distância máxima que o personagem puder percorrer em um frame for menor ou igual ao diâmetro do seu colisor, podemos garantir que não tem como ele ultrapassar aquela parede nunca. Ou seja: se o tamanho do colisor e a velocidade máxima do personagem forem fatores compatíveis, tá tudo suave.

A engine de Super Mario 64 tem colisores do tamanho certo limita a velocidade máxima de Mario, então em tese eles estariam seguros. Mas esse limite de velocidade só vale para velocidade POSITIVA. O vídeo acima usa um bug do jogo usando pulos que faz com que Mario se desloque extremamente rápido para trás. O que acontece? Poof. Vai direto através da parede.

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A segunda grande maneira de abordar as colisões arrumaria esse problema. Ela se chama detecção em espaço contínuo: antes de mover o personagem, o jogo verifica se há alguma colisão possível entre a posição atual do personagem e a posição pra qual ele quer ir. Se houver uma colisão, ele passa a informação de em que ponto isso aconteceu para a fase de tratamento.

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No tratamento ele pega a posição onde houve a colisão, e então move o personagem pra lá. Não importa quão rápido Mario se deslocasse, a colisão nunca seria ignorada. O curioso é que supostamente há um artigo publicado que explica um algoritmo que teria sido usado na engine de Super Mario 64, e ele já sugere o método contínuo. Especulamos que ele não foi implementado exatamente como é dito no artigo, o que gera o comportamento que vimos. Mas talvez esse comportamento ocorra por algum erro na fase de tratamento da colisão que acabe posicionando Mario do outro lado da parede por sua velocidade ser negativa. Fica o questionamento.

The Legend of Zelda: Ângulos Agudos

Ocarina of time começou seu desenvolvimento na mesma engine de Super Mario 64, mas segundo Miyamoto a engine foi muito alterada. Se olharmos no mesmo artigo que descreve o algoritmo de colisões de Super Mario 64, eles descrevem um método que faz com que o personagem conserve seu movimento rente a uma parede quando ele colide com ela, como se ele estivesse deslizando rente a ela.

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Quando isso acontece entre 2 paredes que formam um ângulo agudo, fica difícil determinar a posição que o personagem deve assumir após a colisão, porque cada uma das paredes vai tentar empurrar o personagem em uma direção perpendicular a elas, preservando a velocidade que ele tinha em outras direções.

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É interessante notar que há vários jeitos de ultrapassar paredes em Zelda, mas a grande maioria dele envolve paredes com ângulos agudos e alguma estratégia para ganhar velocidade suficiente para ser passado através delas (que nem vimos no exemplo de Mario).

Neste caso em específico, também é possível que o jogo só trate a colisão em relação a uma parede, ignorando a outra, o que causa o efeito de que link é jogado apenas através da parede da direita. Em geral jogos possuem um buffer de tamanho físico que determinas quantas colisões simultâneas podem ser detectadas. Se o número de colisões ultrapassar esse limite, elas são ignoradas. Talvez não seja o caso em Zelda pois a estrutura de dados que guarda informação de colisões permite que mais de um polígono seja listado como alvo de uma colisão.

Skyrim e Buffer de Foda-se

Tendo explicado o fato de que os jogos processam colisões contra um número finito de objetos, adivinha quem está verificando só a colisão contra o prato?

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Curiosamente este problema não ocorre quando se tenta colocar o prato contra uma parede côncava. Especulamos que isso se deve ao fato de que os objetos não são mais co-planares. O espaço que fica entre o prato e a parede pode ser suficiente para que o jogo passe a detectar a colisão entre o personagem e a parede.

Spooky’s Jump Scare Mansion: PARA TUDO Edition

Pra quem não conhece: é um jogo indie de horror baseado um pouco em SCP, onde você está preso em uma mansão onde por mil salas você vai ser perseguido por monstros que começam fofinhos e inocentes e terminam como bestas sanguinárias e incansáveis.

O jogo fica tenso rápido, e um dos aspectos que colabora pra isso é o seguinte: lembra que comentamos que em Super Mario 64 quando você se move rente a uma parede, ele só não deixa você entrar na parede, mas desliza você rente dela, preservando parte do seu movimento? Aqui os designers escolheram outra estratégia: o ângulo pelo qual você consegue passar deslizando por uma parede é beeeem menos tolerante:

Na primeira parte, o personagem bate no canto da quina da parede. Ele não deixa você deslizar por ela, ele PARA completamente o movimento. Você tem que ir pra trás e dar a volta naquela esquina, ou virar bastante a câmera até a ponta do cubo deixar de bater na parede. Agora: imagina você ter que gerenciar isso enquanto tem um bicho maluco querendo seu cérebro.

Logo após, o personagem tenta andar pra direita enquanto está encostado em uma parede. Ele não consegue deslizar, então começa a andar na diagonal (pra trás e pra direita). O movimento “serrilhado” resultante acontece porque quando o personagem está colado na parede, ele está tentando ir pra direita e pra trás. Pra direita ele não pode se mover pois está colidindo, mas pra trás pode. Então ele vai pra trás, e aumenta a distância dele com a parede. Quando ele vai pra direita de novo, ele bate de novo, e interrompe o movimento. Isso se repete rapidamente, mas é tudo derivado do aspecto de que o movimento é interrompido.

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É um caso onde a resposta a colisões não é fluida ou 100% agradável para o jogador, mas isso colabora muito para manter o clima estressante e aterrorizante do jogo. Às vezes uma escolha de design que não é agradável ao jogador pode funcionar caso colabore para o clima que o jogo está tentando criar.

Série Souls: Hitbox Porn (GONE SEXUAL)

Os jogos da série Souls são conhecidos por terem um combate com hitboxes tão precisas que geram narrativas emergentes de combates que o jogador vai querer documentar para mostrar pros netos, de tão épico que é o esquema:

As hitboxes são animadas, o que significa que elas mudam de tamanho, orientação e posição durante as animações do personagem. No vídeo, dá pra ver que durante a animação de ataque do personagem, ele abaixa um pouco. Esse pouco é suficiente para ele desviar por milímetros do ataque inimigo. É realmente um sistema primoroso.

Quando se trata de colisões com o terreno, os jogos da série são menos cuidadosos. Especialmente porque eles focam muito mais em te dar uma experiência de combate dinâmico, vivo e excitante do que simplesmente simular caminhadas com perfeição. No final das contas o contraste entre o sistema de colisões em combate e o de terreno é HILÁRIO:

Lembram que as hitboxes mudam de tamanho durante as animações? Quando o Fire Demon nesse vídeo toma muito dano, ele faz algumas animações para mostrar ao jogador que ele está ficando desgastado. Elas também alteram o tamanho, orientação e posição de suas hitboxes. Entretanto, o inimigo continua tentando chegar até o jogador através de um espaço onde ele não cabe. Acontece que algumas dessas animações são suficientes para que ele consiga passar pelo menos por um pedaço da parede. No final do vídeo, quando ele ergue o corpo em uma das animações de quando ele toma muito dano, o centro dele ultrapassa o topo da parede, e aí o sistema de tratamento de colisões do jogo entende que ele estava dentro do teto e agora está ultrapassando o “chão”. Na etapa de tratamento da colisão, ele é atirado pro espaço que tem acima do teto.

Smash 4: Colisão Contínua Também Dá Pau

Em jogos com muitos elementos que se movimentam, colisões no método contínuo também têm seus problemas. Nesse caso, o Mr. Saturn está querendo ir para a esquerda, e a plataforma também. Durante as fases de detecção e tratamento de colisão do Mr. Saturn não tem nada impedindo ele de se mover naquela direção, então ele se move pra esquerda e começa a cair. No mesmo instante, a plataforma vai ter sua posição e tratamento alteradas também, e quando ela tenta se mover, o Mr. Saturn que estava caindo não pode mais cair. No próximo ciclo de atualizações, ele vai tentar se mover para a esquerda de novo, e esse conflito vai se repetir.

Colisões contínuas não lidam bem com muitos objetos que se movimentam dinamicamente. Como os objetos se movimentam um de cada vez, cada um com seu ciclo de detecção, tratamento e movimento, dependendo da ordem na qual os objetos são processados os resultados finais podem ser diferentes. Prever isso e tratar antes que aconteça é uma tarefa hercúlea. E calcular as colisões de todos primeiro e depois executar todos os movimentos pode gerar situações onde dois objetos têm uma intersecção. A partir do momento que isso acontece, se torna necessário usar a etapa de tratamento do método discreto e retirar os objetos de dentro da intersecção. Se quisermos levar em conta a velocidade e peso de cada um deles, começamos a entrar em simulação de física, e não mais colisão simples. E isso é outro papo.

Conclusões

Se você acha que entrar dentro de uma parede, ficar preso no teto, ser teletransportado para o outro lado do mapa são coisas exclusivas de jogos independentes, que foram feitos por meia dúzia de malucos, meu amigo: você está enganado. Como a gente viu, até os desenvolvedores de jogos triple A estão sujeitos a isso. 

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Colisões são difíceis de acertar, ninguém está contente com isso.

Eis uma citação do Brad Hines, funcionário da Eidos sobre detecção de colisões (fonte aqui):

Colisão em video-games é uma parte de um grande e complicado conjunto de sistemas. É criado por seres humanos que são capazes de cometer erros, ou apressar trabalho, ou ter coisas mais prioritárias para fazer. O desenvolvimento de jogos geralmente é baseado em um prazo apertado e infelizmente problemas menores podem ser deixados de lado.

É um problema que não tem uma só solução, e nenhuma delas é 100% perfeita. Passa a ser um problema de onde você pode fazer concessões no seu jogo. Tanto Dark Souls quanto Spooky’s House of Jumpscares usam algoritmos de colisão com terreno que não são ideais, mas são concessões que eles fazem porque esses problemas não ficam no caminho de como eles querem que você jogue. Esse tipo de escolha de design é arriscada, mas às vezes vale mais a pena ignorar um problema menor do que ficar martelando em cima de um ponto que não é tão importante pro seu jogo.

Claro que é importante conhecer as opções e escolher a que fizer mais sentido, mas todo mundo está sujeito a uns problemas com isso. Fica com o vídeo da Bianca Velloso pra te garantir que a treta é séria até em 2016:

 

A Falha Crítica dos RPGs de Mesa – Parte #01

Se você ainda não leu, talvez seja uma boa ideia dar uma olhadinha no nosso primeiro post sobre RPG. Alguns dos conceitos explorados nesse post são explicados mais a fundo lá!

Vocês pensaram que íamos falar mal de RPG, mas não! Vamos tratar de um assunto mais técnico hoje. Vamos falar de game design! Yay!

Mais especificamente, vamos falar sobre o design de RPGs de mesa.

O Paradigma da Maestria

Como já exploramos em exaustão em outro post, as tentativas de adaptar a dinâmica do RPG de mesa para os jogos eletrônicos teve grande peso no estabelecimento do “contar histórias” como um dos principais elementos do jogo eletrônico como mídia. Até hoje, desenvolvedores tentam desenvolver mecânicas que consigam simular em tempo real a improvisação narrativa que acontece em um grupo de RPG de mesa.

Mas os jogos eletrônicos, pela maneira como eles são feitos, são muito melhores do que os RPGs de mesa em simular uma outra coisa em tempo real…

Vamos pegar como exemplo um jogo que use mecânicas de RPG mas que aconteça em tempo real: Dark Souls.

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Em Dark Souls, a quantidade de dano que o personagem consegue causar aos inimigos, quantos ataques ele pode sofrer sem morrer, sua resistência a venenos, capacidade de usar magias, enfim: todas as abstrações das capacidades físicas e intelectuais do personagem são representadas por um sistema de atributos. Porém, se o personagem vai ou não acertar um ataque, se esquivar, conseguir realizar um pulo, tudo isso é decidido pela habilidade mecânica do jogador que está jogando.

É seguro, portanto, assumir que – tal como na vida, com esportes e outras atividades – quanto mais você joga o jogo, melhor você fica nele, e maiores as suas chances de ser bem sucedido em realizar as ações que você, jogador, escolheu. A maestria do personagem é simulada usando os sistemas e a maestria do jogador.

Essa é a maneira que os jogos eletrônicos encontram de aproximar o jogador do universo do jogo. De simular situações fantasiosas sem ferir a suspensão da incredulidade. É esse caráter de simulação da realidade fictícia que reforça a diegese do jogo, e ajuda com a suspensão da incredulidade. O fato de não ser real não quer dizer que não possa ser verdadeiro.

Podemos concluir que a experiência narrativa dos jogos é extremamente fundamentada na maneira como os sistemas gerenciam a maestria do jogador. Escolho aqui a palavra ‘maestria’ porque ela engloba não só o a habilidade do jogador – o seu domínio mecânico e velocidade de reação -, como também a sua estratégia – sua capacidade de tomar decisões corretas através da análise das situações do jogo e do conhecimento sobre suas regras e sistemas. Quando o jogo é bem desenvolvido, seu uso da maestria contribui para a suspensão da incredulidade ao invés de incorrer em metajogo e minmaxing.

Portanto, para fins desse post, vamos considerar que: Maestria = Estratégia + Habilidade

Quando falamos de jogos cujas regras não fazem com que ele ocorra em tempo real, porém, o quadro muda. Não existe necessidade de domínio mecânico; de habilidade. Nesses jogos, portanto, a maestria se resume à estratégia, e a simulação/necessidade da habilidade se perde.

Em jogos sem pretensões de diegese narrativa – por exemplo, xadrez – isso não é um problema. Mas RPGs de mesa não estão isentos disso…

A Habilidade de ser Sortudo

O RPG de mesa tem como parte integral e mais importante do jogo a narrativa. Ele tem como foco a criação dessa narrativa a partir da interação entre jogadores – através de seus personagens -, narrador/mestre – através dos NPCs e do universo de campanha -, e o Sistema. Para que isso possa acontecer, voltamos a mencionar o aspecto simulacionista do RPG, que preza pela diegese do universo e da verossimilhança da história.

Isso significa que mesmo que o RPG de mesa não exija habilidade dos jogadores, ele precisa de uma maneira de simular a habilidade das personagens.

No RPG de mesa, ao invés de essa simulação ocorrer com o controle de uma entidade digital controlada por botões, os jogadores (e narrador) controlam personagens que existem no imaginário coletivo do grupo, e devem descrever as suas ações. Decidir se você foi ou não bem sucedido na ação que você descreveu depende de um teste de habilidade – que é influenciado pelos atributos da ficha do seu personagem. Esse teste quase sempre envolve rolar um ou mais dados para superar uma dificuldade – um valor arbitrário determinado pelo mestre.

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“No livro tá escrito que você se fodeu.”

Afim de simular a variabilidade de situações que podem emergir da interação das COISAS DA VIDA – que é exatamente o que os jogos em tempo real fazem com suas mecânicas -, os RPGs abstraem os momentos de incerteza na forma de um evento incerto genérico – uma rolagem de dados.

Ou seja: a incerteza da interação entre a habilidade do personagem e os desafios que ele enfrenta é simulada através de um componente baseado em sorte.

Por esse motivo é tão importante que a modelagem de testes de um sistema de RPG esteja extremamente bem balanceada, afim de simular a habilidade das personagens e, ainda mais, o crescimento dessas habilidades conforme os personagens aprendem e se desenvolvem dentro da narrativa. Ou seja, conforme o personagem sobe de nível e aumente suas habilidades (perícias ou atributos) suas chances tem que ser melhores.

Mas isso nem sempre acontece! Vamos observar a seguir as soluções propostas por alguns sistemas famosos.

D&D: “Os Trapalhões”

Se você já sabe como funcionam os testes em D&D, pode pular até a imagem.

Em D&D os testes funcionam da seguinte maneira:

Primeiro o Mestre estipula uma dificuldade para o teste, que vai de 1 ao infinito . O jogador rola um d20, soma os bônus apropriados – determinados por seus atributos e perícias – e subtrai eventuais penalidades impostas pelas circunstâncias do teste.

Se o resultado dessa operação superar o valor estipulado de dificuldade, o personagem é bem sucedido no teste e consegue executar a ação. O grau de sucesso – influenciando no quão o jogador foi bem sucedido – da ação aumenta conforme a diferença entre o resultado do teste e o valor da dificuldade.

Porém, caso o jogador role um 20 natural ele tem um sucesso crítico e foi extremamente bem sucedido na ação pretendida e costuma resultar em bonificações adicionais – dobrar o dano que ele causa num ataque, fazer com que o personagem realize a ação de forma excepcionalmente rápida ou bela, &c. Da mesma forma, um 1 natural ele tem uma falha crítica. Isso significa que ele falhou miseravelmente na tarefa e deve encarar as consequências. 

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Vamos dar atenção a duas coisas específicas:

  • A probabilidade de sucesso tem crescimento totalmente linear, crescendo de 5 em 5% a cada novo ponto de habilidade. A distribuição dos Graus de Sucesso também é totalmente linear, resultando no fato de que o personagem tem a mesma chance de realizar somente o necessário e de obter um sucesso glorioso;
  • A probabilidade da rolagem resultar em uma falha ou sucesso crítico é de 5% não importando o nível da habilidade do personagem. Um personagem com habilidade que lhe confere um bônus de 30 para a rolagem e um incompetente com penalidade de 5 tem exatamente a mesma chance de falhar miseravelmente em algo.

“Ah, mas tirar 1 é muito difícil”, não é não. 5% de chance é coisa pra caralho e eu vou provar.

Em 1986 um engenheiro da Motorola chamado Bill Smith desenvolveu um conjunto de práticas e ferramentas para melhorar os processos da empresa de forma a fazer com que a taxa de insucesso caisse para 99,99%. Esse conjunto eventualmente se transformou no famoso Six Sigma – é, aquele que virou uma certificação profissional pra gerentes de projeto. “Mas pra que tanto preciosismo com as casas decimais?” você pergunta.

O número de vôos tripulados que acontecem por dia era de mais ou menos 93.000 em 2008. Imagina se 5% deles passassem por problemas? 4650 vôos. E se só 1% caísse? 930 acidentes aéreos por dia. 0,1%? 93 vôos caindo todo dia ao redor do mundo.

Agora se pergunte: Quantos dados você rola em uma sessão de RPG? Quantos deles são ações importantes? E se for aquela rolagem da qual toda a aventura depende? 5% não parece mais um número tão pequeno pra uma falha crítica, né?

Por esse motivo D&D é um sistema com tanto potencial para situações dignas de “Os Trapalhões”, com coisas absurdas acontecendo frequentemente.

Storyteller: O “Não faço ideia do que estou fazendo”

Novamente, caso você já saiba como funcionam os testes em Storyteller, pode pular para a imagem. Estamos modelando a descrição com base no Old World of Darkness, e não do New, mas as curvas não são tão diferentes.

No sistema Storyteller os testes de habilidade são realizados seguindo a seguinte regra: o Narrador determina qual é a dificuldade do teste – que vai de 1 a 10, a dificuldade média sendo 6  e o par de Atributo-Perícia que a ação descrita pelo jogador exige. O jogador soma o seu valor do Atributo em questão ao valor da Perícia em questão, e rola um número de d10 igual à soma dos valores do par Atributo-Perícia.

O jogador conta um sucesso para cada dado que role um resultado igual ou superior à dificuldade estipulada. Ele também subtrai um sucesso dessa conta para cada número 1 rolado, e cada 0 (que significa 10) dá ao jogador um dado extra para aquele teste, que pode lhe dar um novo sucesso (este dado não subtrai sucessos com 1 ou acrescenta dados com 0).

Tirar ao menos 1 sucesso na rolagem significa que o jogador foi bem sucedido. O grau de sucesso é medido de acordo com o número de sucessos da contagem final, com sucessos adicionais deixando a ação mais impressionante/eficiente/&c.

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Na minha opinião já é uma grande evolução do sistema de D&D, com a curva começando a se assemelhar a uma curva normal, o que significa que sucessos ou falhas extremos tendem a não acontecer com tanta frequência. Outra melhoria é o fato de que conforme o personagem fica melhor no que está fazendo, menores são as suas chances de ter uma falha crítica e maiores são as suas chances de ter um sucesso crítico.

O problema do sistema Storyteller é um pouco mais delicado, e tem a ver com a maneira como o grau de sucesso é distribuído.

É esperado de uma pessoa que começou a aprender algo – por exemplo, tiro-ao-alvo – que ela falhe consistentemente até começar a melhorar. Ela então começa a ficar melhor no que faz, mas ainda obtendo resultados inconsistentes. O que define o profissional, porém, é a sua capacidade de obter sucessos consistentemente na sua área de expertise.

Comparem a curva do personagem que tem 1d10 com a de um personagem excepcional com 10d10. Viram?

O personagem com 10d10 tem um número incrível para Storyteller, obtém muito mais sucessos que o de 1d10, é claro, mas o grau dos sucessos é extremamente inconsistente. Ele tende ao ponto de sela de ter 4 sucessos, mas com apenas 20% de chance.

O resultado é que um personagem profissional obtém sucessos com muito mais frequência, mas o resultado de suas ações fica gradativamente mais inconsistente.

Então como seria uma modelagem de sistema ideal?

Devolvemos a pergunta: Ideal para quem?

É possível determinar critérios que uma modelagem de sistemas ideal deveria seguir, mas eles sempre vão variar de pessoa pra pessoa, de grupo de jogo pra grupo de jogo. É a praticidade e velocidade em que o teste pode ser executado que é mais importante? Ou é o quanto é mais próximo da realidade? Qual é a medida correta?

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Nós do Mean Look temos critérios do que seria um modelo de testes de RPG ideal pra nós. Até pensamos em uma solução possível e queremos muito mostrar ela pra vocês.

Mas isso envolve um bocado mais de explicação, que vamos dar em um outro post, com direito a uma discussão mais bacana e completa. Fiquem ligados e obrigado por nos acompanharem.

Fontes:
A Treatise on Different Dice-rolling Mechanics in RPGs – http://rpg-design.wikidot.com/evaluation
Troll Dice Roller and Probability Calculator – http://topps.diku.dk/torbenm/troll.msp

V*Bert – Post Mortem

Please try entering https://graph.facebook.com/1346298725396085/photos?fields=source,link,name,images,album&limit=12 into your URL bar and seeing if the page loads.

Temos build disponíveis para download no GameJolt aqui, onde você pode jogar o jogo exatamente como ele estava na festa, em versões pra windows, linux e mac. Detalhes: o jogo realmente não tem som, vamos explicar isso já já. Recomendamos essa playlist aqui, que tocou na festa, para dar o clima: https://soundcloud.com/arruaca/dona-ana-vorlat-ato-vi-carrot-green-no-edalo-pagao. E se você pretende jogar no browser, recomendamos firefox!

Eram oito da noite quando chegamos no local da festa, o estacionamento de uma concessionária encostada em uma avenida movimentada. Os carros tinham sido retirados e estacionados nos fundos. A equipe de organização estava saindo para tomar banho e se arrumar depois de passarem a tarde toda arrumando o labirinto – uma estrutura feita de panos semitransparentes enrolados em armações metálicas – por onde se entrava na festa.

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Diagrama do labirinto de tela na entrada da Vorlat

“Nós não podemos deixaras pessoas entrarem daqui pra lá nem daqui pra cá” disseram gesticulando com as mãos para o espaço coberto da concessionária, aquele onde atendem os clientes. “Se vocês precisarem de cabos de força e extensões falem com aquele camarada ali e tá aqui o projetor”.

Demos uma volta no local, arrastamos uma mesa com os pés bambos pra sustentar o equipamento, forramos com uma garrafa plástica amassada. Fizemos todas as conexões necessárias entre projetor, notebook e tomada. Apertamos o botão.

Projetado na parede, em letras garrafais, nosso filhote: V*BERT

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A imagem de maior resolução de todo esse blog. Contemplem.
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Uma das fases mais desorientantes do V*Bert.

Demorou mas chegou! Já postamos na página de Facebook do Mean Look sobre o nosso primeiro projeto e agora trazemos pra vocês seu post mortem.

Briefing e Premissas

O V*Bert foi desenvolvido sob encomenda e em parceria com o pessoal da Vorlat – uma festa brilhante que rola periodicamente na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. A festa contrata e expõe o trabalho de diversos performers (se encaixando nessa denominação diversos atores, artistas, designers, arquitetos, &c.), e nós seriamos um deles expondo o V*Bert. O objetivo era ter um espaço da festa onde as pessoas pudessem jogar e se divertir.

Nós tivemos liberdade criativa praticamente absoluta para desenvolver o jogo mas, como todo projeto, coletamos algumas premissas importantes – tanto na pré-produção quanto ao longo de todo o desenvolvimento, é claro – que impactaram em diversas das nossas decisões de game design:

  • A festa Vorlat já tinha uma linguagem visual própria desde suas primeiras edições, e sua sexta edição não foi diferente. O Dédalo Pagão, uma espécie de labirinto, era o tema da vez, com muito vermelho e cinza e um apelo visual extremamente afim com o Construtivismo;
  • A festa tem uma proposta importantíssima de ser extremamente democrática, sem nenhum tipo de protagonismo;
  • Como em qualquer festa haveria música alta, então o jogo precisaria ser mudo;
  • As pessoas deveriam poder aprender a jogar o jogo quase instantaneamente – o jogo, portanto, deveria ser simples e intuitivo;
  • O tempo de uma ‘partida’ deveria ser curto pra que o jogo não exigisse muito comprometimento;
  • O tempo de desenvolvimento seria bem curto – tínhamos apenas um mês e meio até a festa. Nada de projetos ambiciosos.

A partir dessas premissas, o jogo foi tomando forma.

Pré-Produção e Produção

Devido à natureza do ambiente – uma festa com uma proposta bastante lisérgica – e o nosso tempo de desenvolvimento – apenas um mês e meio – optamos por pegar um jogo simples e consagrado, modernizá-lo e explorar as suas possibilidades artísticas e mecânicas dentro da proposta da festa de maneira incremental (desenvolvemos uma feature por vez e fomos vendo o que colava com o jogo e o que ficava ruim).

O resultado foi a escolha do clássico do ATARI, Q*Bert. No original, você controla uma criatura laranja com uma tromba e Síndrome de Tourrete e deve pintar todos os espaços de um cenário cúbico – pisar neles faz com eles mudem de cor – escapando dos inimigos.

O jogo roda em tempo real, com os inimigos caminhando independente das ações do jogador, e cada um tem comportamento diferente. Em fases mais avançadas, também, o número de vezes que você precisa pisar em um espaço para que ele atinja a cor desejada aumenta.

Somando o conceito do Q*Bert às propostas da festa, começamos a escolher nossas principais referências:

  • Q*Bert – é claro;
  • FEZ – o jogo de Phil Fish, para a rotação da câmera e os gráficos em falso 2D;
  • Vertigo – o filme de Hitchcock, serviu de inspiração para o nosso dolly zoom, que vamos falar mais pra frente;
  • Imagens e técnicas gráficas psicodélicas – tie-dye, caleidoscópios, fractais, &c.

A partir dessas referências, partimos para a produção.

Produção

A produção do V*Bert foi feita de forma incremental – com diversos ciclos de desenvolvimento e teste. Fomos acrescentando mecânicas e efeitos aos poucos, vendo o que se encaixava bem no jogo e o que ficava ruim e, por último, polindo as coisas que descobríamos interessantes.

Tivemos bastante espaço para experimentação, uma vez que partimos de um modelo de mecânicas de jogo já bastante consagrado. Nossos resultados foram nos levando pé ante pé cada vez mais próximos do que veio a ser o nosso produto final.

  • Como não podíamos usar som e as pessoas da festa possivelmente estariam sob efeito de drogas pesadas (vodka, gente), nós optamos por fazer um jogo com uma sobrecarga visual bem impactante;
  • Flertamos com fazer um jogo que dependesse de ritmo, usando a batida da festa como compasso para a passagem do tempo, mas logo descartamos a idéia;
  • Ao invés disso escolhemos fazer o jogo em turnos – os personagens se moveriam apenas quando o jogador se movesse;
  • Aproveitamos a ideia de um jogo de ritmo apenas usando um tapete de DDR no lugar de um controle. Isso incentivaria as pessoas a pisarem no ritmo da música (ou não), e não as puniria caso elas não conseguissem ou estivessem alteradas demais para realiza-lo;
  • O jogo misturaria 2D com 3D, sendo feito com uma distância focal grande – deixando o jogo com a aparência de um falso isométrico. Mais tarde, acrescentamos um dolly zoom, técnica de câmera usada muito por Hitchcock, notoriamente no filme Vertigo, para dar ainda mais impacto visual distorcendo o cenário em ângulos absrudos;
  • Exploramos – e deu certo – fazer com que o cenário girasse conforme o jogador se movesse para espaços em quadrantes diferentes. Isso nos deu novas possibilidades de level design para explorar;
  • A criação dos inimigos foi bastante simples. Com exceção de um inimigo – que foi instantaneamente apelidado de Illuminati – todos os demais foram inspiração direta do jogo original.

Recepção

Do momento em que a festa abriu os portões até o momento em que a atração principal discotecou, o jogo foi disputado pelo público, chegando a ter uma mini-fila informal do pessoal esperando sua vez de tentar.

Cara, tem umas cinco horas que não vejo a tela de título. Quando alguém termina de jogar, já entrou outro.
– Daniel para Diogo

A projeção fascinava, mesmo em um ambiente distante da pista. Com 7 fases diferentes sorteadas através de uma lógica que evitava repetir seleções, era bastante frequente você ser surpreendido a menos que estivesse assistindo alguém jogar por um bom tempo. Houveram alguns frequentadores cativos da instalação que jogaram várias vezes durante o evento, sempre permitindo que quem não havia tentado tomasse a preferência. Em sua maioria as pessoas experimentavam uma ou duas vezes, e assistiam por um bom período.

A reação dos jogadores, em parte coletada por nós mesmos ao vivo e em parte nos contada pelo pessoal da Vorlat nos dias seguintes da festa, foi bem diversa. Houveram pessoas que disseram que o visual estava “uma viagem”, “muito psicodélico” e “um teto”. Outros se surpreenderam quando souberam que o V*Bert era um jogo e não uma projeção de vídeo, comum nas edições anteriores.  Outros relataram que demoraram um pouco para entender como os inimigos funcionavam, mas sanaram suas dúvidas observando outras pessoas jogarem por um tempo. Haviam interações no ambiente das pessoas se ensinando ou explicando umas para as outras como o jogo funcionava, o tornando um objeto social. A grande maioria achou bem divertido, e curtiu o complemento visual e interativo que o jogo trouxe para a festa.

Alguns comportamentos emergentes nos chamaram a atenção:

  • Jogando enquanto inventa: muitos jogaram pulando, ou em equipe, ou enquanto dançavam. O controle ser um tapete de dança permitiu que as pessoas usassem as mãos para brincar com os outros, segurar seus drinks ou inventar possibilidades de aproveitar o jogo em um ambiente de festa.
  • Esquema de controle: como no jogo original, o personagem principal anda “na diagonal” dos cubos. Ou seja, apertar pra cima no controle faz com que ele ande para o cubo superior direito em relação a posição da câmera. Com isso em mente, instalamos o tapete de dança inclinado a fim de refletir como os controles funcionavam. A primeira pessoa que visitou a instalação “arrumou” o tapete para ele ficar reto. Logo em seguida, percebendo como os controles funcionavam, alguém restaurou o tapete à posição original.
  • High scores: ao fim de uma seção de jogo, você podia colocar suas iniciais na tela de high score. Por se tratar de uma festa sem protagonismos, decidimos sempre permitir isso, independente do quão bem a pessoa foi. Surpreendentemente, ao final da festa todos os high scores eram anônimos (_ _ _ ou A A A). Atribuímos isso em parte ao controle em diagonal que dificultava um pouco o entendimento de como registrar o high score, e em outra parte a consistência das pessoas de não se importarem com “ser o fodão” em um ambiente que estimulava não-hierarquias.

Sobre a festa

Queriamos mandar um mega obrigado pra todo mundo que jogou, se divertiu e pra organização da Vorlat que nos recebeu super bem, nos manteve hidratados e concedeu um camarim onde pudemos conhecer os outros performers (QUE PESSOAL GENTE BOA, PQP). A festa toda foi linda, e a instalação foi super cuidada por todo mundo. O tapete de dança sobreviveu sem nenhuma manchinha, o computador e o projetor não foram sequer tocados, só coisa boa. E o som estava incrível.

Se ficou a curiosidade, o link da Vorlat no facebook está aqui, e saiu uma entrevista muito boa sobre a origem da festa no loft55. Abaixo vamos postar algumas imagens da festa diretamente do álbum deles no facebook (clique no link para ver o álbum todo) e um pouco do tema visual para vocês terem uma idéia:

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Grimdark é Câncer

ou A Trevificação da Cultura Pop

Quarta-feira. 12h45min. Minha hora de almoço, um dos poucos momentos sápidos na minha estadia neste cativeiro, chega ao fim. Meu algoz, me preparando para retornar à dura realidade, volta a me atormentar:

“Não vai terminar o seu prato, mané? Não estava com fome antes?”

Eu já estava acostumado. Não era a primeira vez que acontecia. Minha pena é longa: 18 anos em cárcere privado. Meu crime não vem ao caso, pois sou inocente. Eu detesto a comida desse lugar. Se fosse minha decisão, o cardápio seria completamente diferente. Anseio por um daqueles hambúrgeres transpirando gordura por cada fragmento de carne moída. Rancoroso, respondi:

“Tenho fome o tempo todo. Mas minha fome não se sacia com o que está nesse prato. Tenho fome de justiça. Um dia estarei fora daqui, e então não serei forçado a aguentar provocações e horários desumanamente curtos para refeições e banho de sol.”

Irado com o fato de sequer eu ter respondido a provocação, o carcereiro avançou calmamente na minha direção. Preparado para o pior, vacilei em minha cadeira por um momento. Tinha certeza que eu seria punido por isso. Tragou o cigarro, e com os olhos secos de raiva e decepção, anunciou sua sentença:

“Júnior, pela décima vez: sobremesa só depois que você terminar os legumes.”

 

Júnior cresceu acreditando que cada uma das coisas que ele queria deviam ser conquistada com sofrimento: sangue, suor e lágrimas. As coisas são assim mesmo, na vida tu tem que ralar o tempo todo. Segundas-feiras são as piores, e aquele “amigo” do trabalho que te convidou para um churrasco só quer descobrir teus podres pra pintar tua caveira pro chefe. Ele só vai atrasar Júnior, mas não se Júnior atacar primeiro. É assim que as coisas funcionam fora do mundinho de fantasia e video-games que foi a sua infância.

Só que Júnior é um idiota. Essa perspectiva de grimdarkizar o mundo adulto e achar que tudo funciona na mesma base que House of Cards só é conveniente para ele porque aí ele pode racionalizar as situações em que ele é um cuzão. E o pior é que está havendo uma tsunami de conteúdo cultural que endossa essa visão do “mundo real”, e isso está se tornando a base de todo seriado “para adultos”: peitos, drogas, gente egoísta e de moral duvidosa.

Vocês achavam que o assunto do último post tinha acabado! Mas não!

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Se você ainda não leu, você pode ler ou ler o nosso resumão.

Ser adulto é, só e somente só, assumir a responsabilidade pela sua vida e seus atos.
Se você tem a impressão de que existem coisas que são inapropriadas para a sua idade, você está sendo vítima do que nós do Mean Look chamamos de Lógica do Trote (que certamente tem nomes mais bonitos usados por pessoas mais gabaritadas que nós).
A Lógica do Trote, resumidamente, consiste em:

  • A sociedade te constrange e oprime a seguir determinadas expectativas de quem ser. Algumas são razoáveis, a maioria não;
  • Você se submete e o seu ego (cuja função é proteger a si mesmo) normaliza os constrangimentos – afinal, só um idiota faria algo que não quer, diz o ego, e eu certamente não sou um idiota;
  • Num falso senso de justiça – se todo mundo sempre teve que fazer, quem se recusa está é querendo moleza e se fazendo de vítima – você se torna agente de constrangimento e repete o primeiro passo com outras pessoas, normalmente mais novas do que você.

No último post falamos sobre como é absurda a noção de que existe uma cartilha de “pode / não pode” para adultos, e como isso nos torna pessoas mais amargas. Neste post, queremos falar nos impactos que isso tem nas pessoas, nas coisas e especialmente na indústria da cultura. E como isso tudo é um saco.

Psicologia do Cinismo (não o grego)

Às vezes nós não reagimos bem às situações que a vida nos apresenta.

Não é coincidência que a transição entre ser uma criança sem responsabilidades ou preocupações e se tornar um adulto que toma as rédeas da própria vida raramente é algo suave. A vida é difícil, indiferente, caótica e, como se isso tudo não fosse suficiente, está cheia de gente egoísta, mal-intencionada e amarga. É natural que fiquemos frustrados e desiludidos ao nos deparar com as mazelas do mundo.

Monitorar a maneira como lidamos com essas frustrações e desilusões, portanto, é extremamente importante. Quando somos forçados a lidar com situações limítrofes – ter a nossa confiança traída, ser enganado, ser agredido física ou verbalmente, se envolver com uma pessoa emocionalmente abusiva – nós nem sempre temos respostas saudáveis.

No calor do momento, é uma saída fácil pintar o mundo inteiro da cor da sua raiva e desilusão e tomar atitudes reprováveis – trair de volta, decidir nunca mais confiar em ninguém, fazer exigências iguais –, mas longe de ser a resposta correta (ou a única resposta), insistir nessa visão cínica de mundo é extremamente perigoso a longo prazo. Como já falamos no último post, a função do ego é proteger a si mesmo, e é impressionante a capacidade da mente humana de racionalizar e construir todo um sistema de crenças que nos afaste de encarar a realidade dos nossos atos.

Adicione, ainda, questões filosóficas como a ausência de um sentido claro para a vida e a nossa insignificância perante as infinitudes do Universo e do Tempo, e fica fácil justificar qualquer atitude babaca com os outros.

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Créditos para nightmargin@deviantArt

Isso sem levar em conta crianças que cresceram em situações adversas – combinações sem número de vários fatores que passam por dificuldades econômicas, abuso e pais com tendências narcisistas – e são forçadas a desenvolver respostas para os seus problemas muito cedo. Isso pode resultar em respostas emocionalmente simplórias e imaturas para um mundo complexo, e virem a se tornar a fundação do sistema de crenças de um adulto “mal caráter”. (Ou não. Não somos psicólogos. Isso é só a nossa impressão.)

Nesse mundo, é matar ou morrer.
— Flowey, a flor (Undertale)

O fato persiste que ao longo da vida passamos por diversas situações com potencial de trauma, mas a escolha de absorver uma experiência como um trauma (salvo, claro, situações extremas) é nossa, e precisamos ter consciência disso.

Caso contrário, começamos a acumular pequenas certezas – de acordo com alguns psicólogos, lixo mental. Em pequenas quantidades ele atrapalha sua concentração, contribui para a cacofonia dos seus pensamentos e te deixa estressado. Em grande quantidade, estas certezas vagarosamente te impedem de evoluir emocionalmente.

Cinismo, portanto, se instala como um mecanismo de defesa do ego às frustrações da vida adulta, o período onde deixamos a segurança da infância e passamos a explorar a nossa humanidade a partir do outro – em relacionamentos profissionais, fraternais, amorosos, &c. O cinismo então, é intimamente relacionado à nossa percepção de maturidade e à construção da nossa visão do que é o “mundo real” – o nome que damos já denuncia, queremos muito credibilizar a nossa visão.

Essa reação é compreensível, ainda mais em um mundo repleto de injustiças sobre as quais não temos poder de agência algum, mas ela não deve ser normalizada.

Cinismo na Cultura Pop

O resultado dessa construção mental é potencializado pela maneira como nos relacionamos com objetos culturais. Nós naturalmente passamos a nos identificar e buscar personagens e narrativas que são inofensivas à nossa visão de mundo, ou até que a reforçam.  Quando aparece, por exemplo, um Batman fodido de desilusão, uma parte de nós se identifica com ele. Quanto mais próxima da nossa visão de realidade isso é, mais fácil de atiçar emoções nesse espectro.  Algo que, aliás, como tudo que viemos falando até agora, é perfeitamente normal e não inerentemente nocivo se supervisionado.

Por isso é tão complicado escrever histórias que apelam para sentimentos mais complexos do que “meu deus, o mundo não é do jeito que eu achava que ele era/queria que ele fosse”. Por exemplo, tédio.

Se a história que contamos pra nós mesmos sobre o universo em que vivemos é que as pessoas são animais brutos e traiçoeiros prontos para te passar a perna em qualquer momento, nós buscamos narrativas que estejam alinhadas com essa crença. O mercado, em toda a sua inteligência, se aproveita dessa vulnerabilidade.

Acontece que cinismo não é a mesma coisa que profundidade e complexidade narrativa.

Temos essa impressão porque sofremos pressão cultural para desenvolver esse cinismo como um mecanismo de defesa. Estereótipos de desilusão e desconfiança, egoísmo tóxico, falta de caráter e hedonismo autodestrutivo, todos esses se comunicam conosco a nível pessoal, porque a sociedade falha em nos preparar para a percebida solidão e insegurança da vida adulta.

Isso resulta em um padrão que é muito recorrente hoje: programas de TV, filmes, histórias que são consideradas adultas quando, na verdade, são apenas inapropriados para criançasQuer ver?

Bacana, né? Mas o que tem de adulto nesse curta?

Dos nossos heróis de infância um virou um traidor, outro foi fuzilado por um cara que morreu de overdose de metanfetamina, outro virou viciado em pó e guerra, uma morreu e deu o lugar para uma vilã e o único que não se corrompeu virou um mendigo. O mundo é violento e todo mundo morre; resistir é inútil.

Inapropriado para crianças? Com certeza! Mas esses estereótipos de fracasso humano não tem mais profundidade do que personagens infantis. Por mais divertido que seja, esse curta não trata de personagens profundos lidando com questões adultas em um enredo complexo. A falsa sensação de profundidade vem do mundo cão onde existe injustiça, drogas, mortes violentas e gente fazendo sexo por dinheiro. Ainda assim, ele tenta se passar por uma história de madura – “You’re not a little girl anymore” -, quando na verdade é uma história sobre personagens unidimensionais e pouquíssimo complexos (“mimimi, é um curta, não dava pra desenvolv”, dava sim).

Diversos personagens que protagonizam narrativas orientadas para crianças também passaram por situações de vida difíceis! Eles também são órfãos de pai e mãe, tiveram seus vilarejos (ou planetas) dizimados por uma guerra, tiveram suas confianças traídas por amigos próximos e lidam com gente mal caráter a cada episódio.

Perceber a injustiça do mundo não nos torna maduros, porque a desilusão é só um sentimento. Ela é nada mais nada menos do que a resposta a uma expectativa frustrada. A maneira como reagimos a ela, isso sim é determinante para a nossa maturidade ou falta dela.

Ou seja: Ser inapropriado para crianças e tratar de assuntos de maneira adulta são coisas muito diferentes.

Você lembra como em desenhos animados, especialmente aqueles voltados pra adolescentes, sempre tem aquele personagem trevosinho? Ele está lá por um motivo: pra que os projetinhos de cínico se identifiquem com ele. Agora essas crianças cresceram e, por conta do fenômeno de popularização da cultura geek – algo que é muito legal, alias -, elas não se sentem envergonhadas por se interessarem por super-heróis e séries animadas (não todas, óbvio, vide o nosso post anterior). Os atores do mercado identificam isso: os mini-trevosinhos cresceram, trabalham, consomem e ainda tem aquela visão de mundo.

É claro, o mercado se aproveita desse sentimento formulando narrativas que tem a mesma profundidade que as da nossa infância, mas com porções extra de violência, drogas e peitinhos.

Maturidade em Séries Infantis

Podíamos passar o dia listando filmes e séries com pretensa maturidade insinuada por peitinhos e dorgas, mas preferimos falar do exemplo contrário: como histórias e personagens maduras não precisam ser trevosas pra serem fantásticas.

Gravity Falls e Earthbound – Terror é diferente de Cinismo

Decidimos falar desses dois pra provar que retratar uma realidade assustadora não precisa acompanhar uma bagagem de cinismo.

Earthbound (ou Mother 2) é um jogo do SNES que conta a história de Ness e seus aliados enquanto eles viajam pelo mundo juntando forças para derrotar uma força psíquica alienígena que infectou o mundo com ódio e transformou tudo e todos em criaturas violentas e más. Soa bastante grimdark né?

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ENTÃO O QUE SÃO ESSAS CORES?

Nos primeiros momentos de Earthbound você:

  • Descobre que o personagem principal vive em uma família só com a mãe e irmã, e todo o contato que ele tem com o pai no jogo inteiro é por telefone;
  • Descobre que os vizinhos tem uma família disfuncional e que os pais batem nos filhos malcriados;
  • Conversa com o prefeito de Onett, que se omite quando descobre que há uma gangue na cidade, e pede para não ser responsabilizado por nada que você venha a fazer para contribuir para a solução da crise;
  • Encontra um culto extremista que sequestra uma menina para um sacrifício humano.

Classificação indicativa: E for EVERYONE. E pasme; não é ironia. Earthbound simplesmente escolhe retratar o mundo aterrador através de uma ótica de otimismo e cores porque parte da mensagem do jogo é exatamente sobre a vitória do bem – não o “bem” indefinido, e sim a inocência, esperança e amizades que só as crianças tem – sobre o mal. Toda vez que eles derrotam um vilão, o diálogo dos personagens varia ao redor do tema “Ele não é um cara mau, só estava sob más influências. Problema resolvido.”. Eles nunca traem seus valores, nunca justificam seus atos errados pelas condições do mundo e continuam coloridos e alegres até o último instante.

O que nos leva a Gravity Falls, que faz isso de maneira ao mesmo tempo mais explícita e ainda mais sutil.

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Gravity Falls é uma série animada que conta a história de Mabel e Dipper, dois irmãos que vão passar as suas férias de verão na cidade de, ta-da, Gravity Falls; uma cidadezinha pacata do interior dos EUA – exceto pelo fato de que toda sorte de fadas, fantasmas e criaturas fantásticas parecem acabar por lá.

A temática do desenho gira em torno de teorias da conspiração com ordens ocultas, homens de preto do governo,  e invocação de demônios, isso tudo com uma roupagem divertida, mas com várias cenas que são de dar cagaço até em marmanjo [spoilers]. Isso sem contar as toneladas de simbologia de ocultismo espalhadas a torto e a direito pelos episódios.

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Uma das páginas escondidas que piscam por um décimo de segundo ao fim de cada episódio.

Ou seja, mais um exemplo de mundo violento, aterrador, críptico, confuso e cheio de conspirações, mas tratado com leveza.

Voldemort e Umbridge – Vilania é diferente de Cinismo

Voldemort tinha um desejo de poder gigantesco, nenhum escrúpulo e estava a disposto a passar por cima de qualquer coisa que ficasse em seu caminho. Foi abandonado pelos pais, que ele matou posteriormente, e tem como um de seus objetivos matar todos os “trouxas” ou os magos que nasceram “trouxas”. Ele é, nos livros de Harry Potter, a personificação de todo o mal. Nunca conheceu o amor ou a amizade. Ele é tudo que há de ruim naquele universo.

Dolores Umbridge age em um tom amigável mas arrogante. Ela é pedante, abusa de autoridade, vira os estudantes contra eles mesmos, faz com que eles sejam recompensados por denunciar os outros, remove privilégios, torna as aulas completamente teóricas. Teve uma família completamente disfuncional, nunca se casou, e chegou ao poder sendo rigorosa, extremista e corrupta.

“Se eu falar algo é capaz de eu ser presa, ainda por cima” – Minerva McGonagall ficando quieta

 

Umbridge nunca matou ninguém. Nunca destruiu famílias. Ela faz coisas muito mais próximas à maldade com a qual a gente convive no dia a dia, ou até com a maldade que a gente pratica às vezes, consciente ou inconscientemente. Carl Gustav Jung, expoente da psicologia, teoriza um conceito chamado Sombra que representa os aspectos da personalidade da pessoa que ela não reconhece em si mesma conscientemente . Em geral características negativas. O interessante é que as pessoas tendem a projetar características da sua Sombra em outros indivíduos, e quando essas características são identificadas, tendemos a não gostar do que vemos pois não gostamos dessa partezinha que negamos que possa existir dentro de nós. Dolores é uma vilã com motivações trevosas, mas que nos incomodam mais, pois o resultado delas é menos grimdark, mas muito mais próximo da nossa realidade.

Zuko e Iroh – Maturidade é diferente de Cinismo

Avatar: The Last Airbender conta a história de Aang, uma criança predestinada a se tornar o novo Avatar, uma figura lendária que tem domínio dos quatro elementos (no mundo de Avatar várias pessoas tem o poder de controlar um elemento). Ele foi aprisionado em uma redoma de gelo, onde permaneceu durante muito tempo. Nesse meio tempo, o mundo foi dominado pela Nação do Fogo, com seu desenvolvimendo industrial e motivações belicistas. Mas não é dele que queremos falar…

Um dos antagonistas do desenho é Zuko, o príncipe da Nação do Fogo, filho de Ozai, o tirano que está tentando conquistar o mundo. O cara é filho do mal monolítico. Quando adolescente, Zuko discorda abertamente de seu pai em uma reunião militar onde ele declara sua intenção de sacrificar um batalhão inteiro. Ozai fica irado, o chama de covarde e o expulsa de sua terra natal. Esse não é o primeiro momento em que Ozai demonstra uma antipatia pelo jeito de seu filho.

Azula, irmã de Zuko, era a favorita de Ozai e 10 vezes mais sacana que seu irmão.

A partir daí, o Zuko fica grimdark. Ele parte em uma jornada pelo mundo, Zuko planeja capturar o Avatar e levá-lo até o seu pai para provar o seu valor. Ele precisa provar pra si mesmo que é melhor que a irmã dele, que pode fazer seu pai o admirar. Ele não se importa com nada ou ninguém além de sua missão, e enxerga todos como subalternos. Exceto seu tio Iroh… (vejam até os 18 segundos)

Iroh também tem uma história conturbada. Perdeu seu filho enquanto estava na guerra, o que fez com que ele desertasse. Isso foi visto como um sinal de covardia, e Iroh agora sem herdeiros, perdeu o direito ao trono ao seu irmão, Ozai. A grande diferença é que Iroh não ficou ressentido. Não achava que tinha que provar nada para ninguém. Pergunte a qualquer fã de Avatar e lhe dirão que Iroh é a referência espiritual/emocional da série. Ele acaba cuidando de Zuko durante seu exílio, e embora ele nunca tente bater de frente com o ímpeto de vingança de seu sobrinho, ele sempre tenta orientá-lo e descobrir qual seu próprio caminho e a segui-lo por vontade própria, não porque alguém impôs um dever a ele [spoilers]

[mais spoilers] Mais pra frente na história, Zuko percebe que sua visão de mundo difere muito da do seu pai, e que ele não precisa buscar aprovação dele. Muito pelo contrário. Em um dos arcos de redenção mais bem escritos que já vimos, ele e seu tio acabam ajudando o Avatar a restaurar a paz entre as nações e Zuko passa a ser menos gritão-grimdark-tudo-dá-errado-comigo e a ler a realidade por um viés mais neutro, com ajuda de seu tio.

Fullmetal Alchemist – Profundidade é diferente de Cinismo

Claro que não poderiamos deixar de fora o universo dos desenhos animados japoneses, com todos os seus personagens trevosinhos.

É brincadeira. Apesar de a indústria dos animes ter vários personagens bem manjados, o fato de que ela aceitou que adolescentes conseguem absorver conteúdo complexo também contribui para o surgimento de histórias fantásticas. Por exemplo, o supracitado Fullmetal Alchemist.

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Fullmetal Alchemist conta a história dos irmãos Edward e Alphonse Elric, que em sua infância perderam a sua mãe para uma doença terrível e tentaram ressuscitá-la usando um ritual proibido da Alquimia, a transmutação humana. No processo, para respeitar a lei da Troca Equivalente – “nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma”, lei máxima da alquimia -, Edward perde uma perna e Alphonse perde seu corpo inteiro e a transmutação resulta em uma criatura horrível e desfigurada que não se sabe se era afinal a mãe dos Elric. Para recuperar ao menos a alma de Alphonse e prendê-la em uma armadura, Edward sacrifica o seu braço.

No tempo em que se passa a história eles são integrantes do exército em um mundo dominado por uma ordem militar após uma série de conflitos e guerras. O mundo é cruel, muitas pessoas perderam seus entes queridos e uma conspiração de corrupção e intriga permeia todo o seriado conforme seus personagens cometem atos questionáveis em busca do artefato máximo da alquimia que daria a quem o possuísse o poder de um deus: a Pedra Filosofal.

PUTA MERDA, se isso não é grimdark, não sabemos o que é.

Dentre outros assuntos, Fullmetal Alchemist trata da busca incessante e inconsequente pelo conhecimento, das mazelas da guerra, da corrupção pelo poder e do valor da vida humana. Além de não faltar desgraça no roteiro, a história é profunda e lida com temas complexos. Mesmo com todos esses assuntos complicados, FMA ainda tem personagens profundas e maduras, que lidam com as questões da vida como ela é com leveza. Seus personagens riem, tem outras preocupações e principalmente não são cínicos de plantão sem moral ou escrúpulos.

Ainda assim, mesmo com todas estas questões filosóficas complexas e cenas de crueldade e violência extremas, FMA ainda é considerado adequado para crianças a partir dos 14 anos.

O que é que torna um seriado adulto mesmo? Acho que só peitinhos e drogas mesmo…

Trevas são para todos

É óbvio que existe espaço pra peitinhos, violência e drogas nas mídias culturais. Nós não queremos que o grimdark seja banido da mídia cultural. Muito pelo contrário! Várias de nossas histórias favoritas aqui no Mean Look flertam com o panorama, quando não são totalmente inseridas nele (Dark Souls, Berserk, Game of Thrones, ).

redridinghood

O que achamos errado é esse uso desenfreado do “mundo cão” como um engodo para dar a impressão de que a história é mais madura, complexa e bem construída do que ela realmente é. É a sensação errada de “ai, essa história é tão adulta” só porque tem peitinhos e faz as pessoas corarem e ficarem desconfortáveis de assistir com os pais na sala de estar.

É apelação gratuita pro cinismo. Cinismo não te torna adulto. Maturidade sim.

Durante a construção desse post nós pesquisamos pela palavra grimdark no Google, e a maioria dos resultados de imagens eram de My Little Pony. Isso é indicativo claro de que estamos tentando nos desvincular da nossa infância de maneira violenta e tóxica (e/ou que a comunidade Brony tem muita gente doida).

Uma pitada de tragédia é ótima em qualquer história e personagem; as torna mais críveis. Afinal, a vida é recheada de pequenas tragédias.

Mas por favor, não nos deixemos iludir pela falsa sensação de maturidade que elas dão. Qualquer imbecil passou por momentos difíceis. Boas histórias – e boas pessoas – precisam de muito mais do que isso pra funcionar e serem maduras.

Onde mais o Mean Look está?

Pequena nota sobre onde/como seguir o Mean Look:

Nossa página no Facebook vai sempre linkar os posts que fazemos aqui, e também vai compartilhar links de eventos, campanhas de Kickstarter, ferramentas, etc. que julguemos interessantes. Pense nisso como um “Mean Look para entusiastas”.

O Twitter vai ter updates mais frequentes, pretendemos responder mais rapidamente.

Se você quiser evitar a poluição da timeline e só ser avisado por email quando sair post novo, também dá! Não vai ter spam e não vamos encaminhar seu endereço de email pra ninguém, pode ficar sossegado. É só deixar o email abaixo e apertar no botão de Subscribe.

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Os Floquinhos de Neve da Geração Y

ou “Não tem Nada de Errado com Você”

Aviso aos navegantes: esse texto contém quantidades elevadas de bílis. Se em algum momento você ficar com raiva do autor do texto, respire fundo, acalme-se e lembre-se de que você está errado.

Um dia você acordou cedo como o adulto responsável que você se tornou, tomou aquele café forte sabor “ambição profissional”, se vestiu pra transparecer como você é respeitoso e foi carpar o diem pra pagar tuas contas. Sentou no seu PC, ligou os programas que você usa pra trabalhar e abriu aquela aba marota do Facebook que você acessa no Ctrl + Tab.

Onze da manhã e um daqueles seus colegas que você nem lembra quem é – e que está no escritório dele, sem dúvidas – pula na sua timeline compartilhando uma matéria daquele site de artigos maneiro – que, apesar do nome e de estar cheio de pseudo-conhecimento, não tem nada a ver com espiritismo – escrito por um “colunista” que, como você, é um adulto sério e profissional. O título já te salta aos olhos:

“O Que Deu Errado com a Geração Y?”

Olha só, é a minha geração, você pensa, e clica. No topo o Medium já te diz: “8 minute read”. Oito minutinhos. Maravilha. Exatamente o tempo que o seu cérebro atarefado precisa pra soltar uns peidos.

#MILLENIALS

Millennial

Sério. Pelo menos uma vez por mês aparece outro texto de merda falando mal da geração Y. A geração Y é infantilizada, mimada, ela foge das responsabilidades, ela é egoísta, ingênua, acha que é especial, que vai mudar o mundo, idolatra os caras do vale do silício mas não quer trabalhar, trabalha demais, não quer ter filhos, não tem casa própria, gosta de filme de super-herói, desenho animado, videogame, compra boneco… a lista de críticas é infinita.

Se você acredita nisso, ou até se foi autor de algum texto desses, tenho uma má notícia pra você: Você é um otário.

Talvez tenham apelado pra sua insegurança, e você levou algum desses textos como uma lição de vida. Talvez tenham apelado pro seu ego e você agora se sente o diferentão da turminha do recreio, mais maduro que todos os seus confrades de berçário.

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Se não quiser ler o post do Mean Look porque acha a gente bobo e feio, eu recomendo que você dê só uma scrollada pra baixo nesse artigo da Wired, porque ele é a prova derradeira de que esse papinho é besteira da grande e já rola solto desde sabe-se lá quando. Tem até nome. Se chama juvenoia.

Mas o quadro piora porque na maioria das vezes esses textos são escritos por pessoas que fazem parte da geração Y. Por algum motivo que me escapa, essas pessoas acham que estão acima de sua própria geração.

O que é ser adulto afinal?

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Ser adulto é, segundo indicam os textos:

  • Trabalhar;
  • Ver futebol na TV;
  • Fazer sexo;
  • Beber;
  • Chorar sozinho no chuveiro enquanto tenta se recordar quando foi a última vez que se sentiu vivo.

Esse é um credo amplamente difundido e profundamente imbecil sobre o que é ser adulto. Ser adulto é ser cínico, amargo e chafurdar na tristeza enquanto se mantém vivo para ficar cada dia mais miserável negando qualquer coisa doce e colorida, tudo em função do status social da adultisse.

Ela não é novidade, já existe tem muito tempo e é sustentado por gente amarga e por algo que eu gosto de chamar de lógica do trote.

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A Lógica do Trote consiste em um ciclo que funciona da seguinte maneira:

  • A sociedade te constrange e oprime a seguir determinadas expectativas de quem ser. Algumas dessas coisas são razoáveis, a maioria não;
  • Você se contorce pra entrar nessa caixinha que é construto de todas as coisas que te dizem que você deve ser e fazer;
  • Você vive a sua vida, como todo mundo, a trancos e barrancos, com momentos de tristeza e alegria e, apesar de tudo que te fizeram engolir, fica bem;
  • A função do ego é proteger a si mesmo, portanto a sensação de superação, de ter triunfado na vida a despeito das expetativas da sociedade te torna orgulhoso;
  • O orgulho te cega para o constrangimento e fabrica a falsa impressão de que essas estruturas são naturais, razoáveis, corretas e que sem elas todos serão pessoas piores. Do contrário, você teria que lidar com o novo constrangimento de assumir que estava errado em ceder a estas pressões e ter levado a sua vida de maneira totalmente equivocada durante tanto tempo. Afinal só um idiota faria isso, diz o ego, e você não é um idiota;
  • E então você se torna ator do primeiro passo do ciclo, num misto de orgulho de sobrevivente e vingança mal direcionada, constrangendo outras pessoas a serem tão infelizes dentro da caixinha quanto você.

Essa lógica faz com que, ao invés de buscar uma ruptura no ciclo, as pessoas dominadas pelo ego perpetuem essa lógica tóxica. Igualzinho trotes pesados continuam em faculdades depois de tanto tempo com gente se sentindo mal durante eles.

Um dos milhares de textos sobre como a geração Y é problemática, para o qual eu não tenho o menor interesse em dar ibope e portanto não vou linkar, disse assim:

“Olhávamos para nossos pais e avós e pensávamos que eles eram escravos da própria família. (…) Mas, hoje, advinha só? Da sua idade ele já tinha casa própria e carro na garagem. E você? Figuras de ação do Mega-Man.”

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E do X, pode?

Como tantos outros, o autor do texto se esqueceu – ou convenientemente ignorou só pra que o argumento franzino tivesse uma muleta na qual se apoiar – que no tempo em que a Geração Y está vivendo a vida adulta é muito mais difícil atingir independência financeira, e que na época dos nossos pais, pasmem, era muito mais fácil comprar uma casa porque hoje está tudo tão absurdamente caro. E o pior é que essa nem é a parte importante.

Não existe absolutamente nada, além da pressão social feita por gente amarga, que impeça um adulto de ser uma pessoa responsável que paga as próprias contas ao mesmo tempo que ele é uma pessoa divertida que gosta de desenho animado, videogame e filme de super-herói. Igualmente, não existe absolutamente nada que obrigue uma pessoa adulta a ter filhos, um carro, um cachorro e, bem, fazer o que os outros acham que você tem que fazer.

Alias, uma das partes mais importantes de ser adulto é tomar responsabilidade pela sua vida e arcar com as consequências das suas escolhas. Sabe quem deixa os outros dizerem o que fazer e precisa que as pessoas fiquem ensinando como proceder? Crianças.

Nós somos jovens

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A Geração Y só é adulta fazem 5 a 10 anos. Ela ainda é jovem. O processo de amadurecimento e compreensão das novas responsabilidades não é algo que acontece do dia pra noite. É óbvio que vamos cometer erros – uns mais do que outros – antes de nos acostumarmos com a ideia do que é ser adulto.

Hoje o mundo não é mais o mesmo. Não dá pra se medir pela mesma régua que nossos pais se mediram.

Se você, deparado com o mercado do jeito que ele está, pensou que valia mais a pena tentar empreender algo, pior ainda. Você vai cometer mais erros ainda e tomar muita porrada porque além da natureza de ineditismo que costuma circundar qualquer projeto empreendedor, a chance é mínima que seus pais ou alguma pessoa próxima tenha feito o mesmo. Ou seja, não tem ninguém pra ensinar como se faz.

Nós do Mean Look somos:

  • Um cara que trabalhou na HP desde que saiu da faculdade e eventualmente subiu a escada corporativa até virar líder de equipe;
  • Um cara que empreendeu fundando uma empresa de jogos eletrônicos registrada nos EUA e trabalhou nela enquanto fazia freelance e queimava as economias pra pagar as contas.

Um foi pelo que seria considerado o “caminho tradicional” do emprego fixo e estabilidade, e o outro se virou com o que tinha na época durante um bom tempo. Quem está certo? Quem hoje tem uma vida plena e financeiramente estável? Dica: nenhum dos dois.

Time is a Flat Circle

O mundo no qual os nossos pais viveram era radicalmente diferente do nosso. Na época deles a vida era algo que, te ensinavam, acontecia sobre trilhos: ir pra faculdade, pegar um diploma (escolha um: medicina, engenharia ou direito; comunicação se você quiser “esperar marido” nesse mundo machista de merda), se casar, fazer uns cachorros, comprar um filho e ensinar ele a repetir o ciclo. Mas a despeito dessa diferença, eles não amadureceram do dia pra noite como se fosse mágica.

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BRUXARIA

Nossos pais também tiveram que passar pelo seu próprio ciclo de amadurecimento no qual descobriram o que significava ser adulto para eles. Eles enfrentaram outros desafios, quebraram outros paradigmas e sucumbiram a outras pressões da sociedade. Eles sabem tanto quanto você o que você deveria fazer com a sua vida.

Eles podem te dar conselhos, falar como foi quando eles passaram pela vida, como eram as coisas na época deles, mas eles nunca vão poder te dar uma resposta certa. Eles viveram suas próprias infâncias, adolescências e anos de jovem adulto e eram tão inseguros e complicados quanto nós somos.

Também tiveram que lidar com gente espertinha que falava que a geração deles era imatura, egoísta e mimada. Também tiveram que lidar com seus colegas de geração falando o mesmo e se sentindo especiais. Só  não tiveram a internet pra qualquer babaca escrever um post cheio de chorume e sair compartilhando.

Então o que é que tem de errado com a geração Y?

Resposta: Nada. Não se preocupe. 

A vida adulta, como tudo na sociedade, é uma divisa arbitrária inventada em outra época e todo ser humano no planeta se sente fora do lugar porque é a coisa mais normal do mundo.

Por isso é inevitável que gente mal intencionada, arrogante, prepotente, iludida, preconceituosa, marketeira ou qualquer combinação destes adjetivos escreva textos falando o que tem de errado com os outros. Isso apela para as nossas inseguranças e sentimento de culpa e faz com que nós demos ouvidos a qualquer pessoa que pareça saber o que fazer; ao mesmo tempo que apela para a arrogância e sentimento de superioridade do ego de alguns que concordam com o que está sendo dito nestes textos. Cliques e validação de ego para o autor; prescrições e vaidade para os leitores.

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Uma vez, conversando com um amigo e mentor que respeito muito, eu ouvi a melhor definição do que é ser adulto, e carrego ela no meu coração.

Ser adulto é fazer as coisas que faziam por você quando criança.

Ponto final. Se sustentar e assumir seus erros. Se enquanto isso você vai assistir desenhos, jogar videogames, colecionar bonecos, tomar sorvete e ler O Pequeno Príncipe mil vezes, não é da conta dos outros. Se eles fazem questão de romper com tudo que lhes dá prazer e adotar uma cartilha do que consideram coisa de um adulto respeitável, eu recomendo que você faça uso irrestrito e sem parcimonia da terceira ferramenta que só a vida adulta te proporciona (as duas primeiras sendo experiência e álcool): o foda-se.

Talvez o último sintoma do medo da responsabilidade seja esse: deixar que os outros te digam o que fazer. Daí caímos na cartilha da adultisse.

Gente amarga é assim mesmo, se incomoda com a felicidade alheia. Você não é obrigado a ceder a essa pressão. Você não está errado por ter ido na estréia dos Vingadores, você não e menos responsável por ter comprado um boneco do Mega-Man ou mil. Nunca se esqueça que ser adulto também significa que você é responsável pela busca da sua própria identidade e felicidade.

Diga-se de passagem, o melhor remédio contra gente amarga é ser feliz, então por favor, dica dos Mean Lookinhos:

Desde que você pague as suas contas, assuma suas atitudes e esteja sempre se vigiando pra ser um bom amigo (coisa que a gente aprende no jardim, mas parece se esquecer bem rápido) e não prejudique ninguém, seja feliz.

Seja obscenamente feliz. Viva cercado de mimos sem se esquecer de mimar as pessoas de quem você gosta. Leve uma vida tão doce que dá dor no dente de quem olha. De dias ruins, já bastam os que a vida nos dá de graça.

Se você discorda e ainda acha que existe alguma cartilha que todo mundo tem que seguir pra ser respeitável, temos uma perguntinha adulta pra você responder:

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E a roupa, lavou?

Majora’s Mask é melhor que Ocarina Of Time

Joguei Majora’s Mask duas vezes. Odiei ele em 2001. Em 2012 ele virou meu jogo favorito de todos os tempos. O motivo? Tem a ver com o quanto um formato consegue beneficiar a história que você quer contar:

A Origem é um ótimo filme, mas seria difícil funcionar bem como uma série de TV sem ter que ficar relembrando o espectador de tudo que aconteceu nos episódios anteriores. É um roteiro complexo, difícil acompanhar sem a imersão que o cinema proporciona.

O Código Da Vinci é um bom livro, que teve uma boa adaptação para filme.  Porém fica claro que o tempo para explorar os quebra-cabeças no cinema é muito mais reduzido, porque em um filme quem dita o ritmo não é o espectador.

Pra mim, Majora’s Mask é a magnum opus do Aonuma. Se me pedissem para apontar um jogo que explora de maneira brilhante as ferramentas que um jogo oferece como maneira de contar uma história, eu diria MM sem pestanejar. Se Avatar usou tudo que o cinema 3D possibilita, esse jogo usa tudo que a mídia do jogo eletrônico pode usar pra contar sua história da maneira mais fascinante possível.

É um jogo recheadíssimo de simbolismo, reforçado de maneira sutil por várias de suas mecânicas, mas que requer uma sensibilidade e uma disposição para escutar o que o jogo está tentando transmitir que eu não tinha na primeira vez que eu joguei.

Antes de começarmos

The Legend of Zelda: Majora’s Mask é sequência direta de outro jogo da série The Legend of Zelda. Esse outro jogo foi Ocarina of Time.

Sim, o mesmo que tem notas praticamente perfeitas em quase todos os sites de análise de jogos eletrônicos, que foi cultuado por muitos mesmo em gerações de consoles posteriores como o melhor jogo já feito. A partir disso dá pra entender toda a expectativa que tinha sido criada sobre Majora’s Mask, né? Ele tinha tudo pra ser o sophomore slump dos Zeldas 3D.

É importante, portanto, que a gente fale um pouco sobre o final do Ocarina of Time, e como os eventos deste impactam no que decorrerá em Majora’s Mask.

Em Ocarina of Time o protagonista, Link, após passar por provações enquanto criança, fica preso por 7 anos em uma dimensão alternativa e volta para Hyrule já no corpo de um adulto. Ele se depara com um mundo tomado pelo caos e a restauração da ordem depende dele. É forçado a se emancipar.

Depois viajar pelo tempo entre sua infância e idade adulta diversas vezes para salvar a Hyrule do futuro de seu predicamento, a princesa Zelda o envia de volta no tempo para que ele possa viver sua infância perdida. Só que nesse processo de volta no tempo, ele não é mais um herói. Todo o caos que assolou Hyrule ainda não aconteceu. Ele viveu as responsabilidades de um adulto e cumpriu seu destino como Herói do Tempo, mas volta a um momento antes de seus feitos em um corpo de criança.

Ele foi uma lenda, mas agora é só mais um pirralho. E agora começamos a nossa jornada por Majora’s Mask.

O Início de Majora’s Mask

A primeira hora de Majora’s Mask introduz de maneira primorosa o jogador uma estrutura que vai se repetir o longo de todo o jogo, e por isso é importantíssimo que falemos dela.

Como dissemos antes, no começo do jogo Link é uma criança de 10 anos que já viajou no tempo e viveu sua vida adulta restaurando Hyrule. Já foi um herói mas, tendo voltado no tempo, todos os seus feitos estão à sua frente na linha do tempo e ainda não aconteceram. Seu heroísmo não é mais necessário, pois o plano de Ganondorf não se concretizará no futuro.

É importante entender que no começo de Majora’s Mask Link está desvinculado da sua identidade construída ao longo de Ocarina of Time. Ninguém com exceção de um único personagem sabe da jornada que ele teve em um futuro que não acontecerá nessa linha do tempo. E ele vai em busca dele. Atenção ao vídeo (não precisa assistir inteiro, só o comecinho):

Os primeiros 40 segundos são o suficiente pra ver as mensagens, mas a abertura toda é linda!

Se a ficha não caiu, é a Navi. O sonzinho dela toca logo depois que o texto para de passar. Em seguida na cena de abertura, Link encontra Skull Kid, o “vilão” da história cuja motivação você ainda não conhece, mas que hmm… bullies? Atormenta? Perturba? Enfim, toca o terror pra cima do Link. Ele está vestindo o artefato mágico do jogo, a Majora’s Mask – uma máscara amaldiçoada que amplifica o pior de sua personalidade e lhe dá poderes mágicos -, que ele usa para transformar Link em um Deku Scrub. Link enxerga sua nova forma e corre cobrindo o rosto. Depois enxerga seu reflexo na água, já transformado, e grita. Ele ainda não sabe o que o define, mas sabe que ele não é um Deku Scrub.

Após passar por alguns obstáculos, Link atravessa um corredor onde o espaço vira de ponta cabeça (ao som de uma música muito importante no jogo; vamos falar dela mais tarde). Ao final do corredor ele encontra com uma figura importante, o personagem que vai lhe explicar mais sobre sua missão: O vendedor de máscaras. Ele é um colecionador, o dono original da Majora’s Mask, e alerta link sobre os poderes dela, pedindo que Link a recupere para evitar um destino terrível.

Link então adentra Clock Town, cidade central e de Termina – a dimensão paralela de Hyrule onde a aventura se passa – e hub do jogo, iniciando sua busca pelo Skull Kid para resgatar Navi.

Impedido de deixar Clock Town pelos guardas nas saídas da cidade, Link começa sua jornada investigativa realizando missões em troca de informação. Eventualmente ele descobre que Skull Kid está no topo da torre do relógio de Clock Town, que a torre abrirá as portas superiores – que estão fora de seu alcance – três dias depois, à meia-noite, e que ele precisa chegar lá. Fazendo algumas missões e com a ajuda de um mercador Deku, ele consegue alcançar a entrada da torre do relógio. Lá ele se depara com algo mais terrível e urgente ainda do que resgatar sua amiga: o destino derradeiro de Termina – a queda da Lua.

Navi está desaparecida, o mundo vai acabar e não há nada que Link, preso ao corpo de um Deku, possa fazer para impedir. Porém, ele recupera sua ocarina – sim, a Ocarina of Time, artefato que titula o jogo anterior. A ocarina que lembra a ele que ele já salvou Hyrule em uma linha do tempo alternativa, e talvez possa fazer algo por Termina. Ele toca a Canção do Tempo, a mesma que permitiu que ele viajasse entre sua idade adulta e infância no jogo anterior, e fazendo isso ele retorna três dias no tempo e começa o ciclo novamente.

Termina foi revertida a como estava no exato momento em que Link chegou. A lua não caiu, Skull Kid ainda aguarda no topo da Clock Tower e os habitantes de Clock Town permanecem alienados do destino de seu mundo.

Link retorna para o subsolo da Clock Tower, lugar onde encontrou o vendedor de máscaras (e único lugar no jogo imune à passagem do tempo), e ele o ensina uma música capaz de curá-lo de seu predicamento: a Song of Healing, ou “Canção da Cura”. Ele então passa pelo processo que o próprio jogo chama de healing, onde ele volta a sua forma original, mas transforma sua maldição numa máscara que permite que ele volte a assumir a forma do Deku Scrub.

Recapitulando – A Estrutura do Jogo

Está acompanhando?

  • O jogo consiste de um ciclo de três dias que se repete até que o jogador consiga finalmente enfrentar o Skull Kid;
  • Durante esses três dias, todos os NPC’s vão refazer as mesmas coisas que sempre fazem, nos mesmos horários. A não ser que o jogador interfira na jornada de algum deles;
  • Das mecânicas centrais do jogo, está o processo de healing ou “cura” – com ou sem o uso da Song of Healing – no qual o jogador resgata uma máscara.

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Vamos continuar 🙂

As Máscaras e a Cura

Obter novas máscaras é parte central de Majora’s Mask. Elas conferem inúmeros poderes a Link, e interagem de maneiras diversas com o mundo à sua volta, mudando até mesmo a maneira como alguns NPCs reagem a você. Para conseguir essas máscaras é preciso ajudar pessoas que estão, externa e internamente, em conflito: o herói de um vilarejo que não resistiu ao frio intenso; um artista famoso que não pôde realizar seu último show; a dona de um rancho que está sendo roubada e não consegue se defender.

As vezes o negócio é bem sutil. Por exemplo esse cara:

Esse soldado está no meio de um círculo de pedras em uma área repleta de inimigos explosivos. Detalhe: ele está invisível. Só é possível vê-lo usando a Lens of Truth, um item que permite enxergar objetos ocultos nos cenários. É uma mecânica recorrente no jogo, não é exclusiva dessa cena, então ao mesmo tempo que é fácil ignorá-lo, é bem possível descobri-lo. Ele diz que está lá sentado a muito tempo pedindo socorro mas ninguém dá bola pra ele porque ele não é muito interessante. Se link atende o pedido de ajuda dele – dando a ele uma poção de cura, remetendo ao processo de healing pelo qual Link passa para obter a Deku Mask -, ele se sente melhor e em seu processo de healing, te dá uma máscara. Essa máscara, a Stone Mask, permite que você se torne “tão interessante como uma pedra” e, como o soldado afligido por sua ‘invisibilidade’, consiga passar desapercebido por diversos inimigos e personagens.

Seguindo nosso argumento de que no jogo, mais do que salvar o mundo, Link está em uma grande jornada para recuperar sua identidade perdida após os eventos do Ocarina of Time, ao ajudar essas pessoas a lidarem com esses conflitos, descobre um pedaço de si mesmo. Após o amadurecimento forçado e confuso do Ocarina of Time, de ter sua identidade e papel no mundo imposto pela trama do seu destino como o Herói do Tempo, agora Link deve amadurecer e descobrir quem ele é a despeito do que é esperado dele. Esse pedaço de si mesmo que link descobre nas máscaras é como as múltiplas máscaras que nós usamos em nossas vidas – criança, adulto, filho, profissional, amante, herói -, e ele pode usá-lo em forma de uma máscara mágica para progredir no jogo.

As máscaras sempre são obtidas ajudando outras pessoas. Link obtém seu arsenal a partir do outro. Ele constrói seu conjunto de máscaras a partir de como ele percebe os personagens e os ajuda. Algumas máscaras tem menos relação com a pessoa da qual ela é obtida, mas em geral o jogo faz um bom trabalho de manter o vínculo entre o personagem e máscara que ele dá bastante explícito.

Termina e o Ciclo de 3 Dias

Termina pode parecer pequeno; talvez seja menor que Hyrule, o mundo onde se passa Ocarina of Time. Mas o worldbuilding de Majora’s Mask é menos sobre tamanho e exploração de expansões de terreno, e mais sobre a descoberta de pessoas.

Em Majora’s Mask o herói está preso em um ciclo de 3 dias. O mundo é destruido por Skull Kid ao final da 3ª noite mas Link pode voltar no tempo até a manhã do primeiro dia usando a Song of Time e viver esse período novamente.

Da perspectiva de Termina, porém, todo o progresso obtido pelo protagonista durante este período é perdido quando ele volta no tempo. Você arruma um problema do mundo, chega ao final dos 3 dias, volta no tempo, e o problema do mundo está de volta. É realmente agoniante. Porém, você mantém todos os itens, e todas as máscaras que ganhou ajudando as pessoas. Você tem mais um pedacinho de quem você pode ser.

O primeiro ciclo de 3 dias é particularmente marcante, porque é neles que você é apresentado a todos os recursos de buildup do jogo. Desde o primeiro dia que Link chega em Clock Town, o hub de Termina, aparece na tela um aviso que pelas cores e disposição do texto já deixa bem clara a gravidade do assunto: 

Ainda tem bastante tempo, certo? A música que sucede o aviso é bem acolhedora, característica das cidades principais dos jogos da série:

Durante esse primeiro ciclo, Link percorre a cidade tentando realizar as tarefas sugeridas pelo vendedor de máscaras que levarão ao seu processo de cura, para que ele possa voltar a ser humano, e ganhar seus poderes de voltar no tempo até o primeiro dos 3 dias. Conforme o tempo vai passando, mais avisos da passagem do tempo vão aparecendo, lembrando a você de que um perigo iminente está se aproximando.

No terceiro dia, a música de Clock Town se distorce:

Pra melhorar, se você olhar pra cima você se depara com essa imagem, que deixa bem claro o desastre que vai acontecer quando o tempo se esgotar:

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O tempo está acelerado na imagem, mas sim, é uma lua com uma cara assustadora que está vagarosamente se aproximando de Termina.

A tensão é sutil, mas insidiosa; a ameaça da lua caindo sempre iminente. Há detalhes nessa aclimatação tensa do jogo que pouquíssima gente sabe. Por exemplo, o primeiro dos 3 dias passa mais rápido que os outros. Ou seja: o dia que você se sente mais tranquilo porque é o com a música mais meiga, com a lua lá longe, e com bastante tempo pra você completar uma missão é o que menos dura. O jogo faz questão de te botar na tensão do 2º dia em diante o mais rápido possível. Isso torna o clichê de estar preso na mesma sequência de eventos algo novo e brilhante. Tenho certeza que tem muita gente que já faz coleção de onde esse loop temporal aparece:

sisyphus
Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra enorme montanha acima. Quando ele completa a tarefa, a pedra rola de volta para baixo da montanha e ele é obrigado a repetir a tarefa.


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Every day the same dream, um jogo em flash que explora o mesmo conceito. Clique na imagem para jogar!

Fazer as mesmas coisas de novo e de novo é muito cansativo. Fazer um jogo legal sobre empurrar uma pedra montanha acima parece muito complicado. Mas e se a gente der algo novo pro jogador explorar a cada subida de montanha? E se o que o jogador tivesse que rolar outra coisa que não uma pedra montanha acima? E se tivessem obstáculos? E se a gente enriquecesse o ambiente onde a tarefa repetitiva é realizada e desse a possibilidade do jogador explorar rachaduras na montanha ou usar animais pra facilitar o trabalho dele? E se o jogo parecesse… menos com Sísifo… e mais com Katamari Damacy?

Majora’s Mask tem um elemento que faz esse enriquecimento do mundo onde ele se passa que complementa muito bem o fato de você ter que repetir os mesmos 3 dias várias vezes.

Os NPCs 

Os personagens que não são controlados pelo jogador são muito bem desenvolvidos neste jogo. Como Link adquire as máscaras através da interferência em conflitos de outras pessoas, é necessária uma quantidade grande de personagens com conflitos interessantes para serem resolvidos. Em cada iteração de 3 dias, Link pode acompanhar a rotina, os anseios e o que define cada personagem de Termina.

Cada personagem tem uma rotina bem estabelecida, que vai acontecendo conforme os 3 dias vão se passando dentro do tempo do jogo. Pra deixar claro: os 3 dias demoram aproximadamente uma hora em tempo real. No primeiro dia, o carteiro acorda cedo, e faz uma ronda pela cidade para entregar as cartas. À tarde ele volta para o escritório, onde você pode interagir com ele. Alguns personagens tem atividades que mudam de um dia pro outro também, e várias dessas atividades acontecem ao mesmo tempo, o que significa que acompanhar um deles em geral significa deixar de acompanhar o outro. O jogo te incentiva a fazer uma aposta, e te deixa seguro que você vai poder voltar no tempo e ver as outras alternativas caso algo dê errado.

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Seu calendário que mostra etapas da rotina dos personagens que você conhece. Este não está completo.

Esse volume de personagens e riqueza de suas rotinas faz com que Termina pareça um mundo mais vivo. Com pessoas que tem  motivos e preocupações assim como você. Isso faz com que cada um dos personagens seja importante. É difícil você encarar algum personagem como “ah, é só o carteiro, ele não deve ser importante na história” porque o jogo te ensina muito cedo que até o carteiro tem um papel nos eventos que se desenrolam ao longo dos três dias. 

spotthemain
Adivinha quem é o personagem principal?

O contraste entre os personagens importantes pra história e os que estão lá só para cumprir um trabalho é minimizado, e ao mesmo tempo a recompensa de conhecer um novo pedaço da história e ganhar uma máscara é boa o suficiente pra manter sua curiosidade ao decorrer do jogo. Talvez muita gente vá discordar de mim nesse ponto, já vi várias pessoas comentarem que essa necessidade de explorar todos os cantinhos é o que matou Majora’s Mask pra elas. Pra zerar o jogo da forma mais básica possível são necessárias apenas 6 máscaras.

Não é um jogo para todos; vai ver jogos que dão trabalho de terminar não são a sua praia. Claro que terminar o jogo fazendo o mínimo possível dá uma visão muito pequena do que ele tem a oferecer. É um risco grande a correr, mas que jogos atuais como Dark Souls correm confiando em uma mecânica base forte o suficiente para manter o jogador entretido e em uma narrativa boa o suficiente para mantê-lo curioso e engajado.

“AH MAS DIOGO MAJORA’S MASK NÃO TEM UMA LUTA TÃO FODA QUANTO DARK SOULS”. Não, não tem, mas Majora’s Mask é um jogo do ano 2000, apenas 2 anos depois do lançamento de Ocarina of Time. Na época, o que o jogo oferecia era o clímax do que um adventure 3D podia oferecer. Ele também não tem que ser Dark Souls pra ser um bom jogo, seu bobinho com DDA.

A Lua

Depois de coletar as máscaras e completar as quests necessárias, você está habilitado a tentar derrotar o Skull Kid: o responsável pela lua estar prestes a cair sobre Termina. E como você já bem sabe a essas alturas do jogo, para somar ao clima dramático, você só pode ir para o último mapa nos últimos instantes do 3º dia, com aquela música super bizarra e distorcida que vimos antes. Para fazê-lo, você vai até o topo da torre de Clock Town, e invoca 4 gigantes, cada um representando um espírito guardião correspondente a cada chefão que você derrotou, e eles impedem que a lua caia sobre Termina. Então você é levado para o último mapa: a própria lua.

É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.
É isso que você enxerga assim que entra no último mapa.

Debaixo dessa árvore estão 4 crianças vestindo máscaras equivalentes aos 4 chefões que você derrota durante o jogo. Aí você fala com elas e, no auge da sua busca pela reconstrução da identidade de Link, elas fazem as seguintes perguntas:

Sobre os personagens de Termina:

Your friends… What kind of… people are they? I wonder… Do these people… think of you… as a friend?

Sobre o processo de cura:

What makes you happy? I wonder…what makes you happy…does it make…others happy, too?

Sobre a impermanência dos seus bons atos:

The right thing…what is it? I wonder…if you do the right thing…does it make…everybody…happy?

Sobre a sua identidade:

Your true face… What kind of… face is it? I wonder… The face under the mask… Is that… your true face?

crazymasksalesman
BOOM!

Meus amigos. Se esse não é o fechamento perfeito para todas as coisas que o jogo oferece durante as dezenas de 3 dias que você percorre, eu não sei qual é. Você derrota Skull Kid e Majora’s Mask em sua última forma, e então descobre que Skull Kid estava solitário. Achava que havia sido deixado de lado pelos 4 gigantes que na verdade eram velhos amigos dele, e em um impulso vingativo acabou querendo parar tudo isso. É uma simplificação do final, mas acho que vale.

NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH
NNNNNNNNGGGGGHHHHHHHHHHHH

O que mais me impressiona nesse jogo é exatamente o fato de que esses detalhes, essa narrativa que floresce conforme você interage com mais e mais pessoas de Termina e o quão evidente fica a individualidade delas, é algo que seria extremamente difícil de fazer em outro meio que não em um videogame.

Onde MM ganha?

Talvez eu diga que ele seja um dos melhores jogos que eu já joguei por estar em um período mais aberto as mensagens que o jogo tinha para me passar. Como o Daniel já disse, as expectativas que você cria antes de jogar um jogo afetam muito o que você vai absorver dele. O meu eu-de-13-anos esperava uma sequência de Ocarina of Time. Com mais pancadaria, mais lutas contra o Ganon em cima de um castelo destruído. O meu eu-de-24-anos não sabia direito quem eu era. Eu estava aberto. Disposto.

Talvez as interpretações que eu trouxe aqui sejam frutos de uma projeção dos meus problemas para as metáforas do jogo. De fato há outras interpretações do que acontece em Majora’s Mask. Uma delas, inclusive, é de que os 3 dias são um período de luto, e que o Link morreu na cena de introdução, e todos os personagens são ilusões da cabeça dele em um coma pré-morte. Pessoalmente eu acho essa teoria punhetação de Massaveyismo. Prefiro a minha. Hahahah!

O que é inegável é que Ocarina of Time foi muito inovador em termos mecânicos, mas me conta qual o drama fora do eixo link-zelda-ganondorf que mais te cativou? Majora’s Mask tem centenas. É impossível desqualificar Ocarina of Time – é um jogo brilhante, e foi pioneiro em diversas coisas -, mas a profundidade do mundo sobre o qual MM se passa ganha. Ganha em personagens carismáticos com seus próprios dramas individuais, na ambientação de desastre iminente o tempo todo, e em aproveitar todo o ferramental que os jogos eletrônicos como mídia tem a fornecer para contar uma história com uma estrutura complexa. Esses fatores são capazes de despertar interpretações que batem muito próximo do nível pessoal de cada jogador, tornando a experiência de jogar Majora’s Mask a mais visceral de qualquer Zelda.

E se você discorda ou não gostou da minha opinião…

rotomnavi
HEY LISTEN!

Deixem o Hype Em Paz

Ou “Por Que Eu Evito Notícias de Games”.

O ano era 2000 e não muito tempo atrás a gente tinha acabado de passar por aquela virada de ano cheia de quimeras. O bug do milênio não se concretizou, nenhum meteoro caiu do céu e a única coisa que se acabava era a carreira do Los Hermanos com Anna Julia virando hit. Eu era uma criança de 10 anos, sobrevivente do meu primeiro fim do mundo e orgulhoso dono de um Nintendo 64, o primeiro console que tive que não era de uma geração já antiga.

Em alguma sexta-feira entre o fim de Outubro e o começo de Novembro, eu estava quebrando todas as regras de horário de sono saudáveis pra uma criança, cozinhando os princípios do que hoje é a minha insônia por ansiedade por mais um fim de semana.

Essa era a lei: toda sexta-feira eu ficava acordado até de madrugada esperando meu pai chegar de São Paulo pra vir me ver.

Mas aquela sexta-feira era especial. Não era só o meu pai que estava chegando. Ele tinha comprado um presente pra mim e eu sabia o que era. Em algum lugar dentro da mochila dele vinha uma caixa e dentro dessa caixa um cartucho. Meu pai estava trazendo The Legend of Zelda: Majora’s Mask.

Era o sucessor do jogo que foi o favorito de uma geração inteira. Era uma das minhas coisas favoritas muito antes de eu ganhá-la de um jeito que só uma criança consegue fazer. Era Zelda, porra!

Eu ouvi o barulho da fechadura Papaiz destrancando e corri pra receber o meu pai. Ele me abraçou. Abaixou e abriu a mochila ali mesmo e me deu a caixa que, além de todas as minhas expectativas, ainda trazia os dizeres: Collector’s Edition.

majorasfront

Viemos pro quarto, instalamos o videogame na TV – na época meu quarto não tinha espaço pra deixar ele ligado direto -, e abrimos a caixa.

Lá dentro o cartucho mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Ele era dourado, ainda cheirava a plástico novo e o adesivo na frente era um holograma 3D que se mexia quando você virava a fita de um lado pro outro.

majoracartridge

Do lado, o Expansion Pak do N64, um periférico que você colocava num slot que tinha na frente do seu Nintendo 64 que adicionava 4 Megabytes de memória RAM ao console.

Se você que está lendo não viveu os anos 2000, talvez ache isso uma palhaçada, já que tem grandes chances de o seu celular ter 1 Gigabyte de memória RAM. Se é o caso, deixa eu explicar:

O Nintendo 64 tinha 4MB de RAM. Isso significa que o jogo era tão épico, tão absurdo, que o videogame que já era de última geração precisava ficar duas vezes mais potente pra poder rodar Majora’s Mask.

Coloquei a fita no console e liguei. Se bem me lembro já eram duas da manhã, e eu não podia jogar muito mais antes de ir dormir, mas não importava. Os próximos trinta minutos que mendiguei pra jogar um pouquinho antes de ir dormir estão estampados no fundo do meu crânio até hoje, cada nova cena do jogo fazia minha mente de criança surtar.

Eu ainda surto.

Essa é uma das lembranças mais vivas e queridas que eu tenho da minha infância.

Majora’s Mask é o meu jogo favorito. Sim, ainda é, mesmo depois de 16 anos, de três gerações de consoles. Derrota com folga qualquer jogo que eu tenha jogado no meu PS4, com dois processadores quad-core, uma GPU violenta processando sabe-se lá quantos zilhões de polígonos por segundo.

terriblefate

É óbvio que a nostalgia me influencia. É claro que as circunstancias em cima do jogo influenciam a minha percepção dele. É claro que como game designer eu consigo encontrar falhas nele. Se você acha que qualquer uma dessas coisas faz com que minha opinião seja menos válida, em primeiro lugar, vai tomar no seu cu largo; em segundo lugar Fallout 4; e em terceiro, além de ser um babaca, estudos apontam que você está errado.

Mas eu contei essa história por um motivo.

Se passou muito tempo antes que eu tivesse uma experiência parecida com essa. Só esse ano, em 2015, eu tive a oportunidade de reviver a emoção e o calor infantil de abrir uma caixinha com a cabeça e o coração cheio de expectativas.

Vou explicar pra vocês…

O Hype nos Tempos de Discada

Era difícil ser nerd nos anos 2000.

Não é sem motivo, embora os motivos não justifiquem, que a comunidade gamer de forma geral ainda reverbera uma onda bem revanchista e machista. Esse abraço comunal na cultura pop e nerdices é fenômeno recente e, na época, ser geek significava que as pessoas jogavam coisas em você na escola – de bolinhas de papel à frutas podres -, que você era o último a ser escolhido nas brincadeiras e que você nunca, nunca ia ficar com a garota no final – exceto a feita de polígonos no final do jogo.

Além de todo o preconceito, éramos um nicho de mercado que estava só começando a ser explorado. Na época tudo era voltado para as crianças cool. Entrar em contato com coisas das quais gostávamos era uma tarefa que exigia alguma dedicação e dinheiro. Comprar revistas na banca, principalmente. Por esses e outros motivos, era muito difícil ter acesso a coisas de videogame. O processo de geração do hype para jogos novos era o seguinte:

  • As revistas de jogos anunciavam o que tinha sido divulgado na E3;
  • Fim do processo.

zeldagaiden

O resto era especulação pura e boca-a-boca. Internet era novidade. Ainda não existia Youtube. Não tínhamos acesso aos trailers, fóruns, mil sites, informação infinita. Os canais de acesso aos consumidores de videogame eram muito mais limitados, ainda mais no Brasil.

E isso era muito legal.

Não digo isso como um velho saudosista, mas como uma pessoa que encontrou só agora, cerca de 10 anos depois, o caminho de volta pro júbilo infantil. Que conseguiu fazer as pazes com aquela criança.

O Trailer do Trailer, e Porque a Sony Venceu a E3

Me lembro que esse ano uma das notícias que correu pelo meu Feed do Facebook foi que alguma empresa tinha anunciado a data de lançamento do teaser do trailer do novo filme do Deadpool. Acompanhem comigo:

  • A data de lançamento;
  • Do teaser;
  • Do trailer;
  • Do novo Filme do Deadpool.

Eu acho incrível que a cultura pop hoje consiga mobilizar tanta gente, comover tanta gente e tocar até quem antes torcia o nariz pra coisa de nerd. Sério. Mas a maneira como isso está sendo usado pelas empresas e pela mídia, pra mim, passou dos limites.

Isso não acontece só no cinema. Isso acontece com tudo que é cultura pop. Quantas vezes nós que gostamos de jogos não ouvimos nos nossos círculos que o estúdio tal anunciou a data em que vai anunciar a data de lançamento do jogo X?

Ou quantas vezes não ouvimos infinitos rumores e entrevistas com os criadores dando pequenas informações sobre como onde a história vai se passar, qual é a do personagem principal, de forma que vamos acumulando tudo e pintando um quadro sobre o que o jogo vai ser muito antes de ele ser lançado?

Isso não gera expectativas. Isso dilui as expectativas. Sabemos cada vez mais o que esperar do que vamos consumir. Se isso é bom por um lado, nos ajudando a ajustar expectativas e evitar comprar produtos dos quais vamos nos arrepender depois, por outro lado quando você coloca o jogo no seu console, você já sabe exatamente o que esperar. Quando vai assistir a E3, já sabe o que esperar.

Aí quando uma empresa mantém a boca fechada, quando ela não vaza rumores e informações só para manter a chama acesa, acontece o painel da Sony na E3 de 2015. Sério, cliquem no link e assistam.

youmaniacs
Se mais nada, basta reação do cara da direita faz valer a pena.

Agora a Square/Enix já está caindo pelas veredas conhecidas, liberando pequenos trailers de gameplay e informações sobre o jogo aqui e acolá – uma estratégia que no caso específico de um remake de Final Fantasy 7 eu considero razoável, uma vez que existe uma fanbase furiosa a ser “consultada” antes de qualquer movimento drástico por parte dos criadores – mas no dia de lançamento desse trailer é visível a empolgação das pessoas.

Agora, imagina o que teria acontecido se tivéssemos rumores em vários lugares que o Remake de Final Fantasy 7 estava vindo? O impacto seria o mesmo?

É claro que não.

Viver de Olhos Fechados: Zelda Gaiden e Project Beast

Com Majora’s Mask o meu hype, minhas expectativas, vinham só de duas coisas: O anúncio do lançamento do jogo, e poucas imagens que eu tinha visto sobre o tal Zelda Gaiden.

Quando ganhei o jogo, eu tinha um mundo misterioso pra explorar. Tudo era novo, tudo era brilhante e tudo encontrava espaço no meu peito. Eu estava de braços abertos e olhos fechados. Eu não sabia absolutamente nada além do fato de que era um Zelda e que era novo. Termina se abria para mim com cada passo e cada descoberta era uma surpresa.

termina

Quando tive essa experiência novamente depois de muito tempo?

Bloodborne

project beast
Uma das primeiras imagens do então Project Beast.

Começou, assim como o Zelda Gaiden, com os rumores do tal Project Beast. Como fã da série Souls, eu fiquei empolgado. Mas dessa vez eu tomei uma decisão: não ia procurar saber mais sobre os boatos. Ia esperar a FromSoftware decidir qual seria o momento certo de me contar o que quisesse.

Foi lançado o trailer e o título do jogo: Project Beast se tornou Bloodborne, e imediatamente eu senti as vibrações de Castlevania e Dark Souls, duas das minhas séries favoritas.

E ponto final. Me recusei a assistir qualquer coisa além do trailer. Zero trailers de gameplay, zero especulações sobre o tema, zero artes vazadas. Depois do trailer, eu só queria ver o jogo.

Foi uma das melhores decisões que tomei na vida.

Entrar no jogo cego, não saber o que esperar, era exatamente o frio na barriga que eu tinha quando ganhei Majora’s Mask. Coincidência, Yharnam também tinha um grande relógio no centro, e um sino tocava de tempos em tempos tal qual Clock Town em Termina. Quando comecei a jogar, cada cenário novo me puxava o tapete. Cada ponto na trama me parecia uma surpresa. Eu não fazia a menor ideia do que esperar além de lobisomens e quem já jogou sabe exatamente qual é a sensação de tentar encaixar no quebra-cabeças as peças que o jogo vai te dando.

Se tivesse ganhado o jogo do meu pai, acho que seria minha infância tudo de novo. Mas foi mais que suficiente.

 

Isso não é só culpa da mídia, é claro, mas é ingenuidade achar que não existe influência dela também. É algo cíclico. Só publicam porque as pessoas acessam, e as pessoas acessam porque é publicado.

Por isso tomei a minha decisão: Não assisto mais gameplay trailers, 15 minute gameplay reveal, &c. e evito – quando minha ansiedade deixa – jogar versões demo das coisas.

Existe um exercício de confiança que consiste em fechar os olhos, se deixar cair para trás e confiar que o seu parceiro de dinâmica vai te segurar. Durante a curta queda existe aquele segundo de suspensão, de dúvida: o que vai acontecer? E então a pessoa te segura. Quando falo em viver de olhos fechados, é isso que eu quero dizer. Entrar no mundo de um jogo sem saber sobre nada e confiar que a experiência construída vai te tirar o fôlego e te fazer feliz é uma experiência única.

É se permitir surpreender-se. Se entregar a uma experiência nova. Dar o salto de fé.

Eu sei. Controlar a ansiedade é muito difícil. Mas confiem em mim quando eu digo: uma vez que você pega o controle, faz valer cada segundo.

rotom
Por isso que não tem “Rotom TV”.

Vai ser tóxico assim no inferno

Se eu tivesse que adivinhar qual a proporção de pessoas que já foram tóxicas em um jogo online eu diria 99.999…%. Não porque toda a comunidade de jogadores é sempre tóxica, mas porque todo mundo tem um mau dia:

Nome do Jogador Partida 1 Partida 2 Partida 3 Partida 4 Partida 5 Partida 6 Partida 7 Partida 8 Partida 9 Partida 10
Alice   TÓXICO                
Bob               TÓXICO    
Carlos TÓXICO TÓXICO                
Daniel         TÓXICO          
Eduardo     TÓXICO           TÓXICO  
                     
Percepção que temos da partida TÓXICO TÓXICO TÓXICO   TÓXICO     TÓXICO TÓXICO  

Todo mundo eventualmente passa por um mau momento: perdeu várias vezes, brigou com chefe/amigos/família/cônjuge, e acabou descarregando a bad no chat do jogo. O problema é que quando a comunidade de jogadores cresce significativamente e os times passam a ser integrados por 10, 16 ou até 32 jogadores, a chance de um deles estar de mau humor é muito alta. Lembrando como probabilidades interagem: em um grupo de 23 pessoas, há 50% de chance de 2 delas fazerem aniversário no mesmo dia.

Ao decorrer de várias partidas de League of Legends que o time do Mean Look jogou, formamos uma crença que é reforçada a cada partida. Conforme ela foi sendo confirmada, surgiu A Teoria Fundamental da Solo Queue:

Em um jogo onde o time tem 5 jogadores, se você montar um time de 4 amigos e deixar o 5º espaço ser preenchido por alguém aleatório, a chance dessa pessoa aleatória ser tóxica é uns 50%. Se você montar um time de 5 amigos, a chance de alguém ser tóxico ainda é uns 50%.

Não é que tenhamos amigos que são bostões e tóxicos. Temos amigos que tem um emprego, que dividem o quarto com irmãos, que estão com uma infiltração no teto do banheiro porque o filho da puta do vizinho não faz nada a respeito já tem um mês. Tomara que ele morra, aquele infeliz. Opa. A idéia toda é de que ninguém está livre disso. E isso é OK, não acho que esse tipo de ofensa seja punível com banimento dos jogos onlines (até porque teríamos jogos bem pouco populosos em alguns casos).

O ponto é: se ser tóxico é algo que acontece com determinada frequência com todo mundo, existem várias nuances de toxicidade que um jogador pode exercer, e podemos determinar limiares dentro disso para determinar o que acontece com essas pessoas.

toxxplayers

A zona intermediária não é passível nem de louvor nem de banimento, mas não significa que nada possa ser feito nesse nível. Minha proposta é olharmos para um mecanismo comum a vários jogos online que pode ser usado para identificar qual círculo do purgatório aquela pessoa deve ser enviada.

Matchmaking

Em geral, jogos online que incentivam a competitividade como CS:GO, League of Legends, Rocket League, etc, têm um processo no qual tentam montar uma partida com jogadores que tem um nível parecido de habilidade. A idéia é que um desnível muito grande entre as habilidades dos jogadores que estão se enfrentando ia deixar o jogo pouco divertido para um dos lados, ou então completamente não-determinístico.

  Oponente muito experiente Oponente iniciante
Jogador muito experiente Partida interessante, cheia de viradas, surpresas e jogadas boas de fazer e assistir. Jogador ganha de goleada.
Jogador iniciante Jogador toma uma surra. TODO MUNDO APERTA TUDO QUE É BOTÃO, ACIDENTALMENTE ACERTA UM SHIN HADOUKEN E FICA RINDO POR HORAS SEM FAZER IDÉIA DE COMO FEZ.

Como isso funciona? Esses jogos em geral tem alguma adaptação de um sistema de rating como o Elo, utilizado para quantificar a habilidade relativa de jogadores de xadrez. Esses sistemas atribuem um número a cada jogador, que indica o nível de habilidade deles, e conforme eles vão jogando, esse número vai sendo calibrado para representar o nível daquele jogador de maneira cada vez mais fiel. Uma vez em posse desse número, o que o sistema de matchmaking faz é procurar grupos de pessoas que melhor atendam um critério. Esse processo é chamado de aproximação do mínimo de uma função, onde se está buscando ter um conjunto de jogadores que tenha, por exemplo, a menor diferença entre suas pontuações*. O conjunto de jogadores escolhidos não precisa ser o melhor possível, ele pode ser o melhor o suficiente para que o tempo de espera para encontrar a melhor partida hipotética não se torne insuportável.

* = Outros critérios podem ser adotados também, mas essa é uma simplificação do processo. Para quem tem interesse nos detalhes dessa ciência sórdida, tem muito, muito, muito, muito, muito material teórico sobre como essa divisão é feita, e algum material mais especializado sobre matchmaking para sistemas onde latência de rede (lag) é uma variável a ser considerada, modelos que questionam habilidade como uma variável, etc.

niveldehabilidade

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade

A parte importante aqui é que o sistema tenta obter um conjunto com a menor diferença entre a pontuação dos jogadores. Já existe um pedaço do sistema que tenta encontrar esse conjunto usando uma função que determina a diferença de score entre os jogadores. Recorrendo à matemática do segundo grau, a distância entre dois pontos em um espaço linear que descreve o Elo (ou score de habilidade dos jogadores):

d(A, B) = |EloA – EloB|

OK, estamos calculando distâncias entre os scores em uma reta. E se adicionássemos mais um eixo nesse espaço? E se adicionássemos toxicidade como um dos critérios do matchmaking? Suponhamos que além do seu ranking de habilidade, os jogadores possuíssem um número que determina o quão frequentemente eles praticam comportamento tóxico. Poderíamos modificar a função que determina a diferença de scores para calcular efetivamente a distância entre dois planos em um plano onde X representa o nível de habilidade do jogador e Y seu grau de toxicidade. A distância em um espaço bidimensional é barbada: pitágoras.

a² = b² + c²

(d(A, B))² = (EloA – EloB)² + (ToxA – ToxB

d(A, B) = sqrt((EloA – EloB) + (ToxA – ToxB))

Isso poderia alterar a melhor combinação para um determinado jogador:

eloxtox

Oponentes em potencial de acordo com o nível de habilidade e toxicidade

Podemos até acrescentar pesos diferentes para os critérios de Toxicidade e Habilidade como desejarmos. O importante é que isso poderia ser introduzido como parte do sistema já vigente, sem grandes modificações. Claro que estou generalizando e teorizando sobre sistemas aos quais não temos acesso, e isso dependeria do jogo onde isso seria aplicado mas, em linhas gerais, um modelo assim seria compatível com o caso genérico de matchmaking.

Isso faria com que quanto mais tóxico um jogador é, maior a chance dele ser colocado em uma partida com outros jogadores tóxicos. É uma tática de stealth banning já utilizada por sites como Hacker News, Reddit e Craigslist. O Matchmaking passa a criar experiências mais e mais agradáveis para pessoas que se preocupam em dar a experiencia mais agradável ao seus parceiros de equipe e adversários. Ser gente-fina passa a ser um comportamento desejável, passível de recompensa. Enquanto isso torna o jogo mais divertido para a metade menos tóxica dos jogadores, isso pode gerar um comportamento impassível de recuperação para a metade mais tóxica. Essas pessoas deixam de entrar no jogo ao invés de corrigirem suas atitudes.  Como arrumar?

Nielsen, teu povo te ama

Às vezes temos a sensação de que efetuamos nosso papel brilhantemente, mas o resto da equipe atrapalhou, causando a perda de uma partida. Mesmo quando os outros jogadores também estavam tentando cooperar tanto quanto nós. É um tipo de viés cognitivo. Para que fique clara a tendência de comportamento que o indivíduo tem no jogo, o ideal seria informar o jogador do feedback que ele vem recebendo no decorrer das suas partidas. Pode ser totalmente anônimo, e com um intervalo de alguns dias entre o feedback ser emitido e mostrado. Até para evitar que haja qualquer tipo de retaliação por uma crítica (que diga-se de passagem seria algo mega-tóxico).

Imagina que interessante, se os dados de denúncias e honrarias que você recebe de outros jogadores fossem condensados em um dashboard onde você mesmo pudesse descobrir coisas sobre seu estilo de jogo:

  • Toda vez que eu jogo em um papel de suporte, eu sou mais tóxico do que minha média.
  • Eu sou tóxico em jogos onde eu estou indo bem e meu time não.
  • 30% das vezes que eu fui tóxico, alguém estava me xingando no chat e eu fiquei respondendo.

Isso dá ferramentas para o próprio jogador enxergar como os outros o tem percebido (removendo o viés cognitivo) e para ele mesmo descobrir maneiras de como melhorar sua atitude. Não remove a necessidade de uma punição em casos pesados, mas deixa tudo mais claro. A própria Riot, empresa que desenvolve League of Legends, comenta sobre como dar transparência sobre os motivos pelos quais uma pessoa recebeu uma punição baixou muito os índices de reincidência de atitudes tóxicas. Confere aqui.

dashboard

O próprio Match History de League of Legends já melhorou muito, mas poderia trazer dados mais relacionados entre si.

Outra coisa a considerar é fazer com que o score de toxicidade do jogador caia suavemente conforme ele não recebe nenhuma denúncia. Isso também deixaria uma chance para que as pessoas não ficassem PRESAS na área bem da direita daquele gráfico lá em cima.

Tenho certeza que não é tão simples

Claro que esse tipo de sugestão envolve um trabalho de pesquisa que eu sequer tenho condições de analisar se é plausível ou não. Procurando material para esse post descobri que tem muitas empresas com bastante esforço sendo feito em cima disso. Existem peculiaridades de como essa implementação seria feita para jogos que permitem partidas com times pre-feitos, por exemplo, e também é muito difícil isolar as variáveis do que consideramos comportamento tóxico de maneira que essa triagem possa ser feita de forma automatizada. As mesmas dificuldades são apontadas para calcular o ranking de habilidade de um jogador em jogos de times. E são discutidas em papers da Microsoft, e também nesse outro paper maneiríssimo do nosso colega Nicholas Passy.

Uma coisa que ajuda muito para que esse tipo de coisa possa ser estudada/sugerida pela comunidade são jogos que expõem uma API para desenvolvedores. A Valve (DOTA2, CS:GO,  TF2, etc.) e a Riot Games (League of Legends) possuem esses serviços, mas não permitem acesso a informação de denúncias de toxicidade sobre um jogador, talvez por uma questão de privacidade. Se esses dados não fossem associados a uma conta, mas a um identificador único que fosse conhecido apenas pelo dono da conta, isso seria bastante factível e daria informações suficientes para que desenvolvedores pudessem gerar bons insights a partir delas. Com uma comunidade de fãs tão grandes, a máxima “if you build it they will come” se aplica muito forte aqui. Têm milhares de desenvolvedores que já têm idéias de como cruzar esses dados de maneiras interessantes, basta fornecer maneiras para que isso aconteça.

Por hora, não esqueçam que todo mundo tem um mau dia de vez em quando 😉

rotom_chill

CHIIIIIILL DOWN, CARAS